Como Duda quer fortalecer a Johnson

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Para se proteger de uma concorrência mais acirrada no País, a múlti americana redefine prioridades e aposta em tecnologia e marketing


Há um mês, Maria Eduarda Kertész reserva meia hora das suas noites às cartas. Não que a presidente da divisão de Consumo da Johnson & Johnson no Brasil tenha se tornado uma missivista obstinada. A empreitada - ler uma a uma das mensagens enviadas por 700 dos 5 mil funcionários da multinacional americana no País - é uma amostra do esforço da empresa para mudar de estratégia no mercado brasileiro.

Pela primeira vez, um número grande de funcionários - de trainees a promotores de loja - foi convidado a analisar os planos da companhia para o ano e a dar sugestões. Antes, o processo ficava restrito à diretoria e à equipe de marketing. Após dois dias reunidos em um hotel em Mogi das Cruzes (SP), em fevereiro, os funcionários adicionaram o tópico inovação às prioridades para 2012 e, ao final, foram chamados a responder em uma carta a pergunta: "O que você acha que a Duda (como a executiva é conhecida) tem que fazer?"

A consulta inédita é reflexo da decisão da empresa - tomada há um ano, quando Maria Eduarda assumiu o cargo - de aumentar a autonomia da operação local para ganhar terreno em um mercado cada vez competitivo.

Dona de uma marca tradicional e habituada à liderança folgada em várias categorias, a Johnson & Johnson viu-se obrigada a se mexer. "Não porque o que estávamos fazendo não estava dando certo. Mas porque o mercado mudou e os concorrentes se multiplicaram", afirma Duda, que comanda a maior operação da área de consumo da J&J fora da matriz.

No Brasil, a divisão - que reúne produtos de beleza, linhas de bebês e de cuidados com saúde e medicamentos de venda livre - é responsável pela maior parte do faturamento da empresa, que tem ainda as áreas farmacêutica e médica. Com receita global de US$ 65 bilhões em 2011, a Johnson não abre os números por região.

Mudanças. Para partir para a briga, a primeira modificação da multinacional foi na estrutura de cargos da empresa, a começar pelo de Duda. A presidente comanda o que antes eram quatro unidades de negócios diferentes. "A lógica anterior era uma estratégia verticalizada para que tudo o que fosse feito na matriz chegasse mais rapidamente aos países", explica a executiva. A nova ordem é ganhar agilidade na operação local. "Com quatro chefes, o processo de decisão era bem mais complexo", diz. O time de "linha de frente" da companhia também mudou: os diretores de vendas, marketing e finanças foram substituídos e uma nova diretoria de planejamento foi criada.

Duda faz questão de afirmar que as mudanças não são fruto de uma crise, já que, segundo a executiva, há pelo menos três anos a empresa mantém um crescimento de dois dígitos no País.

Mas varejistas e concorrentes apontam que a multinacional perdeu participação em categorias importantes, como protetor solar (Sundown) e absorventes (Sempre Livre). Com Sundown, por exemplo, a Johnson continua na liderança, mas sua fatia recuou 3 pontos porcentuais entre 2010 e 2011.

Eduardo Aron, diretor de cuidados pessoais da rival Kimberly-Clark Brasil - que compete diretamente com a Johnson na linha infantil, em protetor solar infantil e em absorventes - concorda que a concorrência está mais dura. Mas garante que a empresa ganhou participação em todas as categorias em que disputa com a Johnson. No caso de xampu infantil, ele afirma que a marca Turma da Mônica, lançada em 2005, conquistou 18% do mercado roubando fatias de outros competidores, e não da líder. Mas, em absorventes, a história é outra. "Com o Intimus, considerando volume, ultrapassamos o Always, da P&G, em 2009, e, no ano seguinte, tiramos a liderança do Sempre Livre", diz.

Apostas. Para reagir às investidas da concorrência e buscar uma taxa de crescimento 50% maior no País, a Johnson decidiu fazer escolhas. "Antes o investimento era feito em milhões de pequenas coisas. Agora, temos apostas", explica Duda. Produtos com diferenciação tecnológica - como protetor solar e a linha de beleza - ou com grande potencial de crescimento, como antisséptico bucal, hoje presente apenas em 23% dos lares brasileiros, são agora prioridade. A linha bebê, um dos carros-chefes da multinacional, também está no topo da lista. Mercados consolidados, como os das marcas Band-Aid e Cotonete, ou "commoditizados", de margens baixas, como o de fraldas, ficarão em segundo plano.

