O "T" da questão

Leia em 7min 10s

O símbolo que identifica os produtos com substâncias transgênicas tornou-se uma preocupação entre as empresas de alimentos. O que elas têm feito para escapar da patrulha
 


Quando o governo brasileiro decidiu rotular os alimentos feitos com matéria-prima transgênica, escolheu um símbolo que não passasse despercebido. Trata-se de uma letra "T" inserida em um triângulo amarelo que vem acompanhado de inscrições como "Produto feito a partir de transgênico". O desenho e as cores lembram de imediato os sinais de alerta usados para identificar material radiativo ou lixo hospitalar. A medida é, de longe, a mais radical já tomada por um governo. Até a União Européia, que reúne os países mais rigorosos do mundo em matéria de plantas geneticamente modificadas, contentou-se apenas com uma discreta frase na embalagem, como as que avisam que o produto contém glúten, açúcar ou adoçante. Passados cinco anos da decisão de rotular os transgênicos do Brasil, o que deveria ser apenas um recurso para informar os consumidores menos atentos transformou-se no terror dos departamentos de marketing das grandes empresas de alimentos - em especial as que usam soja como matéria-prima, a principal planta transgênica cultivada no país. Preocupadas com o prejuízo que o "T" pode trazer à imagem de seus produtos, as companhias têm se esforçado para escapar das atuais regras. "O símbolo passa claramente a seguinte imagem: ‘Cuidado! Esse alimento é perigoso!’ Quem quer isso no seu produto?", diz Edmundo Klotz, presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

 

Estima-se que 70% dos alimentos industrializados no país levem algum tipo de derivado de soja em sua fórmula, em maior ou menor grau de concentração. Entre os produtos que mais dependem do grão estão as bebidas à base de soja - categoria que cresceu 325% nos últimos cinco anos. O exemplo mais bem-sucedido é o AdeS, fabricado pela anglo-holandesa Unilever. O produto tem uma das estratégias de marketing mais sofisticadas da multinacional, com forte apelo à vida saudável. Líder de mercado, o AdeS detém hoje quase 70% do total de vendas da categoria. Um rótulo de transgênico, portanto, poderia ter efeitos devastadores sobre seu desempenho. "Ninguém sabe exatamente qual o impacto desse símbolo junto ao consumidor, mas a Unilever nem pensa em arriscar", diz um executivo próximo à companhia. Para evitar o problema, a empresa compra apenas soja comprovadamente não transgênica - e paga mais por isso. Segundo estimativa das próprias empresas fornecedoras, os derivados de soja tradicional custam de 5% a 20% mais caro que os de soja transgênica. 

 

Até agora, as grandes companhias não tinham dificuldade para encontrar fornecedores de soja livre de transgênicos. Essa realidade, no entanto, começa a mudar e deve piorar daqui por diante. Nos próximos anos, a soja não modificada deve se tornar cada vez mais rara no Brasil e, conseqüentemente, mais cara. Quando as regras de rotulação foram definidas pelo governo, em 2003, apenas 13% da produção total de soja do país era transgênica. Neste ano, a proporção chegará a 55%, em um cálculo conservador. Consultorias especializadas estimam que, em sete anos, 85% da soja colhida no Brasil será geneticamente modificada. Hoje, já é comum que os carregamentos de soja identificada como livre de transgênicos contenham também traços da soja alterada geneticamente - o que reflete a dificuldade dos fornecedores em separar os dois tipos de produto. A Kraft, que usa derivados de soja em produtos como o chocolate Bis e o bombom Sonho de Valsa, exige que seus fornecedores entreguem apenas produtos não transgênicos. Mesmo assim, a empresa testa absolutamente todos os carregamentos que chegam às suas fábricas, em Curitiba e Piracicaba. O resultado é que, em média, pelo menos um carregamento por semana é devolvido. Há dois anos, esse tipo de problema acontecia no máximo uma vez por mês. "A tendência é que essa situação piore, mesmo porque novos produtos transgênicos, como milho, chegarão ao mercado em breve", diz Fábio Acerbi, diretor de assuntos corporativos da Kraft. "Haverá um momento em que teremos de decidir entre rotular nossos produtos, aumentar os preços ou diminuir as margens."

 

