Casino e Abilio Diniz adotam tom conciliador

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Nos bastidores, porém, clima entre sócios continua tenso.

 

O empresário Abilio Diniz e o grupo francês Casino, ambos sócios da holding controladora do grupo Pão de Açúcar, adotaram - pelo menos, publicamente - um tom mais conciliador ontem, depois de noticiado que as empresas terão que resolver eventuais conflitos acionários na Câmara de Comércio Internacional (CCI), de Paris. Desde segunda-feira, quando o Casino entrou com requerimento de processo arbitral contra a família Diniz, o valor de mercado do grupo Pão de Açúcar (que não é alvo desse processo) encolheu em R$ 1,2 bilhão. "Há tensões, mas não há guerra", disse ontem ao Valor uma fonte próxima ao caso. As ações da varejista caíram 1,43% ontem - na terça-feira, a queda foi maior, de 4,37%.

 

Em mensagem enviada ontem pela manhã à diretoria executiva do Pão de Açúcar, Diniz chamou para si as responsabilidades e falou em manter a "serenidade".

 

Diniz escreveu: "Estou fazendo tudo aquilo que está ao meu alcance para deixar vocês e a companhia protegidos contra qualquer ataque". E afirma que sempre cumpriu e continuará cumprindo com prazos e obrigações. "Brevemente a verdade prevalecerá e seguiremos juntos com alegria e felicidade".

 

Franceses minimizam conflito e dizem que mantêm aposta no país

 

Irritado, sem dúvida. Mas não a ponto de chegar a um divórcio. O conflito com o empresário Abilio Diniz, do Pão de Açúcar, deixou o sócio francês, o grupo Casino, "agastado". Mas apesar do choque de ter sido informado pela imprensa que Diniz havia iniciado negociações com o Carrefour, visando uma eventual fusão, o Casino não pretende mudar seus planos em relação ao Brasil, garantiu ao Valor uma fonte francesa ligada ao caso.

 

Nem mesmo quando passará, no próximo ano, a deter o controle acionário do Pão de Açúcar, segundo um acordo firmado em 2005. "Como em qualquer casamento que dura há vários anos, ocorre de alguém dormir no sofá da sala um dia. Mas nem por isso a união é rompida", analisa a fonte.

 

O Casino não teria "nenhum desejo de mudar o que foi firmado até hoje e deve continuar desempenhando o mesmo papel de antes no Brasil". O Casino não estaria prevendo, quando assumir o controle do Pão de Açúcar, enviar um francês para assumir a presidência da empresa no Brasil nem enviar equipes francesas para ocupar cargos de direção, na avaliação da fonte.

 

Como diz o ditado, o cônjuge enganado é o último a saber. E para mostrar seu descontentamento com a desenvoltura de Diniz, o Casino entrou, na terça-feira, com um pedido de arbitragem junto à Câmara de Comércio Internacional (CCI), com sede em Paris, para "relembrar as regras do jogo".

 

Ou seja, segundo o Casino, o Pão de Açúcar não pode negociar nenhum acordo estratégico sem sua participação direta. Isso porque o controle da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) é compartilhado entre o grupo de Abílio Diniz e o Casino por meio da holding Wilkes.

 

O Casino poderia simplesmente vetar a negociação, como preveem os acordos firmados. Mas preferiu um método mais enérgico para relembrar ao parceiro os direitos e deveres da relação. "O Pão de Açúcar é uma empresa gigantesca. Não é possível descobrir na imprensa discussões com o principal concorrente", analisa a fonte.

 

Segundo ela, que conseguiu depois obter informações sobre o caso, as negociações entre Diniz e o Carrefour teriam começado há três meses. Em razão do "avanço" dessas discussões, o banco francês Lazard foi chamado há 15 dias pelo Carrefour para estudar as negociações com o grupo brasileiro, que ainda estariam, no entanto, em uma fase inicial.

 

O Casino não conheceria até hoje os termos das negociações entre seu arquirrival Carrefour e seu sócio no Brasil.

