Conhecido como o "pai da estévia" nos EUA, o empresário americano Jim May trouxe do Paraguai há 30 anos as primeiras folhas da planta da qual é extraído esse adoçante natural. Agora, a companhia que ele fundou com suas economias pessoais, a Wisdom Natural Brands, prepara-se para montar uma base de produção no Brasil para disputar um mercado que, no mundo, é estimado em US$ 2 bilhões e que já atraiu gigantes como a Cargill, a Coca-Cola e a Pepsico.
"Compramos folhas de estévia onde estiver disponível porque a demanda está crescendo nos EUA", diz Angus Flood, vice-presidente executivo da Wisdom Natural Brands, sediada no Arizona. "O Brasil é uma opção natural não só para fornecer folhas, mas também porque tem um tremendo potencial como mercado consumidor".
Outras empresas seguem caminho semelhante. A canadense GLG Life Tech, que fornece extratos de estévia para a Cargill, assinou há alguns meses um contrato com a Essencial estévia para a distribuição de produtos no Brasil. A malaia PureCicles formou parceria de distribuição com a francesa Tereos, que controla no Brasil a Açúcar Guarani. A brasileira Steviafarma, dona da marca Stevita, iniciou recentemente uma inédita plantação de larga escala de estévia.
Todo esse movimento se deve, em parte, à aprovação da estévia para uso como adoçante de mesa e para mistura em alimentos e bebidas pela FDA (Food and Drug Administration), o poderoso orgão que aprova a comercialização de remédios e alimentos nos EUA. Antes, a estévia só podia ser vendida como complemento alimentar e era proibido misturá-la a industrializados. Ou seja, o consumidor podia até comprar o adoçante para colocar no café, mas o fabricante não podia anunciá-lo como tal.
Com a mudança do status, as vendas do produto nos EUA, que somavam só US$ 20 milhões em 2007, já haviam multiplicado por cinco em 2009. Em termos globais, o consumo do produto, que é projetado em US$ 2 bilhões para 2011, deverá dar um outro salto, com a esperada aprovação pela vigilância sanitária da União Europeia até o fim do ano. Os mais otimistas falam num mercado de até US$ 10 bilhões em alguns anos. No Brasil e outros países da América do Sul, o uso da estévia já era aprovado.
A indústria americana de alimentos e bebidas vem há anos procurando uma alternativa mais natural para o açúcar, como forma de combater a obesidade nos EUA. A varejista Walmart anunciou há alguns dias um plano de cinco anos para reduzir o volume de calorias dos produtos que vende, em sintonia com um projeto encabeçado pela primeira-dama dos EUA, Michele Obama, para reduzir os índices de obesidade no país.
Muitos apostam que a estévia, planta que é usada há séculos pelas populações indígenas do Paraguai, pode cumprir esse papel. Com zero calorias, adoça entre 200 e 300 vezes mais do que o açúcar para uma mesma quantidade dos produtos. Não é a primeira vez, porém, que a indústria de alimentos diz que encontrou um substituto definitivo para o açúcar. No passado, acreditou-se que esse papel poderia ser desempenhado, por exemplo, pelo aspartame.
A estévia tem a vantagem de ser um produto natural, mas os desafios são tornar o seu sabor mais agradável ao paladar dos consumidores, sem aquele gosto amargo no finzinho, produzir a preços mais competitivos e encontrar fontes estáveis e fartas de suprimento de matéria-prima para uma demanda crescente. "Quem diz que a estévia é amarga é porque provou as versões do produto de anos atrás", diz Flood. "É como dizer nos idos da década de 90 que a internet não teria futuro porque as conexões eram muito lentas".
Um dos objetivos da Wisdom Natural Brands para o Brasil é organizar pequenos agricultores para produzir os tipos de plantas adequadas ao adoçante. "Muitos cultivam os tipos de planta que, embora sejam boas para chás e outros produtos que fazem bem para a saúde, não são adequadas para fabricar o adoçante", afirma Jim May, que desenvolveu projetos com comunidades da Colômbia para substituir o cultivo de folha de coca por estévia.
Os planos envolvem também construir uma fábrica no Brasil, ainda sem localização definida, para extrair das folhas os ingredientes para o adoçante. Hoje, a maior parte do adoçante vendido pela empresa vem de sua fábrica no Chile, que processa folhas cultivadas em toda a América Latina.
"Queremos fazer no Brasil em larga escala o que já fazemos em países menores da América do Sul", diz Flood. O mercado consumidor local também é um alvo. Segundo ele, a empresa negocia o fornecimento de extratos de estévia para uma multinacional que fabrica bebidas no Brasil usando toneladas de adoçantes artificiais. "Eles sabem que isso não é sustentável no médio e longo prazos".
De 2008 para cá, a Cargill criou, em parceria com a Coca-Cola, uma marca de adoçante de estévia, a Truvia, usada tanto na mesa dos consumidores quanto em bebidas, como a Vitaminwater. A Pepsico tem iniciativa similar com a Merisant com a marca Purevia, usada na bebida SoBe Lifewater. A Colgate-Palmolive e a GlaxoSmithKline usam extratos de estévia em produtos de higiene bucal. O desafio para a indústria de bebidas é criar a mistura que possa ser usada em refrigerantes do tipo cola - o que poderia ampliar o consumo de estévia em proporções geométricas.
A Wisdom foi uma das pioneiras no mercado de estévia nos EUA, mas perdeu terreno nos grandes varejistas para marcas como a da Cargill. Para competir, a empresa aposta no nicho de produtos 100% naturais, sem mistura de ingredientes artificiais, usando só água na extração de ingredientes da folha de estévia, sem uso de produtos químicos. Hoje, ela é líder no setor de produtos naturais, distribuindo a produção em pontos como ao WholeFoods, cadeia de supermercados que vende produtos preferencialmente orgânicos.
A parceria com pequenos agricultores na América do Sul, onde a estévia foi cultivada pela primeira vez, é uma forma de manter a imagem de responsabilidade socioambiental. A maior fabricante mundial de adoçantes de estévia, a GLG Life Tech, mantém a produção só na China. As primeiras mudas de estévia foram levadas do Paraguai para a China por empresas do Japão, onde o produto representa 40% do mercado de adoçantes.
A GLG Life Tech mantém entendimentos com o governo chinês para a produção de estévia. Com o aumento da renda de sua população, a China tem sido obrigada a importar volumes crescentes de açúcar, cujas preços chegaram aos maiores valores em 30 anos. O governo também está preocupado com o aumento da obesidade entre a população. Uma ideia é misturar a estévia com o açúcar para reduzir as necessidades de importação do produto e o consumo de calorias.
As empresas produtoras de estévia acham que esse é um modelo que pode ser empregado em escala global. A PureCicle estima que a estévia possa tomar de 20% a 25% do mercado de açúcar nos próximos anos. "Vemos a indústria de açúcar como parceira, não como concorrente", diz Flood, da Wisdom. "Já existe no Brasil a tradição de misturar a estévia ao açúcar".
Veículo: Valor Econômico