Em breve, a Eudora vai bater à sua porta

Leia em 7min 40s

Grupo Boticário cria marca paralela para entrar no cobiçado mercado de venda direta

 

A necessidade de criar uma estratégia de vendas diretas, para concorrer com pesos pesados como Natura e Avon, ronda as decisões do alto escalão do Boticário há pelo menos uma década. Durante anos, o grupo paranaense fez pequenos testes: permitiu a venda em empresas e fez um projeto piloto com catálogos no interior de São Paulo e em Pernambuco. Mas a proposta esbarrou sempre no dilema de canibalizar a rede de lojas. O tempo passou, e a ideia ficou no papel. Após uma série de falsos inícios, a empresa agora virou a estratégia de cabeça para baixo: vai iniciar a venda de porta em porta até abril deste ano, com um nova marca, batizada Eudora.

 

A criação da holding Grupo Boticário, há dez meses, deixou claro que o conglomerado poderia fazer um movimento rápido para iniciar as vendas por catálogo. A reorganização inclui também a abertura de uma empresa para desenvolver negócios, a GKDS, para a qual foram contratados vários executivos com passagem por empresas-símbolo de venda direta, como Tupperware, Avon e Natura. O lançamento e o marketing da Eudora, que será um negócio independente dentro da holding, ficará sob a batuta do executivo Claudio Oporto, vindo da Natura.

 

A estratégia da Eudora é atualmente desenvolvida por 100 profissionais, a maioria deles alocada em um escritório que funciona como "quartel-general" em São Paulo. A linha para venda de porta em porta é tratada pelo grupo como projeto a ser guardado a sete chaves: os funcionários envolvidos assinaram contratos de confidencialidade e a estrutura de vendas será montada por uma consultoria internacional, para evitar que detalhes venham a público. O presidente do Grupo Boticário, Artur Grynbaum, só concordou em falar com o Estado depois que a reportagem apurou no mercado detalhes do projeto.

 

Expansão. De acordo com Grynbaum, o desenvolvimento da linha para venda direta é resultado da confluência de dois fatores: a maturação do sistema de franquias do Boticário, que limita a possibilidade de abertura de novas lojas, e o bom momento econômico do País, que estimula o consumo de cosméticos - mercado cujo movimento é estimado em US$ 28 bilhões ao ano, segundo dados da consultoria internacional Euromonitor. "Há uma oportunidade no setor de bens de consumo e decidimos não misturar essa nova estratégia à marca O Boticário, que continuará a seguir seu caminho", explica o executivo.

 

Segundo o presidente do Grupo Boticário, o catálogo da marca Eudora trará inicialmente apenas artigos de perfumaria e cosméticos - no futuro, entretanto, a marca deverá vender outros produtos de apelo ao público feminino, como lingerie, segundo apurou o Estado. A linha Eudora será produzida na fábrica da companhia, em São José dos Pinhais (PR). Grynbaum explica que a nova demanda poderá ser acomodada em virtude do projeto de expansão da capacidade de produção e distribuição do grupo, que consumirá investimentos de R$ 170 milhões no período entre 2009 e 2012.

 

O executivo afirma que os recursos para a contratação de funcionários e o lançamento da nova marca no mercado, cujo valor não foi revelado, foram gerados pelo caixa do grupo - ele desmente comentários de que teria havido venda de ativos para financiar a empreitada. Grynbaum não revelou como será o lançamento da linha para venda direta, mas adiantou que, ao longo do tempo, a comercialização da Eudora será nacional.

 

Público-alvo. Artur Grynbaum evitou especificar o público-alvo da Eudora, afirmando apenas que será "um segmento diferente do já atendido por O Boticário". Entretanto, segundo especialistas na área, o portfólio da nova marca deverá ser mais popular que o vendido nas franquias, uma vez que a classe C é consumidora cativa do segmento de porta em porta.

 

Na opinião de Marcelo Pinheiro, sócio-fundador da consultoria especializada em vendas diretas DirectBiz, a venda direta pode conviver "pacificamente" com as mais de 3 mil lojas da rede O Boticário no País. Ele afirma que, provavelmente, a linha terá um perfil de preço acessível, como reza a cartilha da venda por catálogo. "O portfólio pode até ter alguns itens de mais valor agregado, como é o caso da linha Renew, da Avon, mas a estratégia não é baseada neles", explica Pinheiro, que já foi executivo das marcas Natura e Jequiti.

 

O grupo paranaense recentemente testou a força dos produtos mais populares ao criar, para as lojas de O Boticário, duas linhas de custo reduzido: a Intense, de maquiagem, e a Cuide-se Bem, de cremes e produtos para o corpo, com preços de 20% a 60% inferiores aos das opções tradicionais. Embora a empresa não revele detalhes sobre a participação de linhas específicas em sua receita, nos últimos dois anos, quando as opções "emergentes" foram incorporadas ao seu portfólio, o faturamento teve expansão anual superior a 20% (veja quadro).

