Foxconn volta à rotina após revolta dos operários

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Quando centenas de trabalhadores deixam o refeitório, após o almoço, os uniformes cor-de-rosa vivo das jovens funcionárias destacam-se contra o céu cinzento, os enormes edifícios cinzentos da fábrica e a espessa poeira de carvão cinza sob seus pés.

Elas retornaram ao trabalho na fábrica da Foxconn Technology, em Taiwan, e algumas delas ponderam sobre como nada mudou depois que a fábrica foi abalada por um dos piores incidentes de insatisfação trabalhista na China em anos.

A Polícia Armada do Povo (PAP) continuou, ontem, patrulhando a área da fábrica em grupos de 12 policiais. O estacionamento do mdo - um shopping de luxo em frente à fábrica - foi bloqueado e preenchido com mais de 30 caminhões, 15 vans e diversos ônibus que transportam membros da PAP, numa demonstração de força.

Quarenta pessoas foram hospitalizadas e várias foram presas, depois de um motim envolvendo mais de 2 mil funcionários na noite de domingo, de acordo com a Foxconn.

A empresa, também conhecida como Hon Hai Precision, sua controladora com ações negociadas em Taiwan, produz muitos dos aparelhos eletrônicos de consumo no mundo, inclusive a maioria dos iPhones e iPads da Apple, constituindo o que pode ser o maior império manufatureiro no mundo.

Uma série de suicídios de funcionários da Foxconn em 2009 e 2010 atraiu a atenção do público para a gigantesca operação industrial. Os fatos mostraram que mais de 1 milhão de funcionários - em sua maioria homens e mulheres muito jovens - passam seus dias e noites aprisionados entre o estresse das linhas de produção da Foxconn e o tédio e solidão dos dormitórios da empresa, em cidades-fabris que chegam a alojar até 400 mil pessoas.

Em reação, a empresa elevou drasticamente os salários, começou a oferecer serviços de aconselhamento e prometeu reduzir as horas extras.

Mas seus trabalhadores e analistas externos dizem que, embora as reformas tenham melhorado a situação, a escala das operações industriais da Foxconn e as condições gerais no setor significam que os velhos problemas tendem a voltar.

"A natureza das tarefas dos trabalhadores na Foxconn" - a pressão, a monotonia, o tédio - não mudou", disse Liu Linping, professor da escola de ciências sociais na Universidade Nanjing. "Por isso, é inevitável que incidentes como esse [possam] acontecer de tempos em tempos."

Isso não era considerado um problema, uma década ou duas atrás, quando os trabalhadores migrantes chineses estavam mais desesperados por empregos em fábricas e mais dispostos a sacrificar sua juventude para acumular algumas economias.

As mulheres e os homens adolescentes e na faixa de 20 anos que agora trabalham nas linhas de produção são menos tolerantes.

Os trabalhadores da fábrica de Taiwan dizem que, embora o motim no domingo tenha começado como uma briga entre alguns trabalhadores e guardas da fábrica, uma multidão de outros logo aderiu devido à raiva e frustração reprimidas.

"Meia hora depois, as pessoas estavam gritando, incitando para que fossem quebradas as janelas do supermercado e do comércio de aparelhos celulares na rua comercial que fica na área da fábrica", disse Liu Senqi, um funcionário do departamento de recursos humanos da fábrica que viu o tumulto da janela de seu dormitório.

Depois que irrompeu a violência, ficou claro que é difícil restabelecer o controle em uma fábrica muito grande, que emprega perto de 80 mil pessoas.

"Cada centímetro do chão estava coberto de gente, era uma massa negra de corpos abaixo de mim. Quando a polícia chegou, uma hora depois, só pôde ficar ali e assistir", disse Liu.

Uma importante fonte da ira foi o fato de a empresa ter "emprestado" grandes grupos de trabalhadores de suas fábricas em Shenzhen e Zhengzhou, porque está enfrentando uma constante falta de mão de obra na instalação de Taiwan.

Liu, que foi transferido de Shenzhen, no início de junho, disse que lhe foi dito, inicialmente, que trabalharia em Taiwan durante cerca de quatro meses, mas que a empresa não tem sido precisa sobre a data de seu retorno. Outro motivo de inquietação foi a não programação de horas extras durante o próximo feriado do Dia Nacional. Muitos trabalhadores disseram que esperavam trabalhar na próxima semana, pois horas extras durante feriados nacionais significam que o pagamento poderá até triplicar.

Apesar de a remuneração básica mensal da Foxconn, de 1,8 mil yuans (US$ 285 dólares), para os trabalhadores nas linhas de produção ser muito maior do que o salário mínimo em Taiwan, os funcionários dizem que as horas extras, que podem dobrar sua remuneração, é o que torna suportável a monotonia do trabalho.

"Estou me sentindo como se estivesse com um pouco de ressaca", disse Chang Guixiang, trabalhadora de 22 anos de idade. Ela mor em uma pequena cidade a algumas centenas de quilômetros da fábrica.

Como dezenas de outros que trabalham no turno da noite, ela não tem nada para fazer durante o dia. Encostados a uma parede oposta ao portão sul número 3 do enorme complexo da fábrica, eles observavam operários varrendo os vidros das janelas quebradas e estilhaços de para-brisas de ônibus destruídos. O pessoal da limpeza também levou embora um portão de aço que foi derrubado pela multidão e passou a limpar uma grande mancha na parede do posto policial.

Outro membro do pessoal da fábrica, que pediu para não ser identificado, disse que muitos se sentiram inspirados pelos protestos antijaponeses ocorridos em todo o país no início do mês.

"É tão raro poder demonstrar na China quando você está insatisfeito com alguma coisa. A sensação é de que aquele parecia ser o momento certo", disse o operário.


Veículo: Valor Econômico


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