Presidente do Casino diz que fusão é "expropriação"

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"Quando investi em 1999, o Grupo Pão de Açúcar era um negócio medíocre"
Segundo Naouri, Abilio Diniz tentou por várias vezes negociar uma forma de não ter de entregar o controle

 

Com expressão quase serena, que raramente denuncia o tom indignado que pontua sua descrição da estratégia do empresário Abilio Diniz para unir Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil, Jean-Charles Naouri, diretor-presidente do Grupo Casino, não hesita em classificar o movimento de seu sócio brasileiro como uma "expropriação" de sua empresa. Para Diniz, o sócio francês "falta com a verdade".

 

Palavras fortes como "traição", "manipulação" e "medíocre" fluem naturalmente no discurso em que Naouri lembra que pagou caro pelo direito de assumir o controle do Pão de Açúcar, em 2012. Na empresa resultante da fusão com o Carrefour, que Naouri define como um "erro estratégico", o Casino teria seu poder de decisão igualado ao de Diniz.

 

A entrevista ao Estado ocorreu um dia depois do encontro com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, no qual Naouri centrou sua argumentação no perigo de o governo brasileiro apoiar uma ação ilegal. Declara que seu sócio violou mais do que um acordo de acionistas e recorre ao Código Civil brasileiro para acusar Diniz de má-fé. Um sinal de que a disputa, que já está no segundo round de uma arbitragem internacional, pode terminar na Justiça.

 

Por que o sr. veio ao Brasil?
Vim para encontrar o presidente do BNDES, ontem (segunda-feira). Dei a ele uma visão da situação e das minhas preocupações com um projeto que parece ter sido elaborado em contradição com os acordos (de acionistas) e que, em primeira análise, não está no interesse social (do banco). Encaramos isso como uma forma de expropriação do Casino, cujos direitos haviam sido estabelecidos em contratos em 2005. O senhor Luciano Coutinho manifestou a mesma posição do comunicado (que condiciona o apoio do banco a um consenso entre os sócios) que tinha feito há alguns dias. Saí muito satisfeito desse encontro.

 

O sr. pediu ao BNDES que não participe da fusão?
Não formulei a questão dessa forma.

 

O Casino ainda não se posicionou formalmente contra a fusão. Há chance de entendimento se a análise da proposta se mostrar positiva para sua empresa?
Eles ainda não formularam a proposta. O local adequado é o Conselho de Administração.

 

Há possibilidade de acordo ou o sr. manterá na reunião posição contrária à fusão com Carrefour?
A posição formal do Casino será comunicada. Preciso fazer algumas observações, já que eles negam o direito de controle do Casino sobre as atividades. É uma negociação muito complexa a ser feita e nos parece que está sendo assentada numa base estratégica errada.

 

Assumir o controle é o seu principal objetivo?
Não é um objetivo, é o contrato. O objetivo é fazer o Pão de Açúcar crescer de maneira proveitosa e rentável, em favor dos acionistas, dos clientes e dos fornecedores, com grande respeito pelo Brasil. Nos comprometemos que a gestão continuará brasileira.

 

A reação do Casino foi muito contundente, inclusive recorrendo a arbitragem, sob acusação de negociação secreta. Mas Abilio Diniz nega ter havido descumprimento legal do acordo.
A negociação secreta foi um ato ilegal. Naturalmente, não está em conformidade com as boas práticas e a ética nos negócios. Contradiz a seção 2.1.1 do acordo, que diz que os acionistas não podem tomar nenhuma ação que resultaria em mudança do controle. Também é contrária ao Código Civil brasileiro, que diz que se deve agir de boa fé, o que foi violado nessa negociação bilateral. Por isso pedimos a arbitragem.

 

Por que o sr. não recebeu Diniz em Paris na semana passada? Há a possibilidade de encontro no Brasil?
Diniz deu uma visão deformada sobre sua visita a Paris. Eu o vi dezenas de vezes, muitas a pedido dele mesmo. Na última vez que o vi, em 15 de abril, surpreso com sua presença em Paris, perguntei se ele estava negociando alguma coisa e, em caso positivo, com quem. E ele me respondeu formalmente que não tinha nada a dizer. Entre esse dia e o vazamento da negociação, em 22 de maio, houve numerosas discussões. Nas semanas que se seguiram até a segunda-feira antes do anúncio (da proposta de fusão), os assessores se falaram. Os meus pediram aos dele um encontro e os dele disseram que não tinham nada a dizer. Eu havia aceito, a pedido de Diniz, um encontro no dia 4 de julho. Havíamos acordado essa data em correspondência. Diniz alegou que não poderia ir a Paris antes porque estava muito estressado com as discussões, que precisava descansar. Eu soube que ele estava em Paris na segunda-feira (27/06) à noite para assistir à reunião do conselho do Carrefour aprovar essa negociação e entendi claramente que havia uma manipulação. Então disse que não era oportuno que nos encontrássemos na manhã seguinte, às 7h da manhã como ele queria, quando eu nem mesmo tinha conhecimento do projeto de negociação. Estou disposto a ver Diniz, mas na reunião formal do conselho.

