Estiagem nos EUA impacta negócios no Brasil

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Departamento de Agricultura dos Estados Unidos prevê safra de soja recorde para o Brasil


O engenheiro agrônomo Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), viajou aos Estados Unidos para ver de perto o tamanho do estrago causado por aquela que é considerada a maior seca dos últimos 50 anos naquele país. As perdas na lavoura do grão foram em média de 20%. Produtores de Missouri, Illinois e Iowa registraram quebra maior.

— Poder conversar com os norte-americanos foi muito importante. Eles contam de fato com um sistema de proteção. Apesar da seca, não perderam renda. O seguro deles é bem diferente do operado no Brasil. É um grande desafio nosso mudar isso — diz Silveira.

O 5º Levantamento da Safra Mundial de Soja e Milho 2012/13, divulgado em meados de setembro pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), prevê uma redução de 11,5 milhões de toneladas na produção de soja do país, totalizando 71,7 milhões de toneladas em 2012/13, cerca de 13% inferior à safra 2011/12 (83,17 milhões de toneladas).

Conforme o USDA, os embarques norte-americanos devem encolher 5,8% na comparação com 2011/12, totalizando 28,7 milhões de toneladas. O relatório prevê, ainda, consumo recorde na China, que deve alcançar em 2012/13 um volume de 75 milhões de toneladas.

O fato de as lavouras estarem seguradas — em torno de 75% delas — e o bom saldo das safras passadas tranquilizam os produtores daquela ponta da América. Além disso, a quantidade colhida, embora menor do que a prevista, pôde se beneficiar do alto preço do grão no mercado internacional.

— Os produtores norte-americanos souberam aproveitar as últimas três safras para fazer provisões e isso faz toda a diferença agora — avalia Glauber Silveira, fazendo um alerta aos brasileiros que eventualmente embarcarem em euforia baseada em uma nova configuração de mercado.

Com a quebra da safra dos Estados Unidos, o Brasil tem a chance de assumir a liderança mundial como produtor e exportador de soja. Para o Brasil, o USDA prevê uma safra recorde de 81 milhões de toneladas, 21,8% superior à quantidade registrada em 2011/12. O país enviaria ao Exterior pouco mais de 39 milhões de toneladas, uma variação 9,2% superior aos embarques da safra passada.

Daniele Siqueira, analista de mercado da AgRural Commodities Agrícolas, lembra que o Brasil já foi o maior exportador mundial de soja na safra 2005/06, quando vendeu para o Exterior 25,9 milhões de toneladas, frente aos 25,6 milhões dos EUA. Daniele e outros analistas comentam no texto ao lado alguns aspectos desse cenário que põe o Brasil na liderança.

Logística, o maior gargalo

A safra de soja que já começa a ser plantada no país deve atrair boa parte da atenção mundial no mercado do agronegócio. Com a quebra da produção norte-americana 2012/13, devido à estiagem, o Brasil é candidato único ao primeiro lugar no ranking de produção e exportação. A liderança é circunstancial, afirmam analistas. Ou seja, motivada pelas condições adversas nos Estados Unidos e não por méritos verde-amarelos. Ao menos, por enquanto.

— Não fosse a quebra norte-americana, o Brasil continuaria a ocupar o posto de segundo maior produtor, mesmo com o aumento na área plantada previsto para 2012/13 — afirma Daniele Siqueira, analista de mercado da AgRural Commodities Agrícolas.

A AgRural projeta uma área de 27,9 milhões de hectares, ante 25 milhões em 2011/12. O clima é essencial para ratificar a expectativa de produção e de conquista real do primeiro lugar. O fenômeno El Nino tende a trazer normalidade, apontam as previsões meteorológicas.

— Na temporada 2011/2012, a área plantada no Brasil aumentou em relação à 2010/2011. Mas a produção recorde não ocorreu devido à falta de chuva. No sul do país, as perdas chegaram a mais de 50% — lembra Rafael Ribeiro, da Scot Consultoria.

À perspectiva de liderança no mercado produtor e exportador, soma-se uma euforia com os preços recordes atingidos na Bolsa de Chicago e mesmo no Brasil, motivados pela escassez do produto.

