Tangerina 'bonitinha' muda mercado de frutas dos EUA

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Num outeiro no Vale San Joaquim, na Califórnia, Berne Evans III olha uma plantação de cítricos que vai até onde a vista alcança. "É a maior plantação de mandarinas do mundo", diz ele, sorrindo.

O pomar faz de Evans o rei das Cuties, uma marca de tangerinas doces, sem semente e fáceis de descascar que estão invadindo as alas de frutas dos supermercados nos Estados Unidos. A laranja, depois de décadas reinando suprema, tem um adversário.

A ascensão da Cuties marca a entrada do marketing endinheirado em mais um rincão da economia americana. Técnicas até então reservadas para a promoção de produtos industrializados agora chegaram à seção de hortifrútis. Assim como as pessoas hoje pedem um "Kleenex" em vez de um lenço de papel, elas estão começando a pedir "Cuties" quando querem dizer tangerinas. "Não consigo pensar em nenhum outro hortifrúti que tenha feito isso", diz John Ball, da firma de consultoria de marcas MiresBall.

A Cuties se encaixa na linha de ideias transformadoras de marketing que há muito definem o mercado de consumo. A máquina de lavar roupas mudou a rotina das donas de casa. O controle remoto revolucionou a publicidade na TV. O advento das minicenouras embaladas redefiniu o conceito de petiscos.

Ainda é cedo, claro, para pôr as tangerinas sem sementes nesse panteão. Mas a fruta pequena e de cor forte já é, hectare por hectare, o cítrico mais lucrativo dos Estados Unidos. Nas regiões produtoras da Califórnia, laranjeiras e limoeiros estão sendo arrancados para o plantio de tangerinas.

Evans, de 67 anos, ergueu seu império com Stewart e Lynda Resnick, um casal bilionário dono das marcas de água Fiji e de suco de romã Pom Wonderful. Oito anos atrás, eles lançaram a marca Cuties.

Evans e seu grupo gastaram um bom dinheiro para tentar capturar a atenção dos compradores. A estratégia está criando uma batalha de marketing, já que a concorrência vem alardeando suas próprias marcas de mexericas sem sementes e fáceis de descascar.

Agora, os sócios por trás da marca Cuties estão mostrando divergências. Para enfrentar a concorrência, o grupo está despejando dinheiro em marketing por ordem dos Resnicks. Na última temporada, ele gastou US$ 20 milhões numa campanha nacional para promover a Cuties.

A alta dos custos de marketing é um pomo de discórdia. "Estamos tendo uma discussão", diz Evans. "Será que a Cuties é conhecida só por causa da publicidade? Minha visão pessoal é que ela é uma fruta muito boa."

Por outro lado, Evans irritou os Resnicks ao vender uma versão menor da fruta que sua companhia registrou sob a marca "Baby Cuties". Os Resnicks acham que isso enfraquece a imagem de marca principal da Cuties, segundo Evans e outros produtores.

Logo depois disso, a Paramount Citrus, a empresa dos Resnicks e uma divisão de sua empresa de capital fechado Roll Global LLC, processou Evans pelo uso do nome Cuties numa nova linha de sucos. A questão está agora sob arbitragem privada.

Os Resnicks não quiseram dar entrevista. Um porta-voz da Roll Global disse que a companhia não falaria sobre o relacionamento empresarial e nem sobre questões sob "arbitragem em andamento".

A Cuties se originou numa geada em 1990 que estragou bastante a lavoura cítrica da Califórnia. Evans, um corretor de ações que virou agricultor e já lidava com tomates, laranjas e kiwi, ouviu dizer que tangerinas espanholas estavam vendendo bem do outro lado do país. "Redes de supermercados me disseram: 'se você conseguir produzir, elas vão vender'", lembra ele.

Ele contratou especialistas para confirmar que a fruta podia aguentar o clima rigoroso do Vale San Joaquin. Evans chegou a despachar seu filho mais velho para pesquisar pomares de tangerina no exterior. "Pode pôr minha herança em tangerinas", ele recorda que seu filho, Barney, lhe disse ao telefone.

Pronto para apostar alto, Evans assinou contrato com um viveiro em 1996 para multiplicar árvores de tangerina e as vender só para ele, garantindo uma largada à frente da concorrência. Ainda assim, Evans temia uns vizinhos - os Resnicks, que tinham uma das maiores operações de frutas e castanhas do país.

Os Resnicks fizeram fortuna vendendo moedas e outros itens de coleção antes de transformarem os pomares de romã da Califórnia na marca de suco Pom Wonderful.

Evans já tinha sido sócio dos Resnicks numa fábrica de caixas de papelão para frutas. Em 1997, ele sondou os Resnicks quanto a uma cooperação. A Paramount Citrus, dos Resnicks, e a Sun Pacific, de Evans, concordaram em produzir e comercializar quantidades iguais da fruta sob uma única marca. Uma produtora menor, a Fowler Packing Co., entrou depois.

O nome Cuties - plural de "cute", que quer dizer "bonitinho" - nasceu numa reunião no escritório dos Resnicks. No encontro, a senhora Resnick pegou uma clementina, estudou-a e classificou como "tão bonitinha", segundo duas pessoas que estavam presentes. O nome "Cuties" foi registrado em 2001.

A Paramount Citrus e a Sun Pacific são donas da marca registrada, num acordo que é "extremamente raro", segundo R. Polk Wagner, um professor de lei de marcas registradas da Universidade da Pensilvânia.

