Pão de Açúcar ajusta seus investimentos

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Maior rede de varejo da América Latina, o Grupo Pão de Açúcar vai encerrar o ano com investimentos abaixo do teto previsto - em vez de R$ 1,4 bilhão, o valor deve ficar entre R$ 950 milhões e R$ 1 bilhão. Para 2012, apesar do plano de desembolsar mais de R$ 1,4 bilhão, a empresa pode rever a previsão ao longo do ano, conforme a geração de caixa. Oficialmente, o valor será anunciado entre março e abril. "Me limito a investir a geração de caixa livre.

É isso que tenho combinado com os acionistas", disse Enéas Pestana, diretor-presidente do Grupo Pão de Açúcar, ao Valor. "Se posso ajustar minhas previsões de investimento também em 2012? Posso sim", disse ele, que fez uma ressalva: "Sou um otimista. Prefiro ver o copo meio cheio do que meio vazio. Eu quero abrir lojas, mas se não puder, vou fazer o quê?

Há quase dois anos no cargo de diretor presidente do Grupo Pão de Açúcar, a maior rede de varejo da América Latina, Enéas Pestana passou a comandar o GPA num período de mudanças profundas na empresa. Sob seu comando, a varejista terminou de integrar a operação com o Ponto Frio, fechou o negócio com a Casas Bahia e reestruturou centenas de lojas.

Pestana estava na linha de frente da rede quando veio à tona o interesse do acionista Abilio Diniz em associar-se ao Carrefour. Nos bastidores, enfrentou pressão pesada quando o sócio francês Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, e Diniz protagonizaram embates públicos.

Discreto e reservado, Pestana costuma dizer que não comenta "questões relacionadas aos acionistas" e que seu trabalho é entregar resultados. Esta é exatamente a questão principal de 2012, quando, a partir de junho, o Casino passa a ter o controle acionário do GPA.

Em entrevista ao Valor, Pestana diz que o plano de investimento de 2011, estimado inicialmente em R$ 1,4 bilhão, deve ficar entre R$ 950 milhões e R$ 1 bilhão. E ajustes podem ser feitos também no plano de investimento previsto para 2012, que deve ser anunciado em alguns meses.

"Eu acho que podemos voltar a ter uma crise de confiança [....]. Se acontecer, seria algo injustificado"

Ao final de dezembro de 2010, o grupo tinha 1.647 lojas, sem considerar drogarias e postos de combustível. Hoje, são 1.615 lojas. Com farmácias e postos, o total é de 1.849 unidades.

A princípio, o valor investido pode ficar acima de R$ 1,4 bilhão, porque a rede espera que seja um bom ano e precisa crescer de forma orgânica em 2012. "Eu me limito a investir a geração de caixa livre. É isso o que tenho combinado com os acionistas", diz. "Se posso ajustar minhas previsões de investimento também em 2012? Posso, sim", afirma. "Mas eu sou um otimista. Prefiro ver o copo meio cheio que meio vazio. Eu quero abrir loja". O plano para o período de 2012 a 2014 é inaugurar cerca de 400 lojas.

É otimista, mas também cauteloso. Para este Natal, o GPA está se preparando para colocar na rua um plano B, se for preciso. O executivo afirma que "podem ter coisas melhores que redução de IPI" para a indústria e que o Brasil não pode viver uma crise de confiança. "Eu acho que podemos voltar a ter uma crise de confiança. Minha maior preocupação é isso. Porque se acontecer, seria algo injustificado".

Antes de comandar a área de finanças do GPA de 2003 a 2010, Pestana foi vice-presidente da Dasa, a maior rede de medicina diagnóstica do país, e trabalhou na GP Investimentos e no Carrefour. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na sede do grupo, em São Paulo:

Valor: Quando o grupo percebeu o desaquecimento neste ano e como reagiu a ele?

Enéas Pestana : No fim de 2010, quando começamos a planejar 2011, estávamos muito otimistas. Porque 2010 tinha sido um ano muito bom, fizemos meta e orçamento nessa 'levada'. Mas este ano não foi como esperávamos. Isso ficou claro na virada do primeiro para o segundo trimestre. Então, em torno de junho, julho, nós decidimos focar na reestruturação de formatos e acelerar conversões de Sendas e CompreBem, assim como tocar o projeto de reestruturação do Extra Fácil. Também mandamos acelerar projeto de reorganização do Assaí. Ainda reduzimos o Capex [investimentos em bens de capital] para manter o mesmo nível de endividamento de 2010, que era a nossa meta. O Capex de 2011 deve ficar entre R$ 950 milhões e R$ 1 bilhão e a previsão inicial era de R$ 1,4 bilhão e depois R$ 1,2 bilhão. E posso ajustar minhas previsões de investimento também em 2012? Posso, sim.

