Menos cigarros, mais lucro

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Como as fabricantes de cigarro conseguem ganhar dinheiro com as vendas em queda


Na década de 90, fumava-se no trabalho, em salas de espera, em escolas. As empresas de cigarro patrocinavam esportes, festivais de cinema e shows de rock. Não havia barreiras para a venda do produto. Em 1992, a Souza Cruz, então líder no mercado brasileiro, chegou a vender 106 bilhões de cigarros e lucrou o equivalente a R$ 726 milhões.

Quase duas décadas depois, a história é outra. Fumar em qualquer ambiente fechado é proibido em vários Estados do País. A propaganda de cigarro em veículos de comunicação de massa foi banida. As embalagens têm frases de advertência e fotos que remetem a doenças que o fumo pode causar. Mas os balanços das companhias de tabaco acompanharam essas mudanças de maneira peculiar.

Como se esperava, as vendas caíram. Em 2011, a ainda líder Souza Cruz vendeu 70 bilhões de unidades - 28% menos que há quase duas décadas. Os lucros, porém, continuam subindo surpreendentemente. No ano passado, a fabricante da marca Hollywood lucrou R$ 1,6 bilhão. O mesmo aconteceu globalmente com a Philip Morris, dona da Marlboro; com a americana R.J. Reynolds, que tem a marca Camel e com a britânica Imperial Tobacco, dona da Gauloises.

A pergunta que fica é: como elas conseguiram essa proeza? A resposta está no preço. "No mundo inteiro, as empresas se protegem aumentando preços e atraindo o consumidor para marcas mais caras", diz Nick Robinson, analista especializado no mercado de tabaco da Aberdeen do Brasil Gestão de Recursos.

No Brasil, o preço dos cigarros aumentou 100,34%, contra uma inflação de 31,80%, entre janeiro de 2007 e julho deste ano, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). É bem verdade que a carga tributária sobre o fumo também sobe historicamente. Aqui, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela corresponde a 60% do preço dos cigarros. "Mas a cada elevação na tributação, a indústria, além de repassar a nova carga para o preço final, também faz um aumento real", diz Robinson, analista da Aberdeen do Brasil. No mercado nacional - disputado pela Souza Cruz, com 61% das vendas, e pela Philip Morris, com 39% - um maço custa em média R$ 4,50. Isso faz do cigarro brasileiro um dos cinco mais caros do mundo, segundo José Antônio Schontag, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista nesse mercado. O levantamento considera a realidade de cada país, calculando-se o impacto do preço do produto na renda média dos moradores locais.

No Reino Unido, uma carteira de cigarros custa, em média, o equivalente a R$ 20. "À medida que o poder de compra da população cresce, o preço do cigarro sobe", explica Nick Robinson, da Aberdeen do Brasil. "Em alguns anos, o maço no Brasil custará o mesmo que na Inglaterra."

Dividendos. Segundo Robinson, ainda há espaço para novos aumentos, o que torna as fabricantes de cigarro altamente atrativas para investidores do mercado financeiro. Como não precisam aplicar esse dinheiro em novas fábricas, porque o consumo de cigarros não cresce, essas empresas conseguem fisgar os investidores pagando a eles dividendos bilionários. Em 2011, a Souza Cruz Brasil pagou R$ 1,5 bilhão em dividendos - quase o mesmo que a global PepsiCo. A Philip Morris International, que controla a Philip Morris Brasil, chegou a US$ 4,8 bilhões em dividendos no mesmo período.

Por isso, as ações de empresas de tabaco, no mundo todo, tornaram-se papéis muito cobiçados. "É praticamente certo que as companhias pagarão megadividendos", diz um analista. "Elas são uma segurança, principalmente em tempos de crise."

Isso explica por que, entre as quatro ações de indústria mais caras do mundo, três são de fabricantes de cigarros, segundo um levantamento feito pela Bloomberg. E uma delas é a Souza Cruz. De acordo com esse estudo, o preço médio dos papéis da empresa brasileira é inferior apenas ao da companhia indiana de tecnologia ITC. Atrás da Souza Cruz, em terceiro lugar, vem a British American Tobacco (controladora da Souza Cruz), e a fabricante de cigarros sueca Swedish Match.

Futuro. Embora estejam vendendo menos, as empresas de tabaco ainda devem levar um tempo para sentir no balanço a ofensiva que o governo e a própria sociedade vêm lançando contra elas. O crescimento da população mundial joga a favor desse grupo de empresas e retarda o impacto negativo da queda. No Brasil, por exemplo, o porcentual de fumantes caiu de 25% da população, no fim dos anos 90, para 16% atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"Mas como a população agora é maior, em números absolutos, os 16% representam mais fumantes que os 25% de 20 anos atrás", diz Schontag, da FGV. Hoje, a estimativa é de que existam 5 bilhões de fumantes no mundo e a projeção da OMS é que esse número seja de 7 bilhões em 2050.

Para aumentar as vendas, a indústria tem se esforçado ainda para garantir novos consumidores, apostando em formas diferentes de vender tabaco, como o mastigável. A Reynolds foi mais longe na diversificação. Em 2009, comprou uma empresa sueca que fabrica produtos repositores de nicotina, como sprays bucais e adesivos - justamente para quem quer parar de fumar.


Na contramão, consumo cresce no Nordeste e no Rio


Venda de cigarros cai 3% no interior de São Paulo e cresce 10% na região metropolitana do Rio de Janeiro


Para chegar aos fumantes das regiões mais pobres do País, as grandes multinacionais, como Souza Cruz e Philip Morris, tiveram de se render ao longo dos anos ao popular "cigarro picado", vendido avulso. Nesses lugares, os fumantes preferiam comprar apenas uma unidade a ter de pagar pelo maço inteiro, que sairia caro demais.

Mas isso agora é passado. "Muita gente agora pode comprar o maço todo em vez de só um cigarro ou dois", diz o professor do Programa de Administração de Varejo da FIA (Provar), João Carlos Lazzarini.

Distrito Federal, Nordeste e Grande Rio são as únicas regiões do País onde o consumo de cigarro cresce em número de unidades vendidas, segundo levantamento da Nielsen. Para se ter uma ideia, no interior de São Paulo e na região metropolitana da capital paulista, as vendas de janeiro a abril caíram 3,12% e 2,28%, respectivamente. Na região da Grande Rio elas deram um salto de 10,76%, na comparação com os mesmos meses do ano passado.

Os números da pesquisa Nielsen, porém, contam apenas os cigarros do mercado formal. Os ilegais, que costumam ter preço abaixo de R$ 4, já são 28% do total consumido no País, segundo dados da indústria. "Muita gente de baixa renda que fumava cigarro paraguaio agora está migrando para os cigarros formais", diz Renato Meirelles, presidente do instituto Data Popular. "No Nordeste, quem fumava cigarro de palha agora compra o industrializado", acrescenta Meirelles.

Esse fenômeno da sofisticação do consumo de cigarros não é exclusividade do Brasil. Acontece também na África. A British American Tobacco (BAT), por exemplo, teve queda na venda global de cigarros, de 708 bilhões para 705 bilhões no ano passado. Na África, porém, teve alta de 2,3% em volume. Em valor, a alta foi de 12%, o que demonstra que o africano está comprando marcas mais caras.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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