A PepsiCo chora o chocolate derramado

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A chegada de produtos contaminados às prateleiras desafia a empresa a evitar a corrosão na imagem do Toddynho, uma de suas principais marcas no País.


O dia mal começou a clarear às 5h30 da terça-feira 23 de agosto, e o trabalho já era intenso na fábrica da PepsiCo, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Não havia tempo a perder: das nove linhas de montagem instaladas no local saem diariamente 1,1 milhão de embalagens de 200 ml de Toddynho, o chocolate líquido campeão de vendas no País. Uma das máquinas de envasamento – processo no qual o produto é colocado dentro das caixinhas – interrompe seu trabalho por cerca de uma hora para ser limpa com uma espécie de detergente. Trata-se de um procedimento rotineiro. Desta vez, porém, havia algo errado: a máquina voltou a trabalhar de repente. Em vez de chocolate, as embalagens recebem uma mistura química com PH de 13,3, equivalente ao da soda cáustica ou da água sanitária. Alimentos normalmente têm esse valor próximo a sete. O erro é detectado e o problemático lote L4 32 é deixado de lado. Durante dez dias, ele fica separado para ser analisado pelo controle de qualidade da empresa. No entanto, de alguma forma ainda não muito clara, 80 caixinhas foram misturadas com o restante da produção e enviadas para o Rio Grande do Sul.

No fim de setembro, começam a pipocar no SAC da companhia ligações de consumidores que tiveram a boca queimada após tomar o que deveria ser uma mistura de leite e chocolate. Até a última semana já eram 39 pessoas feridas, moradoras de 15 diferentes cidades do Estado. É assim que um lote de 80 caixinhas do Toddynho, cujo valor é um pouco superior a R$ 100, pode trazer um prejuízo incalculável em vendas e de imagem à fabricante americana de bebidas e alimentos. “Houve um erro”, afirmou à DINHEIRO Vladmir Maganhoto, diretor da unidade de negócios Toddynho da PepsiCo. “Estamos promovendo pesquisas junto aos consumidores para captar o tamanho do estrago e fazendo uma revisão de nossos processos internos, para evitar a repetição dos problemas.” Falhas acontecem no mundo corporativo, o tempo todo. É fato. A PepsiCo não é a primeira e, certamente, não será a última empresa a enfrentar um problema de produção, a colocar no mercado um produto com falhas ou até mesmo a sofrer com sabotagem. O grande teste de fogo é a forma como as corporações reagem a esses contratempos e ameaças.
 
A relação das marcas com o consumidor é como se fosse uma conta bancária: é construída em pequenos depósitos ao longo do tempo. Às vezes, há um saque. Se a marca for forte, escapará com menos danos. Senão, pode entrar no vermelho. Os problemas de produção do Toddynho acertaram em cheio a PepsiCo justo no momento em que ela procurava galgar novos degraus no Brasil. Em janeiro, a companhia  trouxe  o executivo Roberto Ríos, que dirigia as operações na Venezuela e na Colômbia, para comandar a divisão de alimentos, sua mais bem-sucedida área de negócios no País. Ríos disse  a que veio: lançou uma nova campanha publicitária do achocolatado Toddy, aumentou sua participação em redes sociais e anunciou novos investimentos para breve. O mercado começou a fervilhar de boatos sobre o interesse da companhia por novas aquisições. A crise com o Toddynho, porém, pode engavetar esses planos. Pelo menos, a curto prazo, o desafio passa a ser recuperar a imagem de um produto estratégico. É difícil imaginar o tamanho do impacto do caso sobre os negócios da companhia.
 