— A euforia também se aplica quando consideramos a rapidez da comercialização, com chance de rentabilidade recorde para o produtor, e o consequente aumento de área nesta safra — avalia Daniele.

Até o final de agosto, segundo levantamento da AgRural, 53% da nova safra brasileira já estava vendida, contra 26% no mesmo período de 2011. No caso do Rio Grande do Sul, a venda estava em 35% (ante 10% em 2011). O entusiasmo, no entanto, pode ser mau conselheiro, e os analistas e representantes do setor falam em cautela para evitar endividamentos em longo prazo. De qualquer forma, o mercado estará de olho no Brasil neste segundo semestre, podendo significar investimentos em médio e longo prazos, lembra Rafael Ribeiro, da Scot Consultoria:

— O aumento da produção pode significar armazéns lotados e problemas de transporte dos grãos. Infraestrutura e logística são os principais gargalos do setor.

A ocupação de uma região que compreende os Estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e oeste da Bahia deve impulsionar a produção, ressalta Mauro de Rezende Lopes, pesquisador no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

— Nossas pesquisas indicam que nesse complexo pode haver mais ou menos 20 milhões de hectares a serem ocupados — afirma.

Lopes acrescenta que, em Mato Grosso, há cerca de 10 milhões de hectares a serem plantados.

— O Brasil segue sua destinação histórica de ser um grande produtor de soja no mundo hoje e no futuro, desde que sejam superadas as barreiras à produção, principalmente de infraestrutura — conclui.


Três perspectivas da safra gaúcha

Os produtores André Gobbi, Mário Oberherr e Luiz Fernando Benincá são três exemplos distintos do impacto do recente movimento no mercado mundial de soja. Gobbi, 57 anos, decidiu ampliar a área plantada, motivado pelos bons preços. Em vez de 100 hectares para milho e 300 hectares para soja, a nova configuração nas propriedades em Santo Antônio do Planalto e em Coqueiros do Sul é a seguinte: 42 hectares para o milho e 360 hectares para a oleaginosa.

— É um momento muito bom. O preço em alta alavancou os investimentos na soja — diz Gobbi, referindo-se à região onde produz. – Por aqui, o pessoal reduziu o milho ou está apostando tudo na soja.

Em Cruz Alta, Oberherr, 49 anos, fez semelhante manobra há alguns meses, só que em relação ao milho. Depois de conversar com o cunhado, o irmão e o pai, que dividem com ele o negócio, ampliou de 140 hectares para 190 hectares. O motivo também foi o bom preço (a estiagem nos EUA afetou a produção do cereal). A área de soja deve ficar dentro do planejado, sem mudanças: 330 hectares. Mas Oberherr espera se beneficiar do atual momento do grão. Projeta uma lucratividade de 15% a 20% superior à da safra passada.

O menos otimista é Benincá, que planta entre 400 e 500 hectares na região de Passo Fundo. Ele lembra que muitos produtores estão descapitalizados, seja por um histórico de endividamento, seja pelos prejuízos causados pela seca na safra passada, ou por ambos os motivos. Benincá vê um descompasso no tratamento dispensado pelo governo a produtores e a grandes empresas.

— Há a perspectiva de bom preço, mas o produtor vai se beneficiar pouco, nada perto do que poderia, porque vai fazer um plantio medíocre, de baixa tecnologia — explica, referindo-se à necessidade de cumprir compromissos financeiros em detrimento de investimentos em insumos, cujos preços também subiram.

Daniele Siqueira, analista de mercado da AgRural Commodities Agrícolas, concorda que, com produtividades muito baixas devido à estiagem, os produtores gaúchos não conseguiram aproveitar a alta dos preços.

— Muitos não têm dinheiro para investir — afirma Néri Perin, assessor jurídico da Aprosoja/RS.

A tendência, no entanto, é de que haja crescimento na área de soja nesta safra. E o comportamento do clima tem peso importante, lembra o pesquisador do Ibre/FGV) Mauro de Rezende Lopes:

— O produtor deverá se posicionar com muita cautela em relação ao clima.


Veículo: Zero Hora - RS


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