A perda do poder de barganha começa a atormentar segmentos do setor agroindustrial brasileiro, preocupados com a concentração de mercado caso se dê o casamento do Grupo Pão de Açúcar (GPA) com o Carrefour. Foi ácida a reação do mercado à jogada do empresário Abílio Diniz, que ainda tem o francês Casino avesso às negociações.
Ontem ecoaram aspectos negativos da eventual concentração do setor, e duras críticas ao possível aporte público de R$ 3,91 bilhões, do BNDES. Além disso, o Cade adiou o julgamento do aumento da participação do GPA no capital social da Sendas, e as ações do GPA na Bolsa tiveram a maior queda (3,07%) do dia .
Coro crítico aponta prejuízos caso haja fusão
A reação à jogada do empresário Abílio Diniz, que recebeu apoio do governo brasileiro para defender a fusão entre o Grupo Pão de Açúcar (GPA) e o Carrefour, teve partes ácidas. Especialistas em varejo entrevistados pelo DCI ecoaram aspectos negativos da possível concentração do setor supermercadista no Brasil. Alguns deles acreditam que o negócio pode não ser concretizado e questionam o aporte público de R$ 3,91 bilhões estudado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) para viabilizar a união das empresas.
Um exemplo contrário à proposta de fusão é a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que ontem adiou o julgamento sobre o aumento da participação do GPA no capital social da Sendas Distribuidora. Em 2004, as famílias Diniz e Sendas negociaram o crescimento de 50% para 100% da influência acionária do GPA sobre a distribuidora. Nesse caso, as companhias foram multadas porque atrasaram na apresentação do negócio. Uma nova sessão do órgão antitruste foi marcada para o dia 13 de julho.
Outra reação negativa foi o desempenho das ações do GPA na Bolsa de Valores. Os papéis preferenciais do companhia fecharam o dia com a maior queda de ontem (3,07%), o que pode ser entendido como um sinal de alerta do mercado varejista.
Com o casamento entre GPA e Carrefour, o "Novo Pão de Açúcar" deteria 27% do varejo nacional, incluindo supermercados e eletrodomésticos. Isso daria ao grupo poder para determinar preços e diminuir opções de compra, já que a concorrência ficaria reduzida. "Todo processo de concentração em princípio causa prejuízos ao consumidor", observou o coordenador-geral do Programa de Administração de Varejo (Provar), Cláudio Felisoni.
O analista do Provar explica que este é um problema "de bairro", em que os consumidores podem perder as alternativas de oferta se houver apenas um dono por trás dos estabelecimentos mais próximos. A questão, então, é repassada ao Cade, a quem cabe julgar se o processo de fusão é prejudicial ou não.
A distância mínima para supermercados de mesma propriedade é de três quilômetros, segundo o diretor-geral da Demarest e Almeida Advogados, Mário Nogueira. "Se acontecer [a união], o grupo terá que transferir algumas lojas para outros proprietários", afirmou Felisoni.
Casino
Contrário ao acordo de fusão, o grupo francês Casino, que divide com Abílio Diniz as ações do GPA, divulgou ontem um comunicado em que acusa a proposta de fusão de ter sido estruturada "em segredo e de forma ilegal", com objetivo de prejudicar "indiretamente" os direitos de controle adquiridos pela Casino, em 2005.
"Ao conduzir essas negociações, o Carrefour e o senhor Abílio Diniz ignoraram deliberadamente tanto a lei e os contratos quanto os princípios fundamentais da ética comercial", dizia o comunicado. "Estamos confiantes que as leis e as autoridades brasileiras não permitirão que prevaleça qualquer ameaça ou estratagema destinado a violar direitos."
Ações
Quanto à euforia do mercado, ocasionada pela oscilação das ações do Pão de Açúcar, analistas apostam que isso seja apenas uma reação especulativa. O coordenador do curso de Gestão Financeira da Veris, Estêvão Garcia de Oliveira, diz que a volatilidade do mercado de capitais deve se manter em alta nos próximos dias. "Este momento de incerteza favorece o investidor de curto prazo, mais afeito a operações de risco. O bom momento vivenciado pelo setor varejista é um fator que também contribui para esse tipo de investimento", aponta.
O sócio-diretor da GO4!, Rogério Dequech, afirma que ainda é cedo para fazer uma avaliação , embora a leitura do mercado seja a de que a fusão daria ganhos de sinergia e rentabilidade ao novo grupo. Se a fusão não se concretizar por questões societárias que envolvem o grupo Casino, uma tendência seria que o grupo Pão de Açúcar passasse por momentos de turbulência econômica.
De acordo com o analista, além da possível megafusão, que criaria o maior grupo varejista do Brasil, há fatores internacionais que mexem com a Bolsa de Valores. Trata-se de um novo plano de austeridade fiscal para a Grécia, proposto esta semana e que também teria impacto positivo no comportamento da Bolsa
Tipo exportação
Durante uma audiência no Congresso Nacional, ontem à tarde, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, defendeu que o BNDES faça um investimento público bilionário para viabilizar a fusão proposta por Abílio Diniz. Isso porque, segundo o representante, a junção das empresas poderá estimular a exportação de produtos industrializados brasileiros. "Se for acontecer, será nessa direção", como afirmou Pimentel.
Não é isso o que pensa, porém, o diretor-superintendente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), José Alarico Rebouças, que também é despachante aduaneiro. "O Abílio Diniz, que é um sujeito muito inteligente, está usando o argumento da exportação para conseguir o investimento. Já se viu supermercado exportando? Quem vai cobrar se não exportar?", questionou.
Alarico Rebouças crê que falar em exportação de produtos nacionais à Europa é uma barganha do GPA para atrair a atenção do BNDES. "É mais fácil fazer negócios regionais. Talvez para a América Latina", disse.
No caso europeu, segundo o diretor da ACSP, seria mais fácil comprar produtos do próprio continente. Outro argumento é o forte protecionismo dos países de lá, que com o tempo poderiam impedir a entrada de mercadorias brasileiras, por meio de um Pão de Açúcar.
"Essa fusão vai ser feita com dinheiro público. Vão usar dinheiro do trabalhador, e o trabalhador nem sabe disso", apontou Alarico Rebouças, referindo-se ao possível investimento de R$ 3,91 bilhões do BNDES, que declarou ver "mérito" no negócio e enquadrou-o em análise técnica.
Veículo: DCI