 

Para o consultor especializado em franquias Marcelo Cherto, presidente do Grupo Cherto, a migração do grupo para as vendas diretas era inevitável. "Hoje, é o consumidor quem decide como quer comprar, e não a empresa que define como quer vender. A empresa tem de estar disponível em diferentes formas: com lojas próprias, catálogos e venda por internet, além de ficar atenta a opções que estão para surgir, como a venda a partir das redes sociais", afirma.

 

Cherto diz ainda que o movimento do Boticário em direção à venda por catálogo veio até tarde demais. "O fundador da empresa, Miguel Krigsner, tinha uma resistência natural em mexer no formato que se mostrou vencedor por três décadas. A ideia da venda de porta em porta começou a ganhar força quando o Artur (Grynbaum) assumiu a presidência, em 2008", afirma.

 

Segundo o especialista, o estrangulamento do formato de lojas franqueadas da rede virá mais cedo ou mais tarde - não apenas pelo grande número de unidades já em operação, mas também pelos investimentos necessários nesse canal de vendas. "Esse potencial inevitavelmente vai se esgotar. Não existem mais pontos físicos e o custo, especialmente nos shoppings, virou algo obsceno."

 

Multiplataforma. O consultor diz que o movimento em direção à atuação "multiplataforma" deixa o Grupo Boticário em vantagem em relação aos concorrentes - e pode representar uma chance de a empresa se aproximar da participação da Avon e da Natura nas vendas brasileiras de cosméticos.

 

Para Cherto, é mais fácil para o Boticário implantar uma estratégia de venda direta do que para a Natura, por exemplo, abrir lojas depois de se consagrar pela venda por meio de representantes. "As vendedoras têm uma relação muito forte com a marca que representam. A abertura maciça de lojas pode ser vista como uma traição, o que pode se refletir numa migração de representantes para a concorrência", acredita o especialista. "É por isso que a Natura só tem lojas em aeroportos e unidades para as clientes experimentarem o produto, que funcionam como ponto de apoio para as consultoras."

 

Ao criar a Eudora para inaugurar o formato de vendas, diz Marcelo Cherto, o Grupo Boticário deve eliminar o fantasma que assombrou a empresa ao longo dos anos: o descontentamento dos franqueados com a possível concorrência de catálogos com produtos da marca principal.

 

Para garantir o bom relacionamento com os lojistas diante da criação da segunda marca, a empresa mantém nos planos o desenvolvimento de uma ferramenta de vendas diretas para O Boticário. O objetivo é que a estratégia seja uma oportunidade de renda extra para os franqueados - cada um deles receberia uma área geográfica para trabalhar o "porta a porta".

 

Em fase de testes há cerca de um ano, ainda antes de a ideia da Eudora surgir, as vendas diretas da marca principal devem ficar na geladeira por mais algum tempo, de acordo com o presidente da holding. "Vamos continuar a avaliar (essa possibilidade), mas será um movimento posterior", esclarece Grynbaum. Pelo menos até o segundo semestre deste ano, todas as forças para a "inauguração" de um novo canal de vendas dentro do grupo fundado há 34 anos estarão concentradas na novata Eudora.

 


TRÊS RAZÕES PARA...

Criar uma nova marca para as vendas diretas

1. O potencial de expansão das lojas está mais limitado. Em 2010, foram abertas 160 unidades; em 2011, serão 100.

2. Ao optar por uma marca completamente nova, a empresa não concorre com seus mais de 3 mil franqueados.

3. A empresa pode aumentar sua fatia no mercado, que hoje equivale à metade da participação da Natura.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


Veja também

Preço do leite deve ficar mais alto este ano, prevê o setor

Com a expectativa do setor de que o preço do leite fique até 7% mais alto em 2011, a produçã...

Veja mais
A invasão coreana chega à publicidade

Cheil e HS Ad, que cresceram com LG e Samsung, apostam no potencial do Brasil   Com o discurso de que suas opera&...

Veja mais
Material escolar pode custar uma mensalidade a mais

Levantamento indica grande variação de preços, principalmente em artigos de papelaria; saída...

Veja mais
Safra paulista de laranja fecha com queda de 16,4% na produção

Condições climáticas atrapalharam, afirmam citricultores   Condições clim&aacu...

Veja mais
Mercado de flores e de plantas ornamentais cresce no Brasil

Mercado interno sustentou crescimento no país, enquanto EUA e Europa registraram queda   Setor já e...

Veja mais
Neste verão, cerveja fica mais cara e passagens aéreas caem

Viajar de avião até ficou mais barato, mas a cervejinha do final de tarde na praia subiu neste verã...

Veja mais
OMO aposta na tecnologia dos concentrados para um planeta mais limpo

Marca tem investido R$ 30 milhões no lançamento de lançamento de OMO Líquido Super Concentra...

Veja mais
Chocolates Garoto estreia no mercado de biscoitos com seis opções

Sabores tradicionais da marca inspiram os lançamentos.   A Chocolates Garoto acaba de lançar uma l...

Veja mais
L'Oréal tenta mudar hábito de brasileira em cosméticos

As brasileiras estão entre as mulheres que mais gastam com produtos de beleza no mundo. Mas a maior empresa de co...

Veja mais