O contrato estipulou que os Resnicks iriam desenvolver publicidade e marketing. A equipe de Evans iria embalar, vender e distribuir para varejistas. Evans diz que gastou US$ 65 milhões para erguer instalações modernas para separar, limpar e embalar a maioria das frutas do grupo.

A clementina que Evans plantou primeiro amadurece no outono americano, entre o fim de setembro e o fim de dezembro, ou no começo do inverno. Buscando estender a temporada da safra, ele acabou se deparando com uma versão sem semente que poderia ser colhida entre o fim de janeiro e maio. Essa fruta, a W. Murcott Afourer, é originária de Marrocos. "Eu queria patentear", diz ele, franzindo as sobrancelhas com a lembrança. Mas ele descobriu que "esse tal de Mulholland já havia comercializado" a fruta.

Essa pessoa é Thomas Mulholland, um citricultor e dono de viveiros. Mulholland diz que começou a plantar a W. Murcott depois de percorrer o globo em busca de novas variedades de citros que dessem bem na Califórnia. Ele registrou a marca Delite.

Mas a W. Murcott não teve muito sucesso até que a Sun Pacific e a Paramount começaram a plantá-la e vendê-la como Cuties. A Sun Pacific e a Paramount "mudaram sozinhas a indústria", diz Mulholland, que está entre os maiores concorrentes das duas.

As laranjas mais comuns nos EUA, parecidas com a laranja-pera, mas de casca mais grossa, são produzidas na Califórnia há mais de cem anos e também não têm sementes. Elas ainda ocupam muito mais área plantada do que as Cuties, mas "já perdemos alguns negócios de laranja no mercado local", diz Mark Gillette, presidente do conselho da cooperativa de citricultura Sunkist.

A primeira grande lavoura de Cuties chegou ao mercado em 2004. Os Resnicks iniciaram os esforços de marketing com foco em TVs regionais e publicidade de ponto de venda. Logo o grupo Cuties estava produzindo mais de três quartos das mandarinas sem semente dos EUA.

A proliferação de pés de mandarina, porém, trouxe mais do que dinheiro. Ela trouxe abelhas. Não ter sementes é um ponto forte nas vendas de Cuties. Mas se pomares de Cuties são polinizados com pólen de cítricos com semente, elas começarão a ter sementes também.

Conforme os pomares de mandarinas se expandiam, mais abelhas passaram a carregar pólen para onde ele não era bem-vindo. Em abril de 2006, a Paramount ameaçou processar apicultores por deixarem suas abelhas "invadirem ilegalmente", segundo uma carta enviada pelos Resnicks e à qual o The Wall Street Journal teve acesso. A Paramount não quis comentar.

Os apicultores disseram que não podiam restringir o movimento de suas abelhas. Foi criado um grupo de trabalho para a "coexistência da mandarina sem semente e da abelha", mas ele não conseguiu chegar a um consenso entre citricultores e abelheiros.

Produtores começaram a cobrir seus pomares de tangerina com redes para protegê-los contra abelhas. Evans começou a enviar um helicóptero para sobrevoar seus pomares em busca de colmeias. Cientistas da Universidade da Califórnia ajudaram a criar uma árvore de W. Murcott que produzia frutas quase sem sementes, mesmo quando visitadas por abelhas.

Em 2006, viveiros da Califórnia começaram a propagar a variedade melhorada, que os cientistas chamaram de Tango. Citricultores grandes e pequenos encomendaram milhões de pés. A primeira safra significativa de Tango foi colhida no começo deste ano, no inverno nortista.

"O pessoal está arrancando outras culturas para plantar" as tangerinas, diz Joe Berberian, gerente de vendas da Bee Sweet, uma das maiores produtoras de cítricos da Califórnia e concorrente da Cuties.

Algumas tangerinas vendidas como Cuties são do tipo Tango. Outras são W. Murcott ou a clementina que deu início à marca.

Para ficar à frente dos novos rivais, o grupo Cuties ampliou a distribuição no ano passado, e pela primeira vez suas frutas apareceram em mercados de leste a oeste dos EUA. Para promover a expansão, a Paramount anunciou em dezembro uma campanha publicitária de US$ 20 milhões.

"Todos os sinais são de que a campanha deste ano e as atividades de marketing subsequentes deram certo", disse num email o diretor superintendente da Paramount, David Krause.

Mas Evans argumenta contra a estratégia de marketing dos Resniks. Ela aumentou de 8 centavos para 26 centavos por caixa de Cuties as despesas com publicidade na última temporada, diz ele.

Evans contratou em fevereiro uma grande consultoria para ajudar a avaliar os custos de publicidade do grupo. Os consultores concluíram que o grupo estava, na verdade, perdendo dinheiro com a campanha. Evans diz que uma queixa para a Paramount de que o orçamento publicitário era "excessivo" não deu em nada. A disputa está agora sob arbitragem privada. Evans não quis revelar quanto está pedindo de indenização. Um representante da Roll Global não quis comentar.

Numa tarde recente, numa cantina de beira de estrada perto de sua plantação, Evans discutiu a situação. "Nós estamos em desacordo quanto a algumas coisas", disse ele. "É só uma pedra no caminho."

Ele está de olho é na próxima nova fruta. Ao colher e comer uma cereja de uma árvore, Evans ponderou: "Se alguém pudesse produzir uma cereja sem caroço, ia ser interessante."



Veículo: Valor Econômico





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