Filosofia e lucro movem agricultura biodinâmica

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Agrônomo e professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Andreas Attila Miklós tornou-se há seis anos fornecedor de bananas para algumas das principais redes varejistas do país. De sua Fazenda São Francisco, na divisa de Minas Gerais e Bahia, saem de 30 a 60 toneladas de nanicas e pratas por mês, dependendo da época do ano. Miklós garante: as bananas duram até 20 dias a mais que as concorrentes. O segredo? Tente a agricultura biodinâmica, diz.

 

Miklós é um exemplo da ascensão do movimento europeu que chegou ao Brasil no início dos anos 70, no interior de São Paulo, com apenas um produtor, subiu para dez nos 80, 15 nos 90 e totaliza nos dias de hoje 230 produtores biodinâmicos no país. Um crescimento decerto tímido para um país agrícola de dimensões de gigante, mas significativo para um mercado que se autodenomina como "o nicho do nicho". 

 

O alimento biodinâmico é orgânico por essência - nunca utiliza agrotóxicos. Mas vai um passo além, levando em conta fatores desconsiderados nas demais formas de agricultura. O cultivo da terra, por exemplo, é orientado pelo calendário astronômico e as fases da lua, o que, segundo seus adeptos, torna o alimento mais completo que o orgânico. E aí está o charme para um mercado atento à qualidade do que come. 

 

"Ao contrário do Brasil, os orgânicos já estão consolidados no mercado europeu. E os europeus querem saber o que há de novo", explica Pierre Landolt, produtor de laticínios, mel e frutas biodinâmicas na Paraíba. "Os biodinâmicos são a resposta, é o que há de melhor em alimentação". 

 

Espécie de "seleção especial" de orgânicos, os biodinâmicos produzidos no Brasil ainda estão restritos em grande parte ao mercado externo. Segundo Alexandre Harkaly, diretor do Instituto Biodinâmico (IBD), a maior certificadora brasileira, o país alcançou um portfólio de 16 produtos, somando cinco mil toneladas por ano - os carros-chefe são café, açúcar, arroz e banana. Boa parte é destinada à Europa e EUA. A Alemanha compra 90% do que é exportado ao continente. 

 

"É um mercado maduro mundialmente e que no Brasil está chegando à puberdade", diz Harkaly, cuja certificadora representa aqui a Demeter, o selo internacional que identifica os biodinâmicos. A prova está nos números: 4.200 produtores em 43 países. 


A demanda interna limitada é explicada pela falta de conhecimento do consumidor e pela própria limitação do segmento orgânico, ainda bastante concentrado nas classes de maior poder aquisitivo. Já a produção limitada pode ser entendida pelas "dificuldades" que os biodinâmicos acrescentam ao processo de produção agrícola. "É uma produção bastante rigorosa nos conceitos", diz Harkaly. "É menos flexível que os orgânicos, e muita gente já acha o orgânico difícil de implementar." 

 

Além disso, há uma inspiração filosófica que torna a evolução naturalmente mais lenta. As regras rígidas para uns são inescapáveis para outros. "Não existe agricultura sem interferência do cosmos", sentencia Paulo Vilela, diretor comercial da Cia Orgânica, pioneiro e maior produtor de café biodinâmico no país. "O biodinâmico é a procura da verdade", atesta Miklós, o professor da USP adepto convicto da filosofia. 

 

É verdade que a biodinâmica tem práticas consideradas uma "piração", admite Harkaly , "mas trato como uma questão científica, de benefícios comprovados". Surgida nos anos 20 com a antroposofia do alemão Rudolf Steiner, a agricultura biodinâmica prevê procedimentos que vão muito além das práticas tradicionais, distantes das faculdades de agronomia. A lua é importantíssima e determina semeadura, irrigação e colheita. Há o uso de chás para solos carentes de minerais e outros acessórios tirados da própria natureza, como chifre de boi, cascas de ovo e cristais. A aragem é sempre por tração animal. 

 

"Isso enfatiza as qualidades naturais dos produtos, suas cores e sabores", diz Vilela, da Cia Orgânica. Fã da filosofia, o executivo sintetiza também outras duas características que levam produtores a esse tipo de agricultura: a busca por melhor preço no mercado e por posição de destaque. 

 

Maestro por profissão, formado em Boston, Vilela se considerava um especialista em jingles até assumir a fazenda herdada da família, no Paraná, em 1999. Despertou para o amor pela terra e para um negócio que, ele sabia, renderia lucros. "Nossa primeira nota fiscal foi do Santa Luzia [empório em São Paulo]", lembra o executivo, que participou na semana passada da Biofach América Latina, a maior feira de orgânicos do continente, em São Paulo. 

 

Sua primeira exportação ocorreu em 2003, para a Holanda. Com faturamento de R$ 2 milhões em 2007 e previsão de crescimento de 30% neste ano, a Cia Orgânica exporta hoje para os EUA, Japão e Emirados Árabes. Da produção total, de 6 toneladas por mês, os biodinâmicos representam 25% - os restantes são orgânicos. Mas ele diz esperar elevar para 50%, graças à demanda. 

 

A produção, para produtores como José Alexandre Ribeiro, proprietário do Café IAO, de Franca, e presidente da Bio Brasil (Associação de Produtores e Processadores de Orgânicos do Brasil) só tende a crescer. "Até porque o valor do café biodinâmico chega a ser 20% maior que o orgânico". 

 

E por ser um produto "top", a expectativa é que os biodinâmicos cheguem em breve diferenciados no mercado interno. Hoje, o que está disponível na prateleira brasileira (como as bananas de Miklós) é apresentado em geral como orgânico. "Não há diferenciação pois não há escala", diz Hélio Nishimura, do Pão de Açúcar. 

 

Veículo: Valor Econômico


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