Varejista chilena La Polar mancha reputação do setor

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O varejo chileno, símbolo da prosperidade do país andino, está no centro de um escândalo financeiro que abala de forma inédita a reputação do setor. A rede La Polar, que tem 43 lojas no Chile e havia anunciado recentemente um plano para abrir dez unidades na Colômbia, admitiu que ocultava em seus balanços a necessidade de fazer provisões no valor total de US$ 891 milhões para tapar o rombo causado pela inadimplência de pelo menos 290 mil clientes.

 

A crise da empresa espalhou imediatamente o receio de que outras grandes varejistas, como Cencosud e Falabella, também fizessem manobras contábeis para esconder números ruins. Na semana passada, as ações do setor caíram 7,4%, em média, na Bolsa de Santiago. Os papéis da Polar deixaram de ser negociados por cinco dias. Ontem, voltaram ao mercado e tiveram queda de 63%.

 

Para Juan José Soro, diretor do Centro de Retail da Universidade Adolfo Ibáñez e ex-vice-presidente da Unilever no Brasil, a imagem do varejo chileno ficará arranhada "por semanas ou até por meses". "As companhias vão precisar demonstrar aos acionistas que têm bons números", diz o especialista. "Se isso ocorrer, será uma crise passageira."

 

Voltada à classe média baixa, a Polar foi uma das varejistas sul-americanas pioneiras no uso de cartões de crédito próprios para financiar clientes. Hoje, é acusada de repactuar unilateralmente as dívidas em atraso dos consumidores para evitar o aparecimento de números desagradáveis no balanço. Ela admitiu o artifício contábil, em junho, após uma denúncia do Serviço Nacional do Consumidor (Sernac), órgão público que acumulava milhares de reclamações.

 

"A informação que nos foi dada pelo ministro da Fazenda é de que não há risco sistêmico", disse ao Valor o deputado Carlos Recondo, do partido governista União Democrata Independente (UDI), ao sair da primeira sessão de uma comissão parlamentar investigadora criada para o caso. "O que ocorreu foi uma fraude, um grave delito."

 

Recondo culpa a diretoria da Polar e a auditoria externa, feita pela PricewaterhouseCoopers, pela maquiagem dos balanços financeiros. Ele reconhece também a incapacidade dos órgãos fiscalizadores de identificar problemas. Por isso diz que a Câmara de Deputados já aprovou "caráter de urgência" para a tramitação de projetos de lei que apertam a fiscalização. Uma das hipóteses é criar uma "superintendência estatal do varejo".

 

O presidente da Polar, Heriberto Urzúa, pediu demissão ontem, dez dias após ter assumido o cargo. Em nota, diz que "foi cumprida uma etapa importante" e "o passo seguinte para a empresa é que se gere um novo ambiente de confiança". Os demais integrantes da diretoria colocaram seus cargos à disposição. Amanhã, uma assembleia extraordinária de acionistas pode aprovar uma capitalização de US$ 400 milhões.

 

Em um mercado pequeno e concentrado em poucas cidades, as varejistas chilenas ganharam eficiência para crescer fora do Chile - como a Cencosud no Brasil. "Não é ruim que o varejo empreste dinheiro. As classes baixas são boas pagadoras e há casos em que os bancos não se atrevem a dar crédito. Mas é preciso haver regulação", diz Juan José Soro.

 

O constrangimento da Cencosud

 

As ações das demais empresas varejistas subiram 0,75% ontem, na Bolsa de Santiago, trazendo alívio ao mercado chileno, que temia uma contaminação generalizada dos problemas financeiros da La Polar. Mesmo sem indícios de manobras contábeis, no entanto, a maior varejista do país sofreu um constrangimento sem precedentes nas últimas semanas. A Cencosud, gigante com faturamento anual superior a US$ 12 bilhões e controladora de duas grandes redes brasileiras de supermercados, foi acusada pela Afip (a Receita Federal da Argentina) de ter enviado irregularmente cerca de 4,2 mil toneladas de alimentos de sua subsidiária argentina ao Chile.

 

De acordo com essa investigação, a Cencosud teria usado o benefício de isenção de impostos por ajuda humanitária para transportar 183 caminhões de alimentos entre os dois países, após o terremoto que atingiu o Chile no ano passado. Em vez de doá-los, porém, a empresa teria comercializado esses produtos.

 

A empresa nega e não houve impacto às suas finanças. Mas diante do episódio com a aduana argentina e das sucessivas denúncias de violações dos direitos trabalhistas de seus empregados, oito deputados chilenos, de oposição ao governo do presidente Sebastián Piñera, propuseram revogar a cidadania chilena do alemão Horst Paulmann, controlador da Cencosud. No Brasil, a companhia é dona da G.Barbosa e do Bretas.

 

A Afip, que realizou 12 operações de busca e apreensão nos escritórios da Cencosud na Argentina, calculou um prejuízo de US$ 4,2 milhões aos cofres públicos. Procurada, a empresa chilena qualificou a acusação como "totalmente injusta".

 

O grupo chileno Cencosud entrou no varejo brasileiro em novembro de 2007 com a compra da rede nordestina GBarbosa por US$ 380 milhões. No mesmo mês, comprou a rede de "atacarejo" baiana Mercantil Rodrigues (o valor desta transação não foi anunciado).

 

Em abril do ano passado, o grupo chileno adquiriu a rede cearense Super Família por US$ 33,1 milhões e a baiana Perini por US$ 27,7 milhões.

 

Em outubro, comprou a cadeia de supermercados Bretas por US$ 810 milhões.

 

A Cencosud é hoje a terceira maior varejista da América Latina e planeja gastar US$ 1 bilhão neste ano para ampliar suas operações, segundo entrevista concedida pelo executivo-chefe Daniel Rodriguez no início de maio à Bloomberg. A previsão, segundo ele, é de que as vendas da rede ultrapassem US$ 14 bilhões, cerca de 15% a mais do que no ano passado. As despesas de capital das operações do grupo incluem US$ 210 milhões no Brasil.

 

Em 2010, o faturamento bruto da GBarbosa, quarta maior varejista do Brasil, foi de R$ 3,50 bilhões (incluindo os resultados de novembro e dezembro da Bretas), segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). O valor corresponde a um avanço de 40,5% sobre 2009.

 


Veículo: Valor Econômico


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