As receitas dos avós ainda dão lucro

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Empresas familiares cresceram e ampliaram linhas, mas com boa parte da receita e do valor de marca atrelados aos produtos originais


Mesmo com as geladeiras presentes em quase todos os lares brasileiros, a lata da manteiga Aviação ainda é um dos produtos mais vendidos do laticínio fundado em 1920. O atual diretor-presidente da empresa, Geraldo Alvarenga Resende Filho, membro da terceira geração da família fundadora, conta que a lata nasceu como opção para alongar a validade de um produto em uma época em que o eletrodoméstico era um luxo para boa parte dos clientes da empresa.

Se essa realidade já foi superada, por que a versão em lata ainda existe? Segundo Resende Filho, por um motivo simples: a manteiga é mais gostosa em temperatura ambiente. O produto, além de não ficar "petrificado" pela temperatura do refrigerador, tem suas propriedades conservadas na latinha. "Sente-se melhor o gosto do sal", explica.

A lata responde por 40% das vendas da manteiga Aviação - a liderança agora é das embalagens plásticas, mais baratas. No entanto, a velha latinha ainda determina toda a comunicação visual do laticínio da mineira São Sebastião do Paraíso, que já migrou para produtos como requeijão, doce de leite e queijos. "Mas a manteiga ainda é 70% do negócio", diz Resende Filho, sem revelar dados de faturamento.

Foi buscando a expansão sem trair a própria identidade que outra indústria alimentícia, a paulista Ceratti, conseguiu se firmar no mercado desde 1921, ano em que foi aberto o primeiro açougue da família. A empresa, que vai faturar mais de R$ 200 milhões em 2013, está presente no varejo das Regiões Sul e Sudeste e começa a chegar ao Norte e ao Centro-oeste como um produto de nicho, vendido em casas de queijos e vinhos.

Uma das regras de ouro da companhia, segundo o diretor Mário Ceratti Benedetti, é utilizar apenas carne na fabricação da mortadela. Os ingredientes comumente utilizados pela indústria alimentícia para a "liga" do produto - como lecitina de soja e fécula de mandioca - estão banidos na Ceratti, que transferiu sua unidade produtiva da Região Sul de São Paulo - mais especificamente onde fica a favela de Heliópolis - para Vinhedo, no interior paulista.

Benedetti, 58 anos, é membro da terceira geração da empresa e divide o comando com Bárbara Ceratti, 33 anos, prima de segundo grau e representante da quarta geração. Embora o portfólio da Ceratti tenha hoje 80 produtos, a receita original da mortadela nunca foi modificada. "Talvez pudéssemos ter vendido mais no início (seguindo o resto da indústria), mas não acho que nos traria até aqui", diz Benedetti.

Inovação. Respeitar a herança da marca e ao mesmo tempo transcendê-la é o que resolveu fazer há 18 anos o americano Christopher Freeman, ao comprar a então quase moribunda Granado. Associada somente ao polvilho antisséptico e ao sabonete de glicerina - produtos de baixo valor agregado -, o conceito da empresa fundada em 1870 foi estudado e modificado com a chegada de Sissi Freeman, filha do empresário, ao marketing do negócio. Hoje, a Granado fatura R$ 240 milhões por ano e seu portfólio inclui também a Phebo, adquirida em 2004.

Além de reorganizar as linhas de produtos, Sissi traçou objetivos para ampliação do portfólio: a Granado cresceria com base em tratamentos para pele, unhas e cabelo, enquanto a Phebo seria uma marca de perfumaria e beleza. Hoje, a Phebo já tem perfumes, vendidos a R$ 120, além de linhas ainda mais caras, assinadas por estilistas como Isabela Capeto. Uma coleção de maquiagem será lançada até o fim do ano, com cerca de 200 itens. A primeira loja totalmente dedicada à Phebo será aberta ainda em 2012, no Rio de Janeiro.

Já a Granado, que fechará o ano com 15 lojas, tem centenas de produtos diferentes e já conseguiu se livrar da dependência dos sabonetes de glicerina e do polvilho. "Os produtos para bebê se tornaram, pela primeira vez, líderes de faturamento", conta a diretora de marketing. Para o fim do ano, a aposta da Granado é uma linha de esmaltes com propriedades para o tratamento das unhas.

Como a Granado, a Nadir Figueiredo - que completa um século de fundação em 2012 - também está longe de ser empresa de um produto só. A companhia, que faturou R$ 450 milhões em 2011, adquiriu da francesa Saint Gobain toda a linha Marinex Santa Marina há pouco mais de um ano. Porém, após produzir mais de 6 bilhões de copos americanos desde sua fundação, a empresa ainda vê potencial de expansão de sua linha mais conhecida.

"Produzimos mais de 400 copos americanos por minuto", diz o diretor comercial Paulo Figueiredo de Paula e Silva. Segundo ele, o copinho de 200 ml já é fabricado em diversos formatos. E não serve apenas para café com leite e cerveja, mas também caipirinha e aperitivos (na versão mini). "Vendemos muito para o atacado, mas o copo americano também é cult; tem gente que prefere tomar Nespresso nele."

O desafio das empresas centenárias é saber até onde podem ousar, segundo o chefe do departamento de marketing da ESPM, Marcelo Pontes. É preciso tomar cuidado o tempo todo para não espantar o público cativo, que sempre garantiu a sobrevivência do negócio. "Ficar refém de um só produto é um risco. Mas a expansão não pode ser desordenada, precisa respeitar o DNA da marca", diz o professor. Errar a mão ao lançar novos produtos pode, segundo o especialista, pôr em risco um trabalho construído ao longo de décadas.


Grandes grupos de olho em marcas tradicionais


Grandes grupos estão sempre de olho em negócios envolvendo marcas tradicionais. Com 97 anos de história, a pomada Minancora, de Joinville (SC), é comercializada e distribuída pelo laboratório Sanofi desde o início de 2011. A família fundadora passou a responder somente pela área industrial da marca.

A empresa, ainda conhecida pela pomada de embalagem laranja vendida no varejo a cerca de R$ 5, ampliou o portfólio de produtos e agora fabrica também desodorantes, creme para bebê e para os pés - todos esses itens são vendidos por pelo menos o dobro do preço do carro-chefe da companhia.

Os objetivos de um investidor de bolsos fundos, no entanto, nem sempre "casam" com a lógica de uma empresa familiar. A marca Forno de Minas, de pão de queijo, foi adquirida em 1999 pela americana General Mills. Para economizar, o grupo modificou a fórmula do produto e acabou caindo em desgraça com o consumidor, que notou a diferença. Dez anos depois, a Forno de Minas voltou para as mãos dos donos originais, por uma fração do valor de venda. A primeira decisão foi retomar a mistura tradicional.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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