BRF, a companhia sem dono, começa nova fase

Leia em 7min 10s

Agora é oficial. No dia 9 de abril termina a era de Nildemar Secches à frente da BRF, a fabricante de alimentos das marcas Sadia e Perdigão. O executivo anunciou na sexta-feira, na primeira reunião do conselho de administração da empresa deste ano, que não pretende ser reconduzido ao cargo de presidente do colegiado na assembleia geral ordinária, marcada para essa data.

O executivo está à frente do conselho desde outubro de 2008, quando passou a presidência executiva a José Antonio do Prado Fay. Nildemar conduzia a então Perdigão desde 1994, quando os fundos de pensão, liderados por Previ e Petros (fundos do Banco do Brasil e da Petrobras, respectivamente) compraram o negócio quebrado da família Brandalise. Agora, terá mais tempo para se dedicar a novos conselhos, se quiser. Além da BRF, Nildemar participa dos conselhos de WEG, Iochpe-Maxion e Ultrapar.

Com o anúncio da saída de Nildemar, o mercado e até mesmo a administração da companhia acordarão para o fato de que a BRF é uma empresa sem dono, de capital pulverizado, quase uma companhia pura de mercado. Sua presença tornou-se uma referência e, para muitos, a "cara" do negócio.

A maior acionista da BRF é a Previ, que tem 12,3% das ações ordinárias. Em seguida, aparece a Petros, com 10,1%. O terceiro maior investidor é a gestora de recursos Tarpon, com 8%, e que concentra 40% de seus investimentos na empresa. Depois, aparece a gigante americana BlackRock, com pouco mais de 5%, seguida pelas fundações Valia e Sistel, com 1,3% e 1,4% (ver tabela acima).

Tudo o que se sabe sobre a sucessão de Nildemar até o momento é que o empresário Abilio Diniz, sócio-fundador, minoritário e presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar, tem interesse em assumir a posição de liderança no conselho. Entretanto, o cenário ainda é bastante nebuloso, dado que ninguém se posicionou oficialmente.

A iniciativa de Abilio é apoiada por um convite recebido da Tarpon, em meados do ano passado, e para o qual passou a olhar com maior interesse no quarto trimestre do ano passado. O empresário também deve receber o apoio da Previ. Porém, ainda não está costurada uma aliança completa. Daí o espaço para especulações de toda sorte, o que torna a rotina da administração executiva desconfortável neste momento.

Abilio deve tornar-se o quinto maior acionista da BRF, com algo entre 3,5% e 4% das ações, pois seu apetite era de aplicar até R$ 1,5 bilhão nas ações da empresa.

Já se pensou em várias maneiras de organizar o novo conselho de administração da BRF. Agora, segundo o Valor apurou, caminha-se na direção de um acordo de cavalheiros, sem nada no papel. Nesse conselho, uma aliança já está acertada, a que une Tarpon e Abilio. Na avaliação deste, que vive uma complicada convivência no Pão de Açúcar com o sócio Casino, é que quanto menos amarras na construção de um acordo, melhor.

A estrutura de capital pulverizado da BRF foi herdada da Perdigão. Nildemar levou a companhia ao Novo Mercado, ainda em 2006. Na época, os fundos de pensão se uniram num acordo de voto - que venceu em março de 2011 e não foi renovado. Entretanto, a dispersão do capital foi ampliada com operações de mercado. As mais significativas foram a captação para compra da Eleva, em 2008, e a incorporação da Sadia, em 2009, seguida de uma oferta pública de R$ 5,2 bilhões, para fazer frente às dívidas que vieram com a Sadia, por conta dos derivativos cambiais que a levaram à lona no auge da crise financeira internacional.

Desde a combinação, o valor de mercado da BRF dobrou. A companhia vale atualmente em bolsa R$ 37 bilhões. Entre o fim de 2012 e o começo deste ano, alcançou sucessivos recordes no mercado, beirando os R$ 40 bilhões. Mas há acionistas que calculam um potencial robusto de valorização, e que a ação, hoje em R$ 42,56, pode chegar próximo de R$ 60. Para esses investidores, a troca na gestão deve trazer um novo fôlego à empresa.

