Com oferta e preços baixos, pesca entra em crise na Espanha

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A tarde é ensolarada, mas Alfonso Reyes tem o olhar sombrio ao se defrontar com barcos parados no porto de Cádiz, um dos maiores da Espanha. Um olhar que pode ser traduzido como pouca pesca e mais problemas para os pescadores.

"Enfrentamos aqui o dobro da crise do resto do país", diz Reyes, líder dos pescadores de Barbate, a 50 quilômetros de Cádiz. "Há pouco peixe para pescar, preços mais baixos, menos consumo e estamos há quatro meses sem receber os subsídios europeus".

Segundo ele, muitos pescadores não têm como pagar os barcos que compraram. "Alguns têm os bancos nas costas", afirma.

A Espanha é uma das principais nações pesqueiras do mundo, mas é fortemente dependente dos subsídios europeus e da pesca fora de suas águas territoriais.

É o país que mais recebe subsídios europeus para o segmento. Foram cerca de € 5 bilhões em subvenções desde 2000, conforme estudos de organizações não governamentais. Parte do dinheiro foi usado para os pescadores destruírem barcos velhos.

Um novo acordo europeu vai garantir mais € 6,5 bilhoes em subsídios para o segmento pesqueiro comunitário entre 2014 e 2020, prolongando as ajudas às frotas, incluindo combustível, o que agradou aos espanhóis.

De acordo com a organização internacional Oceana, que se dedica à proteção dos oceanos, 13 dos 27 países da União Europeia têm recebido mais subsídios do que o valor dos pescados que desembarcam em seus portos.

Para Alfonso Reyes, isso é natural. "Pesca é coisa que Deus dá. Só pescamos durante cerca de cinco meses no ano e não é rentável. Sem subsídios, estamos mortos".

Além disso, ele acusa o governo espanhol de segurar o pagamento dos recursos provenientes da UE. "Com isso, temos problemas para manter e pagar barcos".

Carlos Dominguez, secretário-geral de Pesca no Ministério da Agricultura da Espanha, confirma o atraso, mas insiste que ele acontece por uma razão meramente "contábil" e que a questão já está sendo resolvida. Dominguez também minimiza a tomada dos barcos por bancos credores. "Existem casos, mas nada excepcional", afirmou, por telefone.

Javier Garet, representante dos armadores, procura esclarecer, por sua vez, que a Espanha não está usando os subsídios europeus para ter mais barcos, e sim para desmontar muitos deles, no duro ajuste exigido por pressão de ambientalistas para o segmento.

A frota espanhola diminuiu quase pela metade desde 1986, de 21 mil barcos para 11,2 mil atualmente. Mas, no período de crédito fácil que criou a bolha imobiliária, muitos pescadores arriscaram abandonar barcos ainda úteis por modelos mais modernos e caros de manter.

Só que, como os limites para as atividades pesqueiras são supostamente bastante monitorados, os pescadores no Golfo de Cádiz capturam cada vez menos. Este ano, a Espanha teve que comprar de Portugal o direito de pescar um volume adicional de 500 toneladas de boquerón, um pescado azul de alto valor comercial.

Além disso, a Espanha só captura cerca de 40% do volume total de seu segmento pesqueiro em águas espanholas. Outros 60% proveem da atividade de seus barcos fora da jurisdição espanhola, sobretudo fora da Europa. E, para isso, são necessários acordos bilaterais cada vez mais complicados. Os custos operacionais também aumentam.

"Os pescadores do Marrocos aprenderam a pescar usando holofotes para atrair o pescado, e agora querem proibir que nós continuemos a utilizar esse procedimento por lá", diz Reyes.

Os espanhóis acabaram de obter um aumento de 100 toneladas em sua cota de atum vermelho em águas do oceano Atlântico oriental e do Mediterrâneo, e poderão capturar em 2013 um total de 13,5 mil toneladas.

Isso deve irritar grupos ambientalistas. A Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico tinha um plano de recuperação que reduziu a cota de captura de 32 mil toneladas, em 2007, para 12,9 mil em 2012, em reação a uma enorme demanda de sushi que levou a espécie a uma situação limite.

Somente o preço do atum vermelho manteve tendência alta de 2008 e 2011, com aumento de 23%. Com a crise economica, os pescadores passaram a embolsar cada vez menos por boa parte dos pescados vendidos. A merluza caiu de € 6,90 o quilo, em janeiro de 2009, para € 4,12 em janeiro deste ano.

"Não há pescado suficiente para ser capturado, e o que é capturado é vendido mais barato", admite o secretário-geral da Pesca Carlos Dominguez. Importações provenientes de Africa e Chile custam menos aos bolsos dos espanhóis.

A Espanha consome o dobro do pescado que o resto da Europa. Isso apesar de o consumo ter declinado de 1,58 milhão de toneladas, em 2009, para 1,23 milhão em 2011. A perda em valor foi de € 1 bilhão. O consumo per capita declinou de 27,6 quilos em 2009 para 26,8 quilos no ano passado.

Para Dominguez, o segmento pesqueiro é um dos poucos na Espanha com bom potencial de crescimento. Já Reyes sugere, em Barbate, que os pescadores abandonem a pesca e se dediquem ao turismo. E só aí ele se entusiasma. "Nossas praias são como as brasileiras, lindas demais. É o que pode nos salvar no futuro", disse.



Veículo: Valor Econômico


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