Polo têxtil de Americana passa por 'drama' da desindustrialização; em Araraquara, empresa investe na produção
Apesar da exceção, retrato do setor é de demissões e ociosidade; indústria está em final de ciclo, diz economista
No galpão da Têxtil Jomara, à meia-luz, um funcionário opera uma das quatro máquinas em operação. No salão da tradicional tecelagem de Americana (SP), há outros 28 teares cobertos.
No auge das vendas, a empresa tinha 70 funcionários. Desde 2010, reduziu o quadro para 28. Por falta de demanda, cortou o turno da madrugada e reduziu o da tarde.
Entre os altos e baixos que marcam a história da indústria têxtil, José Maria de Araújo Júnior, 71, diz que essa é a pior crise enfrentada pela empresa que fundou há 43 anos.
"Se o quadro não mudar, em três ou quatro anos o setor têxtil vai desaparecer", diz Dilézio Ciamarro, diretor da Ciamarro Têxtil, do mesmo município, que trabalha com 40% da capacidade ociosa.
Esse é o retrato do polo têxtil de Americana, o maior da América Latina, com 1.600 empresas -a maioria pequenas e médias, familiares, que empregam 40 mil pessoas.
No ano passado, foram fechadas 2.100 vagas no polo. Em todo o país, 12 mil postos foram eliminados-o primeiro saldo negativo desde 2005.
As dispensas são reflexo da queda de 15% na produção do setor em 2011.
Empresários afirmam que a valorização cambial, a elevada carga tributária e a concorrência com os produtos asiáticos destruíram a competitividade do setor.
Desde 2008, o aumento das importações afetou, aos poucos, cada elo da cadeia. Primeiro a fiação e a tecelagem e, agora, a confecção, com as compras de vestuário chinês.
Com alta de 423% nas importações em sete anos, o deficit comercial do setor atingiu US$ 4,8 bilhões em 2011.
A preocupação é que a importação de roupas mine, além das confecções, os fornecedores que sobreviveram às crises anteriores.
Para o economista Robson Gonçalves, consultor e professor da FGV, a indústria têxtil brasileira está em "final de ciclo" e deve ser substituída por outras atividades.
"A desindustrialização faz parte do processo de desenvolvimento do país", afirma.
PARTICIPAÇÃO NO PIB
À medida que a renda cresce, o perfil de demanda muda, pois há maior procura por serviços como educação e entretenimento. É natural, portanto, que a participação da indústria no PIB caia, afirma.
"É preciso colocar esforços em outras áreas que demandam mão de obra especializada", diz o economista.
A cadeia têxtil é a segunda maior empregadora do país, com 1,7 milhão de vagas.
Para que a transição não seja traumática, Gonçalves diz que o país deve aproveitar a fase do pleno emprego.
Em Americana, apesar do recente e alto número de demissões, as empresas reclamam da falta de mão de obra.
"Tentamos formar cursos para habilitar jovens a trabalhar no setor, mas não há procura", diz Edson Rodrigues, gerente industrial da Polyenka, fabricante de fios de poliéster que opera com 50% de sua capacidade.
Para Gonçalves, da FGV, a falta de interesse é reflexo da mudança de perfil do país.
O setor contesta. "O que traz riqueza é a indústria. A China se enriquece por se transformar em potência industrial e não em prestadora de serviços", diz Fábio Beretta, presidente do Sinditec, do polo de Americana.
Para Alfredo Bonduki, vice-presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), a renda per capita ainda não é suficiente para o Brasil substituir a indústria por serviços.
Além disso, a desindustrialização pode ameaçar a balança comercial, em caso de queda das commodities, diz.
Indústria quer barrar roupas de asiáticos
Diante da dificuldade em concorrer com importados, o setor têxtil quer a imposição de barreiras aos produtos asiáticos.
Na semana passada, a Abit (associação da indústria têxtil) entregou ao governo estudos sobre supostos subsídios praticados por asiáticos e pediram salvaguardas para o segmento de vestuário.
Salvaguardas são ações emergenciais para restringir a importação de determinados produtos, como o aumento de imposto ou a imposição de cotas.
O Ministério do Desenvolvimento avaliará se deve abrir investigação para averiguar se há a necessidade de salvaguardas.
"Esperamos uma manifestação no próximo mês", diz Alfredo Bonduki, vice-presidente da Abit.
Por enquanto, a Fazenda oferece substituir a contribuição à Previdência, de 20% sobre a folha de pagamento, pela alíquota de 1% sobre o faturamento.
Empresários ouvidos pela Folha dizem que a medida não traz benefícios. O setor reivindica cobrança de 0,8%.
Veículo: Folha de S.Paulo