Queijos perdidos

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Produtores, acadêmicos e associações se reuniram em Fortaleza no primeiro Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil para discutir a valorização, a origem e a tradição dos queijos de leite cru do país

   
Os queijos artesanais brasileiros, preparados com leite cru, estão em risco de extinção. Essa é a opinião de produtores, acadêmicos e associações sem fins lucrativos, que estiveram reunidos na última semana em Fortaleza, no primeiro Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil.

Um objetivo comum os uniu ali, por três dias de palestras, debates e discussões: preservar os processos seculares de produção desses queijos, que carregam, em si, valores culturais e históricos.

"É mais que um alimento, é uma expressão profunda da nossa forma de vida", disse Kátia Karan, do movimento Slow Food (a favor da pequena produção camponesa).

Não importa se o queijo é feito no Rio Grande do Sul, nas serras de Minas Gerais ou no agreste pernambucano.

Todos são de "terroir", ou seja, estão relacionados ao clima, à pastagem e ao tipo de bactérias de cada região.

São feitos em pequena escala com leite cru (não pasteurizado), em propriedades familiares, de receitas tradicionais -o saber fazer passa de geração para geração.

Entraves impostos pela legislação federal -que impede que esses produtos de leite cru circulem no país sem que haja cumprimento de uma série de exigências- são os principais elementos destacados por produtores e entusiastas para justificar a lenta perda dessa tradição.

Em comum, argumentam que a legislação federal é "antiga", de 1952, inspirada no "higienismo norte-americano", e impõe "padrões inatingíveis em nome da saúde".

"A legislação parte do princípio de que o leite precisa ser pasteurizado e despreza essa cultura de queijos produzidos há centenas de anos por causa de um conceito estreito de saúde", disse Helvécio Ratton, diretor do documentário "O Mineiro e o Queijo".

"Temos muitos aniversariantes da família com 100 anos. Minha avó morreu neste ano aos 101 anos e 206 dias", diz Francisco Nogueira Neto, de uma família que produz queijo de coalho há 140 anos no Ceará.

INDÚSTRIA

Para Luciano Machado, produtor da serra da Canastra, em Minas Gerais, o principal problema é "colocar as mesmas normas da indústria ao pequeno produtor".

"O que não pode acontecer é uma imposição dos valores do mundo industrial para o mundo artesanal", disse Clóvis Dorigon, pesquisador da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina).

Surge, então, o mercado informal desses queijos, nas próprias cidades e entre Estados. "São produtos que não se enquadram na forma da lei e isso não quer dizer que eles tenham problemas. Ilegal é narcotráfico", diz Dorigon.

Como viabilizar a saída do mercado informal sem excluir agricultores e sem descaracterizar os produtos é o grande problema que envolve esse tema, para a maioria dos participantes do simpósio.

Para o Ministério da Agricultura, o Estado "nunca esteve contra os pequenos produtores". "A gente não quer proibir, mas a questão é que precisamos regulamentar esse setor", diz Clério Alves da Silva, chefe do serviço de inspeção de produtos de origem animal em Minas.

Diante das exigências da lei, pela primeira vez surge uma articulação de produtores para pressionar o governo na criação de legislação que os contemple para que possam preservar os queijos artesanais brasileiros.


Minas Gerais tem legislação estadual própria


Os produtores de Minas Gerais foram os primeiros a pressionar o governo a criar lei estadual que permitisse a circulação do queijo cru -atividade de cerca de 30 mil famílias.

Em 2000, o então governador Itamar Franco editou uma norma estadual que permite a venda do queijo de leite cru com maturação mínima de 21 dias dentro do Estado -em contraste com a lei federal, que exige 60 dias.

Surgiram, ainda, entrepostos registrados no serviço de inspeção federal -juridicamente responsáveis pelo monitoramento das queijarias e pelo controle da maturação-, que têm permissão de vender para outros Estados.

"O Ministério [da Agricultura] não tem capacidade de fiscalizar e delegam a missão ao entreposto", diz o cineasta Helvécio Ratton. Para o produtor da serra da Canastra Luciano Machado os entrepostos são "negócios para empresários". "Entrepostos não são fiscalizadores, são vendedores de rótulos."

Minas Gerais despertou -e impulsionou- a articulação dos pequenos produtores de outros Estados.

O queijo de coalho pernambucano, por exemplo, já está em um processo de identificação geográfica -um mapeamento da região agreste que firma as particularidades do produto.

O Rio Grande do Sul também se mobilizou e, há um ano, teve o primeiro documento da secretaria do Estrado que delimita a região produtora do queijo serrano e define suas etapas de preparo e suas características.



Ministério diz que tenta viabilizar a produção com o 'mínimo de higiene'



O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento diz que há uma proposta de trabalho para manter essa produção artesanal com condições mínimas de higiene. "Questões ligadas à higiene nunca foram abordadas, nunca houve disciplina dos produtores", diz Clério Silva, fiscal do ministério.

Ele diz que a legislação de 1952, contestada pelos produtores, não proíbe o preparo de queijos crus e, inclusive, "prevê sua fabricação".

Em 2000 foi feita a resolução 7, um desdobramento dessa lei, que organiza o funcionamento dessas queijarias e entrepostos. "A resolução está adaptada aos pequenos produtores, não fazemos as mesmas exigências das grandes indústrias", diz Clério.

"Queremos viabilizar linhas públicas de investimentos para que se adequem."

"Temos tentado viabilizar essa produção sem que haja problemas de saúde. Isso é novidade para produtores."

Para o ministério, as exigências foram criadas para regulamentar a produção e não para extingui-la. "Quem fiscaliza parece que está contra o produtor e não a favor dos consumidores. As pessoas interpretam mal."



Veículo: Folha de S.Paulo


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