Em linha com a estratégia de priorizar produtos de inovação tecnológica, o time brasileiro também passará a exportar conhecimento. O Brasil, que já conta com um dos cinco laboratórios da companhia no mundo, abrigará dois centros de pesquisas globais: o de proteção solar e o de absorventes.

A decisão representará um aumento de 15% no número de pesquisadores e investimentos adicionais em infraestrutura de pesquisa e de desenvolvimento. Já nas linhas de montagem, em São José dos Campos, a capacidade de produção da fábrica de "líquidos" (que faz de protetor solar a xampu) crescerá 50% até 2013.

A lógica de concentrar esforços em alguns produtos vale também para o marketing. Pela primeira vez, a empresa apostou em um grande projeto: a compra do pacote de mídia de futebol da TV Globo, o mais caro da América Latina. Ao lado de pesos pesados como Ambev, Itaú, Vivo e Volkswagen, a Johnson desembolsou R$ 174 milhões para aparecer nas transmissões em 2012. O pacote contempla a inserção das marcas em 105 jogos ao vivo, além de quase 2 mil inserções na programação diária da emissora.

Com isso, segundo Duda, embora a verba de marketing não deva aumentar de forma significativa este ano, a exposição avançará 240% na comparação com o ano passado. Uma das ações da empresa é ligar o nome Johnson&Johnson a marcas como Sundown, Listerine, Sempre Livre e Tylenol.

A Johnson global também decidiu pela primeira vez apostar no futebol. É patrocinadora da Copa 2014, no Brasil. "Isso só aconteceu porque o evento será aqui", garante Duda. "O foco da companhia está nos emergentes. Por isso, fomos patrocinadores da Olimpíada de Pequim, mas não da de Londres."

Desafios. Para um concorrente, não é fácil mudar uma cultura tão consolidada. "A Johnson no Brasil sempre foi muito departamental, o que tornou a empresa lenta para reagir num mercado tão acirrado", explica.

Fábio Borges, especialista em comportamento do consumidor, diz que a marca continua respeitada e reconhecida. Contudo, ficou mais distante do cliente. "Há uma lentidão em lidar com o varejo. A Johnson parece ter uma abordagem mais de indústria farmacêutica do que de uma empresa de consumo", diz. "Por isso, o tradicional começa a ficar com cara de antigo."

Segundo ele, o consumidor hoje têm uma variedade maior de opções de produtos. com marcas investindo em sofisticação, design, apelo natural ou em um número maior de novidades. A Hypermarcas, por exemplo, lançou 300 produtos em 2011, o dobro da média anual da Johnson.

Para alinhavar o rumo da marca no País, a presidente da Johnson tem ainda um verdadeiro baú de ideias à disposição. Das 700 cartas que recebeu, Duda só leu 250. E ler mais 450 é só uma pequena parte do trabalho que ela tem pela frente.


Na matriz, vendas estão em queda


Ao contrário do que ocorre no Brasil, a maior parte do faturamento da Johnson & Johnson nos Estados Unidos se dá na área médica e no setor farmacêutico. O segmento de produtos para consumo vem em terceiro lugar e inclui, além de cosméticos e produtos para uso pessoal, os remédios vendidos sem prescrição médica.

No ano passado, as receitas globais da empresa - considerando as três áreas - tiveram um avanço de 5,6%, para US$ 65 bilhões. Foram as vendas no exterior que puxaram o resultado, já que as receitas nos Estados Unidos tiveram queda de 1,8% em 2011.

O setor de produtos de consumo teve um desempenho pior do que a média no mercado americano: o recuo no faturamento foi de 6,7%. Além das dificuldades econômicas nos Estados Unidos, que reduzem a compra de itens que não são considerados essenciais, a área também vem sofrendo com problemas de imagem por causa de recalls de medicamentos vendidos sem receita, como o Tylenol infantil.

Em dois anos, a companhia fez 25 recalls, que custaram à empresa US$ 1 bilhão em 2010 e levaram à substituição do CEO William Weldon, que deixará o cargo em abril, após 10 anos no comando. Ele permanecerá como presidente do Conselho.



Veículo: O Estado de S.Paulo


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