Grupo francês argumenta que brasileiro quebrou esse princípio ao negociar com Carrefour sem seu conhecimento
Advogados sem ligação com o caso dizem que essa tese é difícil de provar; Pão de Açúcar não comenta
Na escalada de acusações contra Abilio Diniz, o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, introduziu uma nova figura na batalha contra a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour: a da violação do princípio da boa-fé.
Diniz, do Pão de Açúcar, violou esse princípio ao negociar com o Carrefour sem o conhecimento do Casino, segundo Naouri.
Seria a materialização jurídica daquilo que o presidente do Casino chamou de "traição" de Diniz.
O Carrefour, segunda maior rede mundial de supermercados, é o maior rival do Casino na França.
O princípio da boa-fé está previsto no Código Civil de 2002, em seu artigo 422: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
A grande questão jurídica é saber se Diniz feriu algum princípio legal ou do acordo de acionistas que fechou em 2006 com o Casino. À época, Diniz estava à beira da falência e foi salvo pela injeção de recursos franceses.
Nesse acordo, estava previsto que o Casino assumiria o comando dos negócios no Brasil a partir de 2012.
O presidente do Casino diz que houve duas violações: a do Código Civil e de um item do acordo de acionistas. O item diz que tanto o Pão de Açúcar quanto o Casino se obrigam a "não praticar ou deixar praticar" atos que prejudiquem o controle da Wilkes, a holding que junta os dois grupos.
IMPASSE
Não é fácil provar violação de boa-fé, segundo advogados ouvidos pela Folha.
Uma das razões é a dificuldade de enquadrar as negociações de Diniz como "traição" ou rompimento do acordo de acionistas. Segundo essa interpretação, não há vetos à negociação no acordo.
A defesa de Diniz já juntou dois pareceres de advogados famosos para provar que negociação não significa violação do princípio de boa-fé nem do acordo de acionistas.
Um dos pareceres, do advogado Sergio Bermudes, professor da PUC-RJ, defende que negociação não gera efeitos jurídicos.
"(...) Se as simples tratativas vinculassem os tratantes, isso inviabilizaria grande parte dos negócios jurídicos", escreve. "Se as tratativas não vinculam sequer os interessados que as elas se entregam (...), não é lógico, nem jurídico, que uma das partes comunique a um terceiro a existência dos entendimentos."
Advogados de Diniz disseram à Folha, sob condição de anonimato, que, se houve alguma violação do princípio de boa-fé, isso teria ocorrido por parte do Casino ao publicar um anúncio que classifica a proposta de fusão de "ilegal e antiética".
Procurados pela Folha, os advogados dos dois gru- pos não quiseram comentar as acusações feitas de ambas as partes.
Dizem que o processo de arbitragem que julgará quem tem razão no conflito exige sigilo total em torno das alegações.
DEPUTADOS QUEREM OUVIR EXECUTIVOS
Abilio Diniz, presidente do conselho do Pão de Açúcar, será um dos convidados pela Câmara para discutir a potencial fusão com o francês Carrefour. Também devem ser convidados o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Fernando Furlan.
Veículo: Folha de S.Paulo