Redes estrangeiras apostam na Turquia

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Sexta-feira, quase dez e meia da noite, e as 150 lojas da Istiklal Caddesi, ou avenida da Independência, um shopping o céu aberto na cidade turca de Istambul, começam a baixar as portas. A rua com 1,5 quilômetro de extensão e enfeitada com séries de luzes coloridas, que lembram baratos enfeites natalinos chineses, atrai gente até tarde pela movimentação contínua nos bares e restaurantes.

Foram 12 horas em funcionamento, com algumas, raras, trocas de turnos entre os vendedores, que muitas vezes preferem fazer a escala completa por causa da comissão. "É um jeito de a gente chegar próximo do que ganham as meninas do outro lado da rua", diz num sofrível inglês Najlah Sahin, 20 anos, estudante de farmácia, e há três anos na Sarpe, rede local que vende vestidos de algodão por 10 liras (R$ 9,50) e lenços multicoloridos por 15 liras (R$ 14).

As meninas do outro lado da rua são as vendedoras das redes Mango, Gap e Sephora, varejistas que chegaram na Turquia nos últimos cinco anos. Elas recebem comissões mais altas porque as roupas são mais caras.

Essa ocupação estrangeira do comércio local, considerada recente - H&M e Gap estão no país há menos de três anos -, reflete a euforia do varejo mundial com o país.

A Turquia é um dos países que mais crescem no mundo. Desbancou a China no primeiro trimestre do ano, ao crescer 11%, e por pouco (0,7 ponto) não deixou os chineses para trás de novo no trimestre seguinte. O crescimento é bem superior ao do PIB brasileiro - de janeiro a junho deste ano, mais que o dobro do que o aumento do PIB brasileiro. A renda per capita prevista de US$ 14 mil em 2011 é US$ 2,3 mil a mais que a renda do brasileiro.

Boa parte dessa renda tem ido para o consumo, e explica, em parte, o ritmo frenético de investimento de redes varejistas globais no mercado turco.

A espanhola Mango, que fechou a única loja que tinha em São Paulo há dois anos, abriu sete pontos novos na Turquia em 2010. Um deles tem três andares e vende blusinhas de algodão a partir de 9,95 liras (R$ 9,50) e calças jeans por 49,95 liras (R$ 48).

A rede ainda planejava abrir entre 10 e 15 lojas no período de um ano, segundo comunicado da companhia. "Apesar da crise global, nós acreditamos na Turquia e vamos continuar investindo", informa nota da Mango.

A rede de supermercados alemã Metro abriu quatro lojas em cidades turcas em 2010 e planeja mais seis unidades neste ano. A sueca H&M (que não tem planos para entrar no Brasil) decidiu abrir o primeiro ponto na Turquia, no maior shopping de Istambul, em novembro de 2010. Ocupa o espaço de dois andares num total de 2,3 mil metros quadrados, equivalente ao tamanho médio de um supermercado no Brasil.

"É um país jovem, com consciência de moda e que oferece potencial grande de crescimento para nós", disse Karl-Johan Persson, presidente mundial da sueca H&M, que na semana passada, em Istambul, participou de encontro mundial das associações de vendas diretas (World Federation of Direct Selling Associations).

As grandes redes já se destacam nas ruas de Istambul, mas são as pequenas lojas espremidas em vielas que fazem a maior parte do dinheiro girar. "As dez maiores varejistas instaladas no país têm menos de 10% das vendas totais", diz, em relatório, a analista de varejo da PMR Research, Malgorzata Machnicka. A rede líder do mercado turco é a Migros Turk. A bilionária família Koç, dona da cadeia, comanda uma estrutura gigantesca, que vai de supermercados e lojas de desconto a shopping centers, num total de 1,6 mil pontos e receita de US$ 4 bilhões ao ano.

O bom humor dos varejistas em relação ao mercado, porém, não tem só a ver apenas com o crescimento da economia. O tamanho do comércio turco e até menor do que o brasileiro. Deve movimentar US$ 250 bilhões em vendas em 2014 - foram US$ 185 bilhões (R$ 310 bilhões) em 2010, segundo pesquisa da Metro. No Brasil, o varejo movimentou R$ 638 bilhões em 2010. O fato é que a Turquia atrai mais negócios no varejo porque há o fator geográfico, que aproxima países e culturas e facilita investimentos; e, principalmente, porque há a questão tributária.

A Turquia adotou um regime simplificado de importação em 1996, com redução considerável da burocracia. E o Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), cobrado sobre produtos estrangeiros em geral, está em 18% em média. Para alimentos e roupas, atinge 8%. No Brasil, para essas mercadorias o imposto chega a 35%.

Outra questão, que poderia ser um impeditivo, na prática em nada atrapalha os negócios. Na Turquia, mulheres e homens muçulmanos dividem as principais avenidas de Istambul com europeias de saia curta e shorts. Os supermercados da rede inglesa Tesco vendem as carnes "halal", aquelas abatidas dentro dos preceitos islâmicos (o animal não sofre no abate), no corredor ao lado dos apresuntados, produto que os turcos não comem.

As mesmas lojas que comercializam lenços por 19 liras (R$ 19) para cobrir a cabeça das turcas, vendem minissaia de índigo blue pelo mesmo preço. Basta pagar - e afinal de contas, é só isso que o capitalismo turco quer.


Veículo: Valor Econômico


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