Sob críticas, Carrefour aprova separação do Dia

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Fato raríssimo em uma assembleia de acionistas na França, tropas de choque da polícia equipadas com escudos, tiveram de proteger todas as entradas do Carrousel du Louvre, em Paris, na manhã de ontem. No grande auditório no subsolo, lotado, a direção do Carrefour não escapou, no entanto, do barulho causado pelas vuvuzelas e outras cornetas de sindicalistas que conseguiram entrar em uma área do museu e foram mantidos à distância.

 

Nos arredores dali, centenas protestavam na rue de Rivoli contra as estratégias da empresa e "o desmantelamento do grupo", ou seja, a decisão, aprovada ontem, por 77% dos votos, de desmembrar a rede de supermercados de descontos Dia, cujas ações deverão ser lançadas na bolsa de Madri em 5 de julho.

 

No auditório da reunião, onde o público ficou "trancafiado", o clima também foi bastante tenso. Os acionistas minoritários, extremamente descontentes com a queda de 35% nas ações desde setembro e com a sinalização de resultados decepcionantes neste primeiro semestre, bombardearam a direção de críticas durante uma boa parte das cerca de quatro horas de duração da assembleia geral.

 

Eles não foram os únicos que conseguiram expressar sua revolta. Poucos instantes após iniciar seu discurso, o diretor-geral do Carrefour, o sueco Lars Olofsson, foi interrompido por "mulheres barbadas". Funcionárias do grupo usando barbas postiças foram autorizadas a denunciar o baixo número de mulheres em cargos elevados e também salários que seriam inferiores aos dos homens.

 

Essa foi, talvez, a crítica mais amena ouvida pelo sueco e pelo presidente do conselho de administração do Carrefour, Amaury de Seze, que anunciou, no fim da reunião, que deixará o posto. Olofsson passará a acumular os cargos de diretor-geral e de presidente do conselho do grupo.

 

Os acionistas minoritários evocaram os assuntos mais variados, muitas vezes com uma certa agressividade: se Olofsson mereceria ganhar vários milhões de euros por ano (€ 9,6 milhões em 2009 e € 5,2 milhões em 2010); a performance considerada catastrófica das ações, os problemas trabalhistas da empresa; o que chamaram de "esquizofrenia" da direção; ao querer desmembrar a rede Dia, os altos valores dos artigos e até mesmo problemas para ler as etiquetas dos preços nas lojas. Nada escapou.

 

Um dos momentos mais aplaudidos pela plateia ocorreu quando um pequeno acionista pediu a saída do empresário Bernard Arnault (dono do grupo de luxo LVMH) do conselho de administração do Carrefour, o que não ocorreu, já que seu mandato foi renovado por mais três anos. O grupo Arnault e o fundo Colony Capital têm em conjunto, por meio da holding Blue Capital, 14% do capital de Carrefour e 20% das ações com direito de voto.

 

Arnault não compareceu à reunião, mas não é à toa que a presença de um representante da Blue Capital, principal acionista do Carrefour, foi assinalada ao público pela direção. Arnault e Colony são, aliás, considerados os grandes instigadores do projeto de desmembramento da rede Dia, interpretada como uma forma de compensar as perdas estimadas em mais de € 2 bilhões que eles teriam tido com a desvalorização das ações da rede.

 

A operação deve permitir, segundo o diretor-financeiro do Carrefour, Pierre Bouchut (ex-Casino), valorizar a rede Dia, considerada a terceira maior do setor de lojas de descontos no mundo, em € 4 bilhões, considerando a dívida de € 800 milhões de euros.

 

De acordo com o projeto aprovado, uma ação Dia será atribuída para cada título Carrefour. Blue Capital, que se tornará, dessa forma, o principal acionista de Dia, se comprometeu a manter seus títulos pelo prazo de um ano.

 

A direção do Carrefour já sabia que os ânimos dos acionistas estariam exaltados na reunião. O então presidente do conselho Amaury de Seze não fez rodeios e disse logo no início que o grupo "gostaria de ir mais rápido, mas há lugares onde a máquina emperra". Olofsson, que passará agora a ter plenos poderes, manteve um ar descontraído, mas também reconheceu as dificuldades, sobretudo na França.

 

Ele defendeu com vigor seu plano "de transformação profunda" da empresa, iniciado em 2010 e que deve durar três anos. A estratégia se baseia nos novos conceitos de hipermercados Planet, mais modernos e com vários serviços, reduções de custos (€ 480 milhões previstos neste ano), além do reforço da marca própria Carrefour, com o lançamento de mil produtos em 2011 na Europa e, claro, a prioridade dada aos emergentes com forte crescimento, como o Brasil.

 

Os minoritários não pareceram muito convencidos. Tiveram de ir embora pela saída de emergência do Carrousel du Louvre, já que os acessos principais estavam fechados por causa dos manifestantes. Mas pelo menos devem ter ficados contentes ao descobrir que as ações do grupo fecharam ontem com alta de 1,68%.

 

Olofsson descarta "cessão" da operação brasileira da rede

 

Lars Olofsson, diretor-geral do Carrefour, nomeado na assembleia geral de acionistas ontem também presidente do conselho do grupo, reiterou ontem que a empresa tem o objetivo de manter o controle de sua filial brasileira.

 

"Qualquer comentário sobre uma suposta cessão da filial brasileira é totalmente sem fundamento", disse Olofsson, que afirmou ainda que um dos pilares da estratégia do Carrefour é justamente o de ser líder em mercados emergentes com fortes taxas de crescimento, como o Brasil.

 

O diretor-geral não quis comentar os recentes rumores de uma eventual negociação com o Grupo Pão de Açúcar visando uma fusão. Mas para alguns participantes da assembleia geral de acionistas, Olofsson teria reconhecido, ainda que muito implicitamente, que essas discussões aconteceram.

 

"Tudo o que o acontece nesse país [Brasil] nos interessa. É meu dever estudar tudo o que ocorre ou pode ocorrer para avaliar as possibilidades de crescimento para o Carrefour", respondeu a um acionista que perguntou, sem meias palavras, se existiriam negociações com o grupo de Abilio Diniz.

 

"Devemos acompanhar de perto tudo o que acontece nos mercados onde estamos presentes. O Carrefour possui uma estratégia de desenvolvimento nos mercados emergentes", afirmou. Neste ano, segundo ele, 500 lojas devem ser abertas nesses países, incluindo 23 hipermercados na China e 9 lojas do Atacadão no Brasil.

 


Veículo: Valor Econômico


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