Mercado: Repasses aos preços da farinha não acompanham o ritmo; Pacífico prevê dificuldades
Proprietário e presidente do maior moinho de trigo da América Latina, o Pacífico, Lawrence Pih não usa de eufemismos para definir 2010: "foi medíocre", diz ele, em referência à guinada dos preços internacionais do cereal do primeiro para o segundo semestre do ano passado e à dificuldade em repassar toda a alta ao valor do produto final, a farinha de trigo.
Para 2011, Pih acredita que haverá mais dificuldades, pois os preços da matéria-prima já estão em um patamar mais elevado e o repasse desse custo maior tende a continuar caminhando lentamente. O problema se acentua, segundo ele, em virtude da forte concorrência da farinha argentina, que com o câmbio atual chega a preços ainda mais competitivos do que o usual ao mercado brasileiro. "A farinha argentina entra no país entre R$ 45 e R$ 48 por saca de 50 quilos. O custo da farinha brasileira está acima de R$ 53".
Os volumes de entrada de farinha do país vizinho no Brasil continuam firmes e o produto está mais caro. De janeiro a abril deste ano, as importações atingiram 216 mil toneladas e custaram US$ 90,7 milhões. Em igual período de 2010, foram 211 mil toneladas, que saíram por US$ 67,7 milhões, segundo dados do Sistema Alice do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O desajuste, afirma Pih, começou em meados do ano passado, quando os preços do trigo iniciaram uma robusta escalada no mercado internacional. O custo das aquisições da matéria-prima dos moinhos subiu de US$ 220 por tonelada, em junho de 2010, para US$ 360 por tonelada agora - uma valorização de quase 64%. Por outro lado, o principal produto dos moinhos, a farinha de trigo, passou a ser vendida no mercado brasileiro por R$ 57 por saca de 50 quilos, 29,5% a mais do que em meados do ano passado, quando valia R$ 44, de acordo com informações do Moinho Pacífico.
Pih explica que 2010 foi um ano ruim, mas que quando os preços começaram a subir sua empresa, por exemplo, tinha um bom estoque nos armazéns, negociado com preços antigos. "Agora, os estoques derivam dos preços elevados, o mercado ainda está alto e o repasse continua difícil", afirma ele.
No caso do Pacífico, esse descompasso será amenizado a partir do ano que vem, quando a companhia terá sua capacidade de silagem ampliada a partir de obras iniciadas em 2010. O empresário investiu cerca de R$ 80 milhões para aumentar de 105 mil para 200 mil toneladas seu espaço de armazenamento do cereal e ter mais condições de administrar sua relação de estoque e aquisição de matéria-prima. Assim, ele pretende aproveitar os preços bons da safra para se abastecer com trigo de qualidade.
Com essa capacidade de armazenagem de 200 mil toneladas, o moinho atenderá a dois terços de sua capacidade de processamento do cereal, que é próxima de 300 mil toneladas - 3,3% da capacidade brasileira de processamento de trigo, que está em torno de 9 milhões de toneladas, segundo estimativas do próprio moinho.
O sigilo sobre o faturamento do Pacífico é mantido por Pih há muitos anos e já conhecido do mercado. Ele se limita a dizer que, em volumes, a empresa cresceu 5% em 2010, avanço que não deve se repetir neste ano. "O mercado paulista [o Pacífico tem sede em Santos] como um todo encolheu em 2010 por volta de 10%", estima o empresário. A concorrência da farinha argentina mais uma vez está no centro das razões que explicam a retração, apesar do crescimento da economia brasileira no ano passado.
O país vizinho também motivou Pih a manter na gaveta o projeto de verticalizar a produção com a entrada no segmento de massas e biscoitos. "Há indícios de que os argentinos vão entrar no mercado brasileiro com esses mesmos produtos. Esse será, certamente, o próximo passo dos vizinhos", afirma.
Qualidade e preço são desvantagens de cereal russo
A maior abertura para a entrada de trigo russo no Brasil, acertada esta semana entre os governos brasileiro e russo, é considerada positiva pelos moinhos nacionais. Eles não acreditam, porém, que haverá, a princípio, grandes movimentos de importação por parte do Brasil.
O presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, afirma que o trigo russo tem qualidade inferior à do cereal importado da Argentina, dos Estados Unidos e do Canadá, fornecedores que têm ainda a vantagem de estar mais próximos do Brasil.
Além disso, explica o empresário, o trigo russo tende a chegar no Brasil a preços elevados. Ele calcula que uma tonelada de trigo russo chegaria hoje ao porto de Santos (SP) a US$ 453. O cálculo considera um preço para o trigo russo equivalente à cotação na bolsa de Kansas (EUA), referência mundial em preço do trigo do tipo comum.
O trigo argentino, por outro lado, chegaria ao porto paulista valendo bem menos, em torno de US$ 387. "O trigo russo paga imposto que o argentino não paga e, além disso, tem custo de frete bem superior", pondera.
Por esses motivos, Pih acredita que o Brasil deve continuar importando pouco trigo da Rússia. O cenário pode mudar se o governo russo decidir interferir no mercado para tornar o trigo viável ao mercado brasileiro. "De forma geral, para a indústria é importante ter uma outra alternativa de importação, já que o Brasil não é autossuficiente no cereal", diz.
Os produtores de trigo brasileiros não gostaram da possibilidade da entrada de mais trigo russo no Brasil. "Queremos impor limites à entrada de produtos, sobretudo farinha, do Mercosul e também de qualquer outro mercado que venha competir com o trigo nacional", afirma Rui Polidoro, presidente das Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro).
O cultivo do cereal no Brasil deve recuar novamente por causa da rentabilidade menor. Segundo a Safras & Mercado, o recuo será de 11% para 1,988 milhão de hectares. O Paraná deve recuar 30%, segundo a Safras. A área gaúcha deve avançar 10%, de acordo com a Fecoagro. (FB)
Veículo: Valor Econômico