Uma discussão iniciada por bancos e operadoras de cartão de crédito tem deixado os lojistas preocupados. Como contrapartida à solicitação do governo federal para que haja redução nas atuais taxas de rotativo (hoje com média de 323% ao ano no Brasil, segundo a Proteste), o Itaú Unibanco, controlador da Redecard, defende o fim da não incidência de juros nas compras efetuadas a prazo com o dinheiro de plástico. Com isso, a ideia é amortizar os prejuízos em caso da falta de pagamento. O tema recém começou a ser discutido, mas entidades ligadas aos comerciantes já se atentam para possíveis desdobramentos.
No Rio Grande do Sul, a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado (FCDL-RS) acredita que, caso seja implementada, a iniciativa seria um retrocesso, pois motivaria a volta maciça de meios como cheques e carnês. Em um primeiro momento, na visão do presidente da entidade, Vitor Koch, o juro embutido nas parcelas inibiria o consumidor a comprar. Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), existem 193,2 milhões de cartões circulando no País. Por outro lado, de acordo com o Banco Central, a inadimplência dos brasileiros que usam o dinheiro de plástico atingiu 28,05% em agosto.
O presidente da FCDL-RS lembra que a compra pelo cartão de crédito cresce exponencialmente e acredita que as operadoras já são bem remuneradas para dar conta do risco de calote. “A proposta em si é um disparate. Os comerciantes já pagam cerca de 5% do valor da venda aos cartões de crédito, o que é um percentual elevado. Nos Estados Unidos e na Europa as operadoras não cobram mais de 1,5%”, diz Koch. “Na prática, isso significaria repassar o custo aos preços e provocar aumento de inflação”, complementa ele, que defende a criação de uma agência reguladora dos players do setor.
Se depender da vontade do governo federal, o pagamento de compras parceladas no cartão continuará sem alterações. No final de setembro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que uma modificação agora pode frear o mercado consumidor, prejudicar o varejo e atrapalhar a recuperação da economia. Por isso, Mantega afirmou que o governo federal está acompanhando o debate de perto, podendo intervir no mercado caso seja necessário.
As próprias operadoras não têm um consenso sobre a questão. A Cielo, que possui entre seus acionistas Bradesco e Banco do Brasil, é uma das que são contrárias à incidência de juros nos negócios com prestações. Diante da divergência existente no segmento, a Abecs prefere não se manifestar. Segundo comunicado da assessoria de imprensa da associação, “os bancos emissores estão sensíveis às demandas da sociedade e trabalhando fortemente para oferecer condições cada vez mais competitivas em taxas, modalidades e produtos.” Conforme estatísticas do órgão, as transações com cartão de crédito representam 41% das transações do mercado de meios eletrônicos de pagamento. Desse total, 70% do volume financeiro são oriundos da negociação sem juros.
Diante deste cenário, o presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul), Ricardo Russowsky, vê um único aspecto positivo em uma possível extinção do parcelamento sem juros: o combate ao juro “invisível”. “De cara, a medida pode assuntar, mas pode ajudar a trazer maior transparência junto ao consumidor. Muitas vezes, o brasileiro paga o juro e nem se dá conta”, acredita.
A coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Marines Dolci, pensa na mesma linha. “Não vejo como o consumidor pagaria mais juros do que hoje. Mas, se a medida for tomada, ele vai procurar outras formas para pagar”, acredita. Marines acredita que o debate sobre o tema pode estimular o comprador a controlar com maior firmeza os gastos no cartão de crédito, tido hoje como o principal vilão da inadimplência nacional.
Veículo: Jornal do Comércio - RS