O aumento na importação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos e eletrônicos já preocupa o governo e ameaça transformar alguns setores em "maquiladoras", simples montadoras de equipamentos com partes e peças estrangeiras, disse ao Valor o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge.
Esse é mais um reflexo do avanço do comércio da China, país, que, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), tomou o lugar dos Estados Unidos como fornecedor de produtos de alta tecnologia: de cada US$ 100 importados desses produtos, US$ 24,50 são mercadorias chinesas.
A importação, pelo Brasil, de componentes eletrônicos, detalhados no capítulo 85 da lista da tarifa externa comum do Mercosul, superou em quase US$ 16 bilhões as exportações brasileiras desses produtos entre janeiro e novembro deste ano. É um aumento de 67% em relação aos quase US$ 9,5 bilhões de déficit na balança comercial de componentes eletroeletrônicos registrados em 2009. "É capa e teclado de celular, tela de televisão, estão trazendo tudo de fora e montando aqui, especialmente em Manaus", comentou o ministro, que vê nesse aumento da importação de produtos eletrônicos um problema a ser enfrentado pelo próximo governo.
Nos últimos seis meses, o ministério rejeitou três pedidos para instalação de fábricas na Zona Franca de Manaus (um para painéis para automóveis, outro para tênis esportivos e outro para plugs e tomadas) por avaliar que elas seriam apenas instalações para montagem de componentes importados, criando riscos para a produção em outras regiões. "Não podemos transformar todo o país em uma zona franca, pois teríamos bens mais baratos, mas faltariam empregos e renda para termos consumidores", diz Miguel Jorge.
Ele pretende sugerir ao seu sucessor no ministério a contratação de uma "avaliação cuidadosa" sobre o funcionamento da Zona Franca de Manaus e dos benefícios concedidos. "Como nas autopeças, as pequenas e médias empresas não têm como concorrer com os chineses", disse. Ele defende que se aplique, para o setor eletroeletrônico, medidas de incentivo à produção nacional e barreiras aos componentes importados. "No setor automotivo, por exemplo, aumentamos o imposto de importação para partes e peças, e as empresas brasileiras estão produzindo automóveis competitivos."
As medidas, segundo explicou Miguel Jorge, se tornaram necessárias especialmente com o aumento do consumo interno e a crescente diferença entre a cotação do dólar no mercado brasileiro e nos países onde estão instalados os concorrentes, como os asiáticos.
Jorge confidenciou que, para reduzir as pressões políticas, o ministério foi obrigado a mudar o sistema de análise dos chamados processos produtivos básicos (PPB), o compromisso assumido pelas empresas de aproveitamento de conteúdo local nas fábricas candidatas a produzir com incentivos na Zona Franca de Manaus. Antes, ao receber a proposta de PPB das empresas, o governo realizava audiências públicas e desencadeava forte pressão de políticos da região, lembrou Jorge. Hoje, antes da audiências, há uma avaliação técnica para constatar se o projeto não provocará apenas a transferência a Manaus de fábricas já instaladas em outras regiões.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, o principal item responsável pelo aumento nas importações de componentes eletroeletrônicos foi o de "outras partes para aparelhos receptores, de televisão etc". As compras desses produtos aumentou US$ 1,7 bilhão, entre janeiro e novembro, três vezes mais que o total importado no mesmo período do ano passado. Em termos percentuais, o maior aumento foi o de "outros grupos eletrogeradores para motores de explosão", usados em automóveis, que cresceu 1.850%, de US$ 7 milhões para US$ 142 milhões. Circuitos integrados e microprocessadores também estão entre os principais causadores do aumento da importação, com aumentos superiores a 30%.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o déficit do setor este ano deverá ser de US$ 27,5 bilhões. Em 2009, o déficit somava US$ 17,5 bilhões. Neste ano, as vendas de produtos do setor para o exterior deverão somar US$ 7,7 bilhões, o que representa um avanço de 4% em relação a 2009. Esse valor, quando convertido para o real, revela uma queda de 9%. As importações devem crescer 41% neste ano, para US$ 35 bilhões, o que em reais corresponde a uma alta de 25%. (Colaborou Vanessa Dezem, de São Paulo)
Veículo: Valor Econômico