Por trás da relutância das empresas em adotar o rótulo imposto pelo governo está a péssima imagem dos transgênicos entre os consumidores. Cientistas do mundo todo já comprovaram a segurança dos organismos geneticamente modificados, mas ainda existe um forte sentimento de desconfiança entre os consumidores brasileiros. Segundo pesquisas de opinião recentes, 74% dos entrevistados disseram que dariam preferência aos não transgênicos. O principal motivo para a percepção negativa é, exatamente, o desconhecimento generalizado sobre o tema, pois mais da metade dos entrevistados nunca havia ouvido falar em transgênicos. Esse cenário fez com que a Abia decidisse iniciar uma ofensiva de relações públicas. Em agosto, representantes da entidade tiveram a primeira reunião com os executivos da filial brasileira de uma consultoria de comunicação americana que coordenou o processo de recuperação de imagem da rede de supermercados Wal-Mart nos Estados Unidos. A tarefa, no entanto, vai além dos consumidores. ONGs como o Greenpeace têm se especializado em incomodar empresas de alimentos. Foi o que aconteceu com a fabricante de chocolates Hershey’s, que, em março, se viu vítima de um protesto porque não tinha como provar que um de seus chocolates era livre de transgênicos. Ambientalistas recolheram 150 quilos de chocolates da empresa em um supermercado no Rio Grande do Sul, acondicionaram em um tonel, que foi hermeticamente fechado e rotulado com o "T", e o entregaram na fábrica da empresa, em São Paulo, como se fosse substância perigosa. Para evitar novos contratempos, a Hershey’s trocou de fornecedor e os militantes se deram por satisfeitos. Com medo de estragos desse tipo, o grupo Pão de Açúcar exige que os fabricantes de seus produtos de marca própria não usem transgênicos. 

 

O avanço dos trangênicos

 

Foi justamente para fugir da patrulha das ONGs que as duas maiores fabricantes de óleo de soja do país, a Bunge e a Cargill, decidiram estampar o "T" nas embalagens das marcas Soya, Liza, Primor e Veleiro no início de 2008. Ambas entendiam que seus produtos não deviam ser enquadrados na regra de rotulagem porque é muito difícil detectar traços de transgênicos no óleo de soja. Durante o processo de beneficiamento do produto, a parte da soja que contém o código genético alterado é removida - seja a matéria-prima transgênica ou não. O Greenpeace, entretanto, discordou do argumento e deu munição para que o Ministério Público de São Paulo entrasse com uma ação exigindo a rotulagem dos óleos. A ação ainda não chegou a uma decisão final, mas o estardalhaço provocado pelo Greenpeace levou as empresas a rotular os produtos assim mesmo. Bunge e Cargill, no entanto, se recusaram a estender a medida a outros produtos feitos com a mesma matéria-prima, como margarinas e maioneses - o que levou o Greenpeace a entrar com um novo pedido junto ao Ministério Público.

 

A patrulha dos ambientalistas contra os transgênicos é apenas um dos problemas que a indústria alimentícia tem enfrentado nos últimos anos. A preocupação com o crescimento da obesidade no mundo todo - principalmente entre crianças e adolescentes - transformou as empresas do setor em vilãs da saúde pública. Da mesma forma que aconteceu com as fabricantes de cigarros e de bebidas alcoólicas, as empresas de alimentos industrializados passaram a sofrer um severo escrutínio dos governos. Um exemplo de como as regras têm endurecido é a pressão contra o uso de gordura trans na produção de alimentos como biscoitos, salgadinhos, maioneses e margarinas. O ingrediente é adotado pela indústria há mais de 50 anos como substituto da gordura animal, mas só na década passada começou a ser relacionado a doenças cardíacas, diabetes e, em casos extremos, câncer. Em países como Dinamarca e Suíça, por exemplo, a gordura trans já é considerada ilegal. As cidades americanas de Nova York e Filadélfia proibiram o uso do ingrediente em restaurantes. No Brasil, o Ministério da Saúde tem pressionado as empresas a, nos próximos três anos, eliminar esse tipo de gordura de sua produção. Outra mostra do rigor do governo é a ameaça da adoção de medidas para restringir a propaganda de alimentos industrializados para crianças, especialmente os que contêm alta concentração de açúcar na fórmula. Diante desse cenário, os marqueteiros das empresas de alimentos terão muito com o que se preocupar nos próximos tempos.

 

Veículo: Revista Exame


Veja também

Schin refrigerantes lança promoção com Luciano Huck e Rogério Ceni

Serão mais de mil prêmios, além de uma casa e um carro.   A linha Schin Refrigerantes lan&cce...

Veja mais
Lacta ingressa no segmento de tabletes médios

Sempre atenta à opinião dos consumidores, a partir deste mês, a Lacta traz aos pontos de venda de to...

Veja mais
Olhar despesas com cuidado é o jeito de suportar a crise

Entrevista: Stew Leonard, Jr., dono de rede de minimercados nos EUAO empresário Stew Leonard Jr. está &agr...

Veja mais
Café: negócios estão lentos

As negociações com café seguem lentas em todas as praças de comercialização, d...

Veja mais
Reação de preços do leite UHT no atacado em São Paulo

O movimento de queda nos preços do leite longa vida no atacado em São Paulo, que ocorria desde junho deste...

Veja mais
Em Pernambuco, preço do leite está em alta

Enquanto o preço do leite pago ao produtor recuou na maioria das regiões, no Estado de Pernambuco foi regi...

Veja mais
Somai: expansão em Montes Claros

Empresa deve investir R$ 8 milhões em 2009 para ampliar as instalações que abrigam as aves de postu...

Veja mais
Ovos: Alerta na embalagem

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publica dia 3 uma consulta pública que prop&...

Veja mais
Em vez de importar, País exportará semente

Uma inédita tecnologia desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) vai permitir que o Brasil, ...

Veja mais