Já se registra uma queda de 30% nas vendas no Rio Grande do Sul, segundo a Associação Gaúcha de Supermercados. “Os concorrentes vão aproveitar a brecha para ganhar espaço”, afirma  Sulamita Mendes,  especialista em gerenciamento de crises, de São Paulo. “Mas o fundamental é que a marca não perca seu valor estratégico.” No caso da PepsiCo, a imagem em jogo não é nada pequena. A gigante americana é uma das 50 maiores empresas do mundo. Presente em 200 países, fatura quase US$ 60 bilhões por ano e possui 19 linhas de produtos, cada uma gerando mais de US$ 1 bilhão de vendas. Sua CEO global, a indiana Indra Nooyi, foi considerada a quarta mulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes. O Brasil, responsável por 50% das vendas na América Latina  e quarto maior mercado da PepsiCo no mundo, ocupa uma posição estratégica em seus planos. Dona de algumas das marcas mais admiradas do País – Elma Chips, Quaker e Toddy, entre outras –, mantém por aqui 15 fábricas, dez mil funcionários e cerca de um milhão de pontos de venda, somando alimentos e bebidas.
 
Dentro desse cenário vitaminado, o Toddynho é uma espécie de pedra preciosa. Os 30 milhões de caixinhas fabricadas mensalmente engordam o caixa da empresa em um mínimo de R$ 400 milhões por ano, segundo estimativas de mercado. Introduzido no Brasil em 1982, o produto criou na prática o segmento de leites flavorizados no País, tornando-se um sinônimo para a categoria. Quase três décadas após seu lançamento, ainda domina o mercado, com cerca do dobro de participação do segundo colocado. Mas seu valor vai muito além do simples retorno financeiro. O Toddynho, que veio no portfólio da Quaker, adquirida pela PepsiCo em 2001, se tornou uma presença constante nas lancheiras escolares de várias gerações de crianças brasileiras. Angariou uma reputação de praticidade e conquistou a confiança das famílias – um trunfo inestimável para a empresa. “Poucas coisas são tão sensíveis e exigem uma confiança tão grande quanto a alimentação das crianças”, diz Silvio Laban, professor de marketing do Insper.
 
 
Superar essa barreira significa ganhar acesso às geladeiras e às despensas de uma multidão de consumidores, alavancando as vendas potenciais de outros produtos da empresa. A reação inicial da PepsiCo ao caso Toddynho foi rápida: mobilizou seu comitê de gerenciamento de crise – formado por executivos de áreas como comunicação, jurídica, manufatura e vendas, inclusive a presidência – e determinou as providências iniciais. Um comunicado sobre o ocorrido foi enviado para a imprensa e divulgado nos canais internos da companhia, nas redes sociais e no portal corporativo. O lote contaminado foi alvo de recall, um médico foi colocado à disposição para atender os afetados e o número do SAC ganhou destaque nos canais de comunicação. “A posição da PepsiCo foi convincente”, diz Luis Grottera, CEO da Brandia Central, consultoria de marca, de São Paulo. “Admitiu o problema e não tentou minimizar o seu tamanho.” No entanto, as medidas não permitiram que a PepsiCo escapasse de uma autuação do governo paulista no valor de R$ 175 mil por “fabricar, embalar, armazenar, expedir, transportar e colocar à venda produtos sem qualidade e segurança”.
 
Um processo administrativo do Procon gaúcho pode também resultar em proibição da venda do produto e multa de até R$ 3 milhões. O modelo ideal de conduta em casos como o do Toddynho, apontado por 11 entre dez especialistas ouvidos por DINHEIRO, aconteceu na década de 1980 nos EUA. Naquela época, a Johnson & Johnson foi a público informar que lotes do analgésico Tylenol haviam sido envenenados por estranhos – até hoje não se descobriu os autores do crime. A contaminação por cianureto provocou a morte de sete pessoas e poderia ter sido um golpe devastador para a companhia. A ação foi rápida e inédita: o produto foi inteiramente retirado do mercado, o que provocou um prejuízo de US$ 100 milhões – recuperados posteriormente junto aos consumidores graças à firmeza da J&J “Essa ação passou a imagem de preocupação com o consumidor, não importa o custo”, afirma Marco Túlio Zanini, coordenador de mestrado da Fundação Getulio Vargas (FGV). Uma postura transparente, como a da Johnson & Johnson, ajuda a manter os clientes por perto. Essa é, ao menos, a esperança da PepsiCo. “O Toddynho é uma marca diferente”, afirma Maganhoto. “Quem dá o produto para os filhos hoje tomava Toddynho quando era criança. Temos orgulho dessa conexão e vamos mantê-la.”

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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