 

Apesar das tensões, o Casino está "sereno", segundo a fonte, afirmando que termos como "braço de ferro" ou até mesmo "guerra" que vem sendo utilizados pela imprensa seriam exagerados. Mesmo assim, ela acrescenta que até então nenhum desentendimento havia sido forte o suficiente para chegar ao ponto de solicitar uma arbitragem internacional.

 

A serenidade do grupo francês seria devida ao fato de que os acordos que ligam os dois sócios são "extremamente claros", na avaliação do Casino. Mas provavelmente a suposta intenção de tentar mostrar cabeça fria também é um elemento a ser levado em conta quando se lembra a importância estratégica do mercado brasileiro para o Casino: as vendas no país representam quase um terço dos cerca de € 11 bilhões que o grupo francês fatura no exterior.

 

A fonte ouvida pelo Valor descarta os rumores de que o Casino teria recorrido à CCI com o objetivo de antecipar a tomada do controle do Pão de Açúcar, previsto em 2012. Segundo ela, a cláusula no contrato que permitiria essa antecipação só poderia ser aplicada no caso de o Pão de Açúcar enfrentar sérias dificuldades financeiras, o que, claro, está longe de ser o caso.

 

Uma das hipóteses levantadas por pessoas ligadas ao caso, que vem sendo evocada também pela imprensa francesa, é a de que a estratégia de Abílio Diniz de entrar em contato com o Carrefour visaria obter algo em troca do sócio francês no momento em que se aproxima a data em que o Casino assumirá o controle.

 

A ameaça de uma aproximação com o Carrefour, principal concorrente na França de seu sócio, poderia ser, para Diniz, uma maneira de obter alguma vantagem financeira. "Ele quis sacudir a casa para tirar algum proveito", diz a fonte.

 

Sua tese foi também abordada pelo jornal "Le Figaro". "Para inúmeros conhecedores do Casino e de seu parceiro, os contatos feitos por Abílio Diniz com o Carrefour parecem um blefe para permanecer alguns anos a mais no comando de seu grupo e aumentar as apostas quando ele venderá sua parte", diz o jornal.

 

Carrefour debate no conselho opções de acordo

 

O Carrefour está analisando suas opções para uma possível fusão com o Pão de Açúcar, se a joint venture entre o maior grupo varejista brasileiro e o Groupe Casino, da França, for desfeita, disse ontem uma pessoa a par da situação.

 

A questão foi discutida na terça-feira em uma reunião do conselho do Carrefour, mas nenhuma decisão sobre o assunto foi tomada, dados os estágios iniciais dos contatos entre o Carrefour e o Pão de Açúcar, afirmou a fonte.

 

Uma fusão com o Pão de Açúcar fortaleceria a posição do Carrefour no Brasil, no momento em que ele luta para arrumar seus negócios na França. O Pão de Açúcar conta com mais de 1.300 lojas, de supermercado pequenos de bairro a supercenters, enquanto o Carrefour possui 500 lojas. O Casino investiu pela primeira vez no setor varejista brasileiro em 1999 e seus negócios se tornaram uma base de suas aspirações globais - ele agora controla 35% da companhia.

 

Parte da participação é mantida por meio de uma companhia holding de investimentos chamada Wilkes, da qual faz parte também o Groupe Casino. As duas partes entraram na joint venture Wilkes meio a meio em 2005, e a Wilkes controla cerca de dois terços das ações com direito a voto do Pão de Açúcar. Em junho de 2012 o Casino poderá exercer uma opção que lhe dará o controle da Wilkes, proporcionando-lhe, assim, o controle integral do Pão de Açúcar.

 

Nos últimos anos o Carrefour examinou numerosas opções de reestruturação, incluindo a venda de suas operações brasileiras e chinesas, mas decidiu ficar com elas. Os dois mercados emergentes são responsáveis por grande parte do crescimento do Carrefour. Mesmo assim, os recursos provenientes de uma venda poderiam ser um alento para o preço da ação do Carrefour, por meio de um dividendo especial.