 

O sr. foi procurado para rever o acordo que prevê a transferência de controle para o Casino?
Há dois anos, Diniz disse que gostaria de renegociar o acordo. Eu respondi que, entre parceiros, tudo é possível de ser conversado. Ele indicou, sem ser muito preciso, que era uma questão de "face saving" (manutenção de imagem), que gostaria de manter o seu status, a posição elevada que havia conquistado no Brasil. Eu disse que, nesse campo, diria sim a tudo. Há um ano, Diniz me disse finalmente que gostaria que eu não tomasse o controle em 2012 e que ficássemos como está. Eu lhe disse que seria muito difícil aceitar, depois de ter investido US$ 2 bilhões, esperado 13 anos e pago duas vezes o prêmio de controle. Disse que não era possível, mas que estaria aberto para conversar sobre todo o resto. Houve em seguida muitas reuniões entre os assessores, mas ele insistia sempre repetitivamente: diga sim ou não. Senão, em tom de ameaça e sem ser mais preciso, disse que teria outras alternativas. Mantivemos nossa posição. O clima ficou difícil até essa reunião do dia 15 de abril, quando pedi ao senhor Diniz que dissesse com quem negociava. Ele se negou e disse que não tinha outra escolha a não ser brigar.

 

Que contrapartidas Diniz ofereceu para que o Casino desistisse do controle?
Ele sempre evocou compensações e a ideia de comprar a nossa participação. Eu disse que essa proposta era insultante. Não somos um sócio financeiro. Somos uma empresa internacional de distribuição de alimentos, temos uma estratégia e queremos continuar com ela.

 

O sr. se sente traído?
Quando eu soube da questão da traição, do que ele fazia e negociava, fiquei muito desapontado. Ao longo dos anos, eu tinha me esforçado sempre em ser um parceiro impecável, inclusive nas menores coisas. E esperava o mesmo comportamento da parte dele.

 

O sr. se arrepende de ter feito negócio com Abilio Diniz?
Não. Considero que fiz muito bem em investir em 1999, quando o Brasil ainda não era o que é hoje em dia e o Grupo Pão de Açúcar era um negócio medíocre, que saía de uma quase falência. Quando Diniz procurou no mundo inteiro investidores, eu fui aquele que aceitou. Fiz essa aposta e estou muito contente com o desenvolvimento do Pão de Açúcar e do Brasil.

 

QUEM É
Jean Charles Naouri, 62 anos, é diretor-presidente do Grupo Casino desde 2005. Nascido na Argélia, então colônia francesa, é doutor em Matemática, especializou-se na École Nationale d''Administration (ENA). Ligado aos socialistas na França, chegou a ocupar cargos públicos no governo de François Mitterrand.

 


Brasil é a ''joia da coroa'' para o Casino

 

Metade do crescimento da multinacional nos próximos anos virá da operação no País

 

A veemência do presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, em lutar contra o enfraquecimento da posição do grupo no Pão de Açúcar tem a estratégia de crescimento da multinacional na última década como pano de fundo. Segundo analistas europeus que acompanham o grupo, 80% do crescimento previsto para o Casino até 2013 virá dos emergentes. O Brasil é a "joia da coroa": deverá responder por metade da expansão do conglomerado.

 

De acordo com o analista Laurence Hoffmann, da Oddo Securities, o Casino está colhendo o fruto de uma aposta nos países emergentes feita nos últimos 12 anos. A partir de 1999, a rede francesa chegou a países como Brasil, Colômbia, Tailândia e Vietnã, em detrimento de mercados maduros - exatamente a estratégia oposta do Carrefour, que seguiu bastante dependente da Europa Ocidental.

 

A aposta rendeu frutos: hoje, o Casino tem 54% de participação na líder de mercado na Colômbia, a rede Éxito. Mas a consagração da estratégia "emergente" viria em 2012, quando o conglomerado estaria apto a assumir o controle do maior varejista nacional - o Grupo Pão de Açúcar -, conforme acordo firmado com o empresário Abilio Diniz em 2005.

 

A complexa operação armada por Diniz para a aquisição de metade das operações do Carrefour no País manteria o Casino como sócio, mas eliminaria a possibilidade de o grupo francês assumir o controle da operação. Em relatório, Hoffman diz que "o Casino deve buscar ações legais para contestar o negócio com base no acordo de acionistas do Grupo Pão de Açúcar". Pelo que tem dito até agora, é justamente isso que Naouri tem em mente.

 

O analista da Oddo Securities questiona ainda a opção do Pão de Açúcar em fazer negócio com o Carrefour num momento em que o grupo por uma crise de credibilidade que afeta seus resultados. Entre 2010 e 2011, a empresa perdeu 0,6 ponto porcentual de participação no mercado francês, enquanto o Casino ganhou 0,3 ponto no período. Para Hoffmann, a avaliação para as ações do Carrefour segue neutra: "As dificuldades para o fechamento do acordo (no Brasil) parecem muito grandes", diz Hoffmann.

 

Água fria. Antonia Branston, analista da consultoria Euromonitor, considera a proposta de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil um "balde de água fria" nos planos do Casino. Segundo ela, o grupo escolheu deixar vários mercados ao redor do mundo entre 2005 e 2010- incluindo Lituânia, Holanda, Arábia Saudita, Taiwan e Venezuela - para escolher o Brasil como ponto nevrálgico de sua expansão. "Para dar suporte (à estratégia), o Casino anunciou em maio último que investiria 2 bilhões ao ano no País, com planos de abrir 100 novas lojas ao ano."

 

Para a analista, caso não surja uma solução amigável para a disputa, é possível que a imagem do Grupo Pão de Açúcar possa ser afetada. "No caso de uma longa batalha judicial, é pouco provável que a posição de mercado da empresa se mantenha inalterada. E isso pode beneficiar o Walmart que, sem ser afetado pela confusão, pode buscar a liderança do setor (no Brasil)."

 

É consenso de que a mudança no Brasil prejudicará o Casino. Em relatório, o analista Christopher Hogbin, da Bernstein Research, diz que, caso a fusão Pão de Açúcar-Carrefour seja mesmo levada a cabo, o grupo tem a alternativa de negociar sua saída da operação. Ele diz, porém, que a expectativa é que o grupo seja um "negociador renitente" - conforme já ficou provado pelas declarações de seu presidente.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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