"Quando o mercado está desaquecido e existe retração, você faz promoção e o cliente não vem. Não tem jeito"

Valor: Quando já será possível ter uma ideia melhor sobre o desempenho no ano que vem, e então fazer esses ajustes?

Pestana : Eu acho que dá para ter uma noção real do ano de 2012 no segundo trimestre, ali entre abril e o Dia das Mães. Nesse momento, acreditamos que dezembro poderá ser pior que o ano passado em termos de volume vendido. Nesse caso, não deve ser bom. Até porque também temos uma base de comparação alta em termos de volume vendido em 2010. Já em termos de vendas, de receita, devemos ter alta. Para o critério de vendas mesmas lojas nominal, acreditamos num crescimento de um dígito para o grupo. E ao contabilizarmos todas as lojas, também nominal, pode ser uma alta de dois dígitos.

Valor: Como tem sido o mês de dezembro até agora e o que esperar desse Natal?

Pestana : Acredito que pode ser um dezembro bom, mas não diria ótimo. Ótimo foi em 2010. A venda da segunda semana do mês ficou dentro da nossa meta. O fato é que quando o mercado está desaquecido e existe retração, você faz promoção e o cliente não vem. Não tem jeito. Agora, há alguns sinais de que o mercado está com vontade de comprar. Fizemos o 'Black Friday' e o consumidor respondeu rápido. Isso é um bom sinal. Porque em uma oportunidade, o consumidor responde. Isso é um indicativo de que usar um plano B, C ou D pode dar certo. Já tivemos alguns momentos, como em 2009, que fomos para o plano B, e o cliente não veio. Fomos para o plano C, ele não veio, aí você tem que bater forte e ir para TV com ações muito agressivas.

Valor: Há um plano B para este Natal?

Pestana : Nós temos sim, como tivemos em 2009, que foi um ano complicado também. Já no ano passado não tivemos plano B porque não foi preciso. Para este ano, estamos preparados para colocá-lo na rua e já estamos nos mexendo. Vamos fundo para trazer cliente para loja. Estamos mexendo em taxa de juros, em prazo de pagamento, alongando isso dentro do possível, e também trabalhando em promoção de produtos que tragam fluxo para loja. São alternativas analisadas para ampliar demanda tanto em alimentos como em não alimentos, e basicamente sendo agressivos naquilo que aumenta tráfego. É tudo muito rápido, e não poderemos demorar a agir.

Valor: Pode dar algum exemplo dessas ações?

Pestana : Nós fizemos vendas em novembro para pagamento da primeira parcela em fevereiro. Não fizemos isso em 2010. Mas neste ano, se não precisar, não vamos usar isso porque mexer na estratégia custa na nossa margem.

Valor: Como está o plano estratégico do grupo para 2012?

Pestana : Já aprovei com o meu acionista o plano de 2012 e vamos começar o ano de forma bem agressiva porque acreditamos no bom ano, e temos que acreditar. Quem não acredita é porque tem problemas, é conservador, ou é uma filial de matriz estrangeira. Já fizemos a nossa lição de casa em 2011, com a reorganização dos formatos de lojas, então, em 2012, eu não teria uma nova distração. As coisas estão resolvidas e o que eu quero, portanto, é expandir. Eu quero fazer loja. Estou confiante que vai dar. Se eu não puder fazer loja nova porque o ano não for bom, então vou fazer o que? Bom, acho que vou tirar férias...[risos]

Valor: O grupo pode aproveitar e comprar algo como em 2009?

Pestana : Quem sabe? O pessoal de fusões e aquisições está olhando tudo. A gente criou esse grupo de M&A [merger & acquisitions] em 2009, no ano da crise. Tinha muita gente mal, então decidimos montar essa equipe. E quatro cinco meses depois apareceu Ponto Frio e depois Casas Bahia. Pode ser um caminho. E a gente se distrai um pouco [risos].