 

A exploração de opções para as operações brasileiras já provocou críticas de analistas e acionistas. A acionista do Carrefour Knight Vinke disse na terça-feira que a companhia deveria se concentrar na recuperação de suas operações na Europa, antes de embarcar em qualquer outro grande projeto.

 

Essa gestora de recursos, que controla 1,5% do Carrefour, enviou no começo da semana uma carta ao conselho de diretores do Carrefour dizendo não ser uma boa ideia vender atividades em mercados emergentes numa base fragmentada.

 

O Casino investiu pela primeira vez no Pão de Açúcar em 1999, tanto financeiramente quanto operacionalmente, numa época em que a companhia varejistas lutava para acompanhar os concorrentes maiores Carrefour e Walmart. De lá para cá, ela superou os dois grupos estrangeiros e se tornou o maior grupo varejista do país, em termos de vendas.

 

Nos bastidores, porém, o clima não é menos tenso do que antes de a discussão se tornar pública. A preocupação maior do Casino é com os reflexos dessas divergências sobre o Pão de Açúcar. Todo o tempo as pessoas envolvidas procuraram enfatizar que não há problemas com o grupo varejista e que a questão é sobre o comportamento de Abilio Diniz, por ter aberto negociações com o Carrefour. O Casino entende que o maior lesado nesse debate é ele próprio, por ser o maior acionista isolado do Pão de Açúcar - maior até mesmo do que família Diniz.

 

O desejo do Casino é justamente manter o contrato com a família inalterado. Não há qualquer disposição do Casino em revê-las e a decisão de partir para a arbitragem mostra justamente isso. As operações no Brasil respondem por 56% dos resultados do Casino na América do Sul em 2010, segundo balanço.

 

Há alguns meses Diniz estaria procurando o Casino na tentativa de antecipar o debate de 2012 para, possivelmente, tentar rever as condições, apurou o Valor. Inclusive, há dúvidas entre os analistas de que essa irritação pública do Casino estaria relacionada apenas com rumores de fusão com o rival Carrefour ou com uma eventual busca de Diniz por uma caminho para não perder poder e manter-se no comando estratégico do grupo.

 

A partir do ano que vem, o grupo francês tem a opção de assumir o controle da rede varejista e o presidente do conselho será indicado de forma alternada, de três em três anos, por cada uma das partes.

 

De acordo com documento arquivado em junho de 2010 na Securities and Exchange Commission, a CVM americana, se o Casino exercer o direito de se tornar controlador do grupo Pão de Açúcar, os Diniz poderão obrigar os franceses a comprar cerca de 19 milhões de suas ações.

 

O volume representa algo como 12% do capital da companhia e US$ 800 milhões como pagamento à família Diniz (com base no atual valor do papel), calcula o Raymond James. O UBS fez as contas com base nos preços recentes da ação, e fala em US$ 1,2 bilhão. Pelo acordo, Diniz tem oito anos para exercer o direito de venda dessas ações, enquanto o Casino deve fazer o pagamento em até dois anos, a contar de 2014.

 

"Quando o Abilio fez o acordo em 2005, o Pão de Açúcar tinha um tamanho diferente do que tem hoje. Nos últimos anos, o grupo incorporou empresas, o que fez ele ter valor superior ao da época do acordo", conta Daniela Bretthauer, analista chefe do Raymond James.

 

De qualquer forma, caso esse possível plano associação de Diniz e Carrefour avance, há um novo fator que pesa de forma desfavorável. Começam a circular informações no mercado de que o Carrefour está inclinado a buscar soluções alternativas, se a pendenga entre Diniz e o Casino se arrastar muito. O empresário e o Carrefour tinham acelerado as conversas nas últimas três semanas, antes do vazamento das informações do caso na imprensa. Mas com o caso agora na câmara de arbitragem, o Walmart já teria se movimentado e enviado um recado ao grupo de acionistas do Carrefour nesta semana, segundo apurou o Valor.

 

"Eles já sabem que o Walmart está de portas abertas [para o Carrefour]. E receberão os franceses de tapete vermelho e champagne", conta um executivo próximo ao Walmart no país.

 


Veículo: Valor Econômico


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