Presidente de grupo francês afirma que brasileiro queria mudar acordo de acionistas para manter controle do Pão de Açúcar
Abilio nega que tenha presionado Casino; para Naouri, propostade fusão com Carrefour é um equívoco
O presidente do conselho do Pão de Açúcar, Abilio Diniz, pressiona há dois anos o Casino, sócio com quem divide o comando da varejista brasileira, a revisar os termos do acordo de acionistas fechado em 2005, segundo o presidente do grupo francês, Jean-Charles Naouri.
O contrato prevê que o Casino assuma o controle do Pão de Açúcar em 2012.
Abilio teria feito ameaças veladas caso a resposta fosse negativa, segundo Naouri.
"Não fizeram proposta formal, só pediram uma resposta: sim ou não. Se fosse não, havia ameaças implícitas."
Abilio nega que tenha procurado Naouri para se manter no controle do Pão de Açúcar.
Segundo Naouri, a primeira vez que o presidente do conselho do Pão de Açúcar procurou o sócio para discutir o assunto foi em 2009, época da compra do Ponto Frio e das Casas Bahia. Abilio dizia ao sócio que queria mudar itens do acordo para preservar sua imagem de comandante das fusões.
Um ano depois, Abilio falou que queria manter o controle do Pão de Açúcar, alegando que a situação da empresa, após as fusões, era superior à de quando foi comprada pelo Casino, em 2005. Naouri considerou a proposta "inaceitável".
RELAÇÃO
A relação dos sócios azedou. Desde então, os dois pouco se falaram, até Naouri ficar sabendo da proposta de fusão com o Carrefour pelos jornais franceses.
"[Abilio] Queria que tudo continuasse na situação atual. Eu disse que isso era difícil depois de ter investido US$ 2 bilhões, ter esperado três anos e ter pago duas vezes o prêmio de controle. Estávamos prontos para todas as mudanças [no acordo de acionistas], mas não essa."
Naouri disse que viu Abilio pela última vez em 15 de abril, quando soube que ele estava em Paris.
"Ele não nos contou que estava lá, soubemos por terceiros. Então perguntei a ele: 'Você está negociando alguma coisa? Com quem? Ele respondeu: 'Não tenho nada a dizer a você'. E completou: 'Como você vai recusar minha proposta, não tenho nenhuma opção a não ser lutar'."
Naouri disse que depois desse dia Abilio se recusou a dar qualquer informação que fosse aos sócios franceses.
ERROS ESTRATÉGICOS
O empresário afirmou que a proposta de fundir Carrefour e Pão de Açúcar tem dois erros estratégicos: "Primeiro, reforça o peso dos hipermercados, que começam a perder importância. Outro é investir na Europa Ocidental, onde o crescimento é lento ou negativo, e não em mercados emergentes."
Sobre a possibilidade de o Casino aprovar o negócio, disse que "a resposta será dada no conselho". Questionado sobre a participação do BNDES na operação, disse não ter comentários a fazer e que investe no Brasil "convencido de que o país é um Estado de Direito".
"Consideramos a 'Carta ao Povo Brasileiro' de Lula, que falava do respeito ao contratos e que fazia disso pedra angular do Brasil de amanhã."
Quando indagado sobre a forma como financiou as recentes aquisições de ações do Pão de Açúcar e se havia chegado ao limite de compras, Naouri disse que o Casino está em boa posição financeira.
Abilio nega intenção de manter controle
Empresário afirma que mudanças propostas ao sócio francês têm objetivo de facilitar a expansão da rede
Abilio Diniz, presidente do conselho do grupo Pão de Açúcar, negou ter pressionado Jean-Charles Naouri para mudar o acordo de acionistas com o objetivo de manter-se no controle da companhia.
Segundo Abilio, as conversas com Naouri com vistas a uma mudança no acordo de acionistas visavam melhorar a estrutura de capital da empresa para facilitar a expansão da rede -que também esbarrava nas limitações de endividamento do Casino.
"Ele [Naouri] tem conhecimento do setor e sabe que o Pão de Açúcar precisa crescer. Nesse tempo todo sempre tivemos esbarrando em limitações também do Casino. Tivemos que fazer engenharia financeira extraordinária para viabilizar esse crescimento dos últimos anos", afirma à Folha.
A proposta de Abilio era transformar o Pão de Açúcar numa empresa somente com ações ordinárias e com estrutura pulverizada no mercado. Ou seja, abrindo a companhia para mais acionistas e facilitando processos de aumento de capital.
"Essa obsessão dele [Naouri] de ter o controle das empresas faz com que nós tenhamos ações ordinárias e preferenciais. Só podemos emitir as ordinárias até 2/3 das preferenciais. Estamos sempre esbarrando nesse limite. Uma companhia que quer crescer, quando Brasil está caro e a Europa barata, e os Estados Unidos razoavelmente baratos, e não pode."
Assim, a interpretação do empresário brasileiro é que o acordo de acionistas que previa que ele deixasse o controle do grupo em 2012 não será desrespeitado. O controle não será dele, mas do mercado.
Para Abilio, a alegação de que há manobra para que ele se mantenha no poder é uma forma de Naouri "desqualificar" a proposta. De acordo com o empresário, a fusão seria vantajosa para o Casino porque dela resultaria uma empresa maior e com posição de mercado mais avantajada.
Porém, o Casino se opõe à fusão porque o controle acionário no Brasil permitiria a ele "consolidar" a operação brasileira integralmente na sua contabilidade na França, elevando seu patrimônio.
HIPERMERCADOS
Sobre o questionamento em relação ao modelo de negócios com foco em hipermercados, criticado por Naouri por supostamente ir contra a tendência "natural do ramo" de pontos de vendas cada vez menores, Abilio Diniz discorda.
Em resposta encaminhada por sua assessoria de imprensa, o empresário afirma que, diferentemente da Europa, "nosso atual momento econômico indica que nos próximos anos irá prevalecer o modelo de multiformatos, aquele que atende o consumidor em seus diversos momentos de compra".
Esse modelo, afirma o empresário, combinado com "controle de custos e integração dos sistemas de logística e tecnologia da informação", tem se mostrado eficaz, "fazendo da companhia uma das mais eficientes do varejo mundial".
"O Casino, como também o Carrefour, nunca souberam fazer direito hipermercado. Nós até emprestamos um executivo para a rede Géant [do Casino]. Ele foi lá para reorganizar e transformou-a", afirma à Folha.
"Quando nos associamos ao Casino, pensávamos que iríamos receber know-how, mas foi o contrário. Sempre nós que passamos práticas."
Veículo: Folha de S.Paulo