É o elevado preço da companhia em bolsa, combinado a um mecanismo em seu estatuto social, chamado pílula de veneno, que a protegem, hoje, de uma oferta por seu controle. Além dos R$ 40 bilhões de mercado, um interessado em ser sócio majoritário - ou ter mais de 20%, mais especificamente - teria que estar disposto a fazer uma oferta a todos os acionistas com um prêmio ainda de 35%. Nada impede, porém, que a nova gestão tente remover esse empecilho.


Caminho aberto para Abilio, mas há obstáculos


   
Embora o mercado dê como certo que o nome para a BRF é o de Abilio Diniz, o sucesso da empreitada na BRF ainda terá de enfrentar uma série de obstáculos. O maior deles é a discussão a respeito de conflito de interesses no fato de pretender acumular a presidência do conselho de administração da empresa de alimentos e do Grupo Pão de Açúcar (GPA). As companhias não são do mesmo setor, mas possuem uma forte relação comercial.

O GPA é o maior distribuidor dos produtos da empresa de alimentos no Brasil. Enquanto a BRF é a maior fornecedora em valores do GPA - ganha até da AmBev, com diferença de 30%.

Abilio tem demonstrado que, apesar do interesse na BRF, também tem planos de longo prazo para o GPA, a despeito da convivência difícil com o controlador, Casino. A respeito do conflito de interesses, Abilio tem dito que não acredita que existam problemas e que, nos casos em que surgissem conflitos, ele se absteria de votar.

Apesar dos constantes rumores de que poderia abrir mão da presidência do conselho, o empresário já comentou aos mais próximos que não sairá, sob qualquer hipótese. Nem aceita se licenciar. Em carta enviada ontem à noite à Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, Abilio comunicou os nomes de Cláudio Galeazzi e Luiz Fernando Figueiredo para sucederem o filho Pedro Paulo Diniz e a esposa, Geyze Diniz, nas vagas que possui no conselho da varejista. O Casino entende que são dois bons nomes, apurou o Valor.

Abilio não pretende também, se as condições não se modificarem, exercer o direito de saída que possui para as ações ordinárias que detém - e que pode ser exercido entre 2014 e 2022, mas hoje não é financeiramente vantajoso.

Ainda há uma outra questão na mesa, que pode envolver nomes ligados a Via Varejo, controlada pelo GPA. Executivos da companhia, que não assinaram o plano de retenção, podem sair e ocupar funções no comando da BRF. Um deles, apurou o Valor, é Ney Santos, diretor de tecnologia da informação da Via Varejo. Existem rumores de que Antonio Ramatis, presidente da Via Varejo, seria um nome interessante, na visão de Abilio, para ir para a BRF. Ramatis não assinou acordo de retenção.

Entre os desafios que Abilio terá de enfrentar está a pressão também do sócio Casino, com quem tem travado uma disputa novelesca há tempos. O grupo francês pode entrar no debate envolvendo Abilio e BRF. O Valor apurou que o Casino já consultou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por conta da verticalização e do poder de influência que Abilio terá em ambas as empresas. Partem do pressuposto que Abilio é um presidente de conselho com postura ativa no GPA, e a operação com a BRF é de tamanha relevância que, para o sócio, ela tem que passar pelo Cade, mesmo Abilio tendo menos de 5% das ações. Com participação inferior a 5%, Abilio evitaria uma discussão no Cade.

No terreno das hipóteses, o Cade poderia impedir a sobreposição dos conselhos ou, no limite, bloquear os poderes políticos no GPA - o que atenderia aos maiores desejos do Casino. Até agora não houve nenhum sinal público do governo ou do Cade de desaprovação aos movimentos de Abilio. A expectativa é que o anúncio de Nildemar Secches de deixar a presidência do conselho da BRF abra espaço para um posicionamento oficial dos interessados nas mudanças