Valor: O Sr. comenta que pode rever os investimentos de 2012 se necessário. Há diferentes planos já desenhados para o ano?

Pestana :Nós não fazemos dessa forma. Nós trabalhamos com o sistema de torre. Todos os anos colocamos nossos projetos dentro de uma torre com prioridades de gastos, começando na base com aqueles mais importantes, que podem comprometer o crescimento futuro da empresa. E por isso, precisam ser feitos. São questões como segurança patrimonial, de pessoas, infraestrutura e tecnologia. A partir daí começamos a decidir outros gastos, que vão subindo nessa torre. Vamos empilhando tudo. Quanto mais você sobe, menos prioritário é o projeto. Então, eu comparo esses investimentos com a geração de caixa livre da empresa. Se a geração de caixa for menor, pode cortar. Eu me limito a investir a geração de caixa livre. É isso o que tenho combinado com os acionistas. Se o primeiro semestre rodou, e vamos dizer que eu conclua isso, que a geração de caixa caiu 10%, eu corto na torre. Fizemos isso em 2011 e vale para 2012 e todos os anos. No momento, o plano aprovado de 2012 é maior que o de 2011.

Valor: O Sr. pode detalhar algo desse planejamento de 2012?

Pestana : Vamos falar disso no GPA Day [data de encontro com investidores]. Achamos bom esperar alguns meses para falar disso. Em março ou abril, quando temos uma ideia melhor de como será o ano. Em 2012, posso dizer que devemos investir mais que o plano de 2011. Portanto, investir mais que R$ 1,4 bilhão, que era o plano inicial de 2011. Em relação às grandes redes formais, estamos vivendo um momento espetacular. Se você pegar o momento do Walmart e do Carrefour, temos uma posição relativa muito privilegiada neste momento e temos que saber aproveitar isso e não criar problemas que possam nos distrair.

Valor: Como assim?

Pestana : Se nós tivéssemos demorado a reestruturar a rede Assai e o Extra Fácil, e só empurrássemos tudo com a barriga, perderíamos agilidade por não ter tomado decisões. Um dos nossos maiores trunfos é estarmos no Brasil, porque a gente decide e faz. Nós fizemos o 'Black Friday' em dez dias. Será que o Walmart faria isso? Será que o Carrefour teria essa capacidade? Então é uma vantagem competitiva. E fizemos a lição de casa. Quanto mais difícil for o ano, torna-se mais importante já ter feito a lição de casa. Torna-se mais importante ter ajustado e reestruturado a empresa antes. Quanto mais difícil for, melhor para mim, porque já reorganizei a minha estrutura.

Valor: O Sr. parece mais otimista do que a indústria.

Pestana : Eu sou um otimista. Prefiro ver o copo meio cheio do que meio vazio. Num grupo de empresários da indústria, vai ter sempre dois ou três pessimistas. No varejo, não. Mas é sempre assim mesmo. O que me anima para 2012 são as questões estruturais. Eu estive com o Mantega [Guido Mantega, ministro da Fazenda] semanas atrás [em reunião de diferentes setores, pouco antes da redução do IPI] e foi sensacional. Mantega quer manter o mercado aquecido. Eu acredito totalmente que a demanda em alta é uma proteção contra a crise na Europa. É a mesma postura do governo em 2009, quando se falou na "marolinha"...

Valor: Mas isso gerou algumas críticas na época, que o governo estaria "desprezando" a crise.

Pestana : Sim, mas é verdadeira essa questão de que estamos em melhor situação que o resto do mundo e podemos manter um bom ritmo de demanda. Não sou otimista baseado em promessas. O fato é que os fundamentos da economia são sólidos, os bancos estão saudáveis, temos uma taxa de desemprego baixa, com aumento do salário mínimo em janeiro, e expectativa de uma boa safra, com preço de commodities controlados. Então há questões muito positivas que merecem destaque. Nós esperamos um crescimento de PIB de 4% e sem viés em 2012. Gostaria que fosse 4% a 5%, mas 5% é um pouco demais. E neste ano, [esperamos] alta de 3% a 3,5% nesse indicador. No começo de 2011, esperávamos um PIB maior, de 4%. Quanto aos juros, trabalhamos com taxa de 9,5% a 10% em 2012.

Valor: O Sr. era favorável à redução do IPI para produtos de linha branca?

Pestana : Eu acho que existem coisas melhores do que o IPI menor para a linha branca. Nessa questão, há algo relevante. Não podemos dar incentivo para esse segmento e depois a indústria reduzir a produção de eletrodomésticos. Porque aí, se a demanda cresce, pode resultar em aumento de preço. Nós estávamos estocados para o final de ano. No mercado, os estoques de linha branca variavam de 45 dias a 60 dias. Então em janeiro já tem que comprar. E precisa ter cuidado, porque o setor não pode deixar desabastecer, sob o risco de a produção cair e, com uma demanda aquecida, a conta não fechar e o preço subir. A questão é que se não existir um compromisso das partes, pode ter um viés exatamente contrário e perigoso. Isso foi lembrado na reunião com Mantega.

Valor: Há outras medidas em discussão com o governo?

Pestana : Olha, tem outras possibilidades, mas não quero falar disso. Nós demos outras ideias que podem ajudar direto na ponta no varejo e se refletir no preço ao consumidor.

Valor: Dá para adiantar algo que está em aberto, em discussão?

Pestana : O que posso dizer é que, se for necessário, o ministro [Mantega] pode tomar outras medidas para manter o mercado aquecido.

Valor: O Sr. acha que vai ser necessário?

Pestana : Eu acho que não deveria [ser necessário]. Eu disse na reunião que existe algo que precisa ser trabalhado, e isso é a confiança do consumidor. Eu acho que podemos voltar a ter uma crise de confiança. Minha maior preocupação é uma crise de confiança. Porque se acontecer, seria injustificada. E é algo difícil de reverter. Porque um puxa o outro e contamina todo mundo. Aí precisa ter mobilização, puxada pelo governo, envolvendo varejo e indústria, é uma questão complicada para reverter.

Valor: Na reunião com o governo, isso foi debatido?

Pestana : Eu falei sobre isso. E acho que é algo que está na mesa. A despeito de não ter nenhuma medida tratando dessa questão especificamente. E precisamos tratar disso no sentido de avisar aos outros empresários: "Olha, não pisa no pé, não é por aí, não há essa necessidade".

Valor: O Sr. apoia essa posição de ampliar consumo interno e baixar juros, para ajudar a segurar a crise. Mas há outras medidas de estímulo ao consumo e produção que passam por reformas que o governo não fez até hoje. Como avalia isso?

Pestana : Sim, isso é verdade. É preciso encarar seriamente a questão do aumento nos gastos públicos e da simplificação tributária, assim como a pesada burocracia e a infraestrutura precária em certas regiões. Isso gera um custo altíssimo e limita crescimento. Você vende ao Nordeste e o produto chega lá com o dobro do preço, então você desiste de vender porque ninguém quer comprar e, então o acesso a determinados produtos na região acaba ficando muito limitado. Então, nada disso é bom. Não resolver essas questões é um tiro no pé. A substituição tributária, por exemplo, tem sido criminosa para nós. Porque abriu espaço para esquemas. A empresa monta um centro de distribuição no Norte, no Nordeste, no Sul, e compra como se fosse vender lá, compra lá, e aí ele volta com o produto para cá, vende ao pequeno varejo, que não recolhe a diferença da substituição tributária e aí, ganha uma vantagem competitiva. Então, nesse mercado, se você ganha um, dois pontos de margem, você faz festa, churrasco, 'happy hour' para comemorar. Isso porque chegar num ganho desse em um mercado com competição desleal, tem que fazer festa mesmo.

Valor: O que é a política "Robin Hood", que o Sr. está implementando?

Pestana : Temos feito mudanças porque achamos que não dá para atender bem o cliente se o funcionário não está feliz no trabalho. Criamos o cartão-mamãe, que dá ao empregado R$ 100 de crédito, por mês, por filho, com idade entre 6 meses e cinco anos. É válido para empregados que recebem até 8 salários-mínimos. Se ele ganha R$ 800, é um aumento de mais de 10% no salário, por filho. Isso gera um custo de R$ 18 milhões ao ano para a empresa, e para compensar, cortamos algumas coisas, como o curso de inglês para os diretores. Um diretor pode pagar o curso com o salário dele se quiser. Também ampliamos a licença para grávidas de quatro para seis meses. E a folga de funcionários que são lideranças de loja, como gerente e chefe de seção, vai chegar a dois finais de semana por mês.


Veículo: Valor Econômico


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