A posse do novo presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, acabou se transformando em ato de independência do órgão antitruste. Durante o evento, o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que os conselheiros não vão ceder a pressões indevidas ou corporativas ao julgar fusões e aquisições de empresas no período de crise internacional. Alan Marques/ Folha Imagem
Para Genro, o trabalho do Cade deverá crescer com a crise externa, pois as empresas deverão alegar dificuldades de captação de créditos juntos aos bancos para justificar a realização de fusões. Outro problema que deve surgir, segundo o ministro, é o aumento de casos de cartel, já que, num período de perda de faturamento, algumas empresas podem tentar compensações através de acordos ilegais com concorrentes, como fixação de preços ou divisão de clientes.
"Na crise internacional, o país está relativamente blindado, mas sabemos que processos de concentração econômica (fusões e aquisições), às vezes, são precedidos de processos de cartelização", disse o ministro. Para ele, o Cade deve ser "neutro, estatal, competente e eficiente" no julgamento de fusões e de cartéis motivados pela crise.
Genro revelou que quando levou o nome de Badin para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia que teria dificuldades para aprová-lo no Senado. "Sabíamos que teríamos um contencioso", disse o ministro, referindo-se ao fato de Badin ter atuado de maneira "aguerrida" contra empresas que recorriam sistematicamente contra decisões do Cade na Justiça.
Na opinião de Genro, a aprovação de Badin pelo Senado, após cinco meses de debates entre a indicação realizada em junho e a votação no plenário, na semana passada, fortaleceu o novo presidente. "O seu nome foi debatido pelo Senado, pelos jornais e pela sociedade e, portanto, tem maior legitimidade", resumiu o ministro.
Badin enfrentou muita resistência no Senado por causa de reclamações feitas por empresas que sofreram reveses no órgão antitruste nos últimos anos. O novo presidente atuou por quase três anos como procurador-geral da autarquia, onde era o responsável por fazer com que as decisões do Cade fossem reconhecidas pelo Judiciário.
Em 2004, um ano antes de Badin tornar-se procurador, mais de 75% das decisões do Cade não eram cumpridas, porque as empresas conseguiam liminares na Justiça com facilidade. Apenas 3,78% das multas impostas contra as empresas haviam sido pagas. Para reverter o quadro, Badin contestou publicamente as empresas que recorriam de maneira sistemática contra as decisões antitruste, ameaçando-as de inscrição no Cadastro de Inadimplentes (Cadin), o que gerou duras críticas das companhias ao procurador.
Badin também reorganizou a procuradoria, de modo a evitar a concessão quase imediata de liminares contra o Cade. Os procuradores passaram a atuar diretamente junto aos juízes, levando os conselheiros e a presidente do Cade, Elizabeth Farina, para explicar as decisões antitruste. "O Cade era um leão sem dentes", resumiu Badin. "Hoje, pelo menos dentes de leite foram criados."
Empossado como presidente, Badin elegeu como prioridade a aprovação do projeto de lei que cria o "novo Cade". O objetivo do texto é unificar a estrutura de defesa da concorrência no Brasil, hoje, dividida em três órgãos distintos: o Cade, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda.
Para Badin, a unificação dos três órgãos vai acelerar o julgamento das fusões e aquisições, reduzindo os custos e incertezas do setor privado quanto à realização de negócios no país. Ele ressaltou que o novo Cade também será benéfico para o setor público, pois vai evitar que três órgãos distintos analisem a mesma fusão, evitando redundâncias e, com isso, economizando recursos do governo.
Genro é amplamente favorável à aprovação do projeto do novo Cade e esteve reunido com o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, anteontem, para discutir o assunto. O redator do projeto de lei, o economista César Mattos, tomou posse, ontem, na vaga de conselheiro. Mattos é consultor legislativo da Câmara e participou diretamente dos debates a respeito do novo órgão antitruste. Antes, ele foi assessor econômico do órgão antitruste durante a presidência de Gesner Oliveira (1996 a 2000).
Com a posse de Badin e Mattos, todos os sete integrantes do atual Cade foram indicados durante a gestão de Genro na pasta da Justiça. O ministro enfatizou que pretende manter um canal direto com o conselho, de modo a lhe dar suporte técnico. Porém, ressaltou que vai respeitar a independência decisória do órgão. "Somos parceiros de trabalho e estaremos prontos para atender cada um dos conselheiros", disse. "Que esse conselho funcione com independência e neutralidade nos contenciosos entre empresas", disse o ministro.
Veículo: Valor Econômico