Carrefour testa conceitos do Planet no país

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O Carrefour decidiu fazer mudanças no formato de suas lojas de hipermercados no Brasil. Conforme o Valor apurou, nesta quarta-feira a varejista reinaugura em Santo André, no ABC paulista, um hipermercado com uma série de alterações no modelo anterior. Foram quase dois meses de reforma da loja, que deve servir como padrão para novas reinaugurações pelo país, apurou o Valor. Na região do ABC, a unidade já foi apresentada aos moradores como "um novo conceito de hipermercado".

É um projeto piloto e, como tal, tudo foi feito discretamente. O Valor visitou a loja na última sexta-feira - o ponto tem sido reformado sem interrupção na operação. Uma questão merece destaque: há várias referências ao modelo do Carrefour Planet, cadeia de hipermercados com 50 lojas na Europa e considerada uma das principais apostas do grupo para fazer a empresa voltar a crescer no mundo. Sites especializados em varejo na Europa comentaram a reforma da loja como sendo a porta de entrada do Brasil no modelo Planet.

As similaridades da unidade de Santo André com o formato Planet são visíveis. As áreas internas da loja no Brasil (mercado, eletro, beleza, entre outros) são identificadas em grandes telas coloridas presas ao teto, com o nome das áreas impresso nelas. Essas identificações em Santo André são semelhantes às das lojas na Europa (veja foto ao lado). Cada área tem uma cor diferente, e até o tipo de cor escolhida para cada departamento é o mesmo das unidades na Europa. O Carrefour no país não autorizou que a reportagem fizesse fotos.

A iluminação na área de venda de frutas, verduras e legumes é feita por estruturas similares às das lojas na França, com vários spots de luz branca presos ao teto. Ainda foi criada uma área chamada "espaço kids", existente no Carrefour Planet. Esse espaço ficou pronto há 15 dias. Além disso, segundo estratégia do grupo, as lojas Planet focam mais categorias como alimentos frescos e produtos para bebês, e ambas as áreas já aumentaram de tamanho em Santo André.

Essa reformulação é uma iniciativa importante por conta do histórico recente da rede no país. O Carrefour no Brasil estava sendo cobrado pela matriz para que abraçasse o projeto mundial de reestruturação dos hipermercados no mundo. A questão não passava, necessariamente, em reproduzir ideias do Planet no país, mas em se alinhar à estratégia global.

É sabido, inclusive, que a decisão do grupo de demitir em 2010 a linha de frente da rede no Brasil teve relação não só com a descoberta de fraudes contábeis no país, como também pela falta de tolerância da sede com a lentidão da subsidiária em reestruturar o modelo de hipermercados no Brasil. Agora, o novo comando da varejista, tem seguido nessa busca.

Procurada, a companhia nega que as mudanças na unidade tenham seguido o formato Planet e ressalta que o modelo não deve ser trazido ao país. O Valor apurou que a subsidiária não acha isso necessário. O Planet está em cinco países e tem sido aberto em locais onde o grupo Carrefour encolheu drasticamente. Não é o caso do Brasil. Por aqui, o plano é emprestar o conceito para modernizar as unidades e ampliar o espaço para venda de produtos mais rentáveis.


Queda de 63% nas ações marca dificuldades da rede


Quando o Walmart começou a se expandir fora da América do Norte nos anos 90, seu rival mais forte era o Carrefour, com lojas espalhadas pela Europa, América do Sul e Ásia. Hoje, a varejista francesa enfrenta dificuldades mundiais. No dia 13, divulgou seu quinto alerta sobre os lucros em menos de um ano, depois de ter registrado queda nas vendas no terceiro trimestre em mercados importantes na Europa Ocidental e Ásia. O executivo-chefe da rede, Lars Olofsson, recrutado da Nestlé em 2009, é o terceiro a ocupar o cargo em sete anos. Nos últimos 12 meses, quatro altos executivos caíram.

Desde 2007, quando o chefe do grupo LVMH, Bernard Arnault, e o grupo americano de investimentos imobiliários Colony Capital compraram participação de 9,8%, por US$ 5,5 bilhões, as ações do Carrefour despencaram 63%. Esse investimento agora vale menos de US$ 2 bilhões. "Entraram na hora errada", diz o analista Justin Scarborough. "Os mercados nos quais estão ficaram sob grande pressão desde 2008 e grande parte disso não irá embora". Arnault e Colony não quiseram dar entrevistas.

O valor do Carrefour ficou bem atrás dos US$ 467 bilhões do Walmart. Embora tenham quase o mesmo número de lojas (9.667 do Walmart e 9.631 do Carrefour), só as vendas internacionais do Walmart somam US$ 109 bilhões, quase superando a venda total do Carrefour, de US$ 114 bilhões. Enquanto a margem operacional do Walmart ficou em torno de 7,5% nos últimos anos, a do Carrefour foi de 5,5%. No lucro líquido, a diferença é grande: US$ 7.804 por funcionário do Walmart em 2010, contra US$ 1.260 do Carrefour.

Como o Carrefour conseguiu se desviar tanto do rumo? Sua rápida expansão internacional, para compensar o baixo crescimento na França, inchou demasiadamente a empresa, que entrou em 24 países entre 1994 e 2004. Em alguns, teve sucesso, como na China, onde a operação com vendas anuais de US$ 5,8 bilhões foi elogiada, pelo marketing inovador (produtos feitos internamente e a peixaria baseada nos tradicionais mercados chineses de rua). Desde 2000, porém, o Carrefour vendeu operações em dez países, como México, Rússia, Japão e Coreia do Sul, e já cogitou sair de outros mercados.

O Walmart também tropeçou em alguns países, como a Alemanha, de onde saiu após nove anos. Mas a americana se expandiu de forma mais cautelosa que o Carrefour, desenvolvendo operações lucrativas no México antes de entrar na América do Sul e na Ásia.

Na França, fonte de 43% das suas vendas, o Carrefour possui montes de hipermercados em subúrbios congestionados e enfrenta restrições de zoneamento para novas lojas. No resto da Europa, onde obtém 31% das vendas, a história fica cada vez mais parecida. Os clientes estão preferindo lojas menores e mais próximas, ou redes de desconto como a Lidl e a Aldi. Essas tendências, junto com o comércio eletrônico, vêm mudando a forma de comprar dos europeus, particularmente de itens não alimentícios, de altas margens. O Carrefour está "entre a cruz e a espada", diz a analista Natalie Berg. "Estão estruturalmente defeituosos".

Em teleconferência com analistas em 31 de agosto, Olofsson prometeu "um novo plano para consertar o que não funcionou". Nos últimos 12 meses, a empresa reformulou 500 hipermercados na Europa Ocidental, com a oferta de preços mais baixos e mais artigos de marca própria. Com a crise europeia ameaçando corroer ainda mais o consumo e os receios de que a França entre em recessão em 2012, analistas temem que qualquer recuperação seja muito lenta. Depois de prometer em junho investir US$ 2,2 bilhões para reformular as lojas, Olofsson anunciou em agosto reduzir os gastos.

Os investidores não podem contar com a venda de ativos. O plano do Carrefour de desmembrar 25% da unidade que controla seus imóveis foi engavetado após críticas de acionistas e sindicatos. Em 2010, desistiu de levar adiante a venda das suas filiais em Malásia e Cingapura. Este ano, a proposta de combinar suas operações no Brasil com o Pão de Açúcar fracassou.


Veículo: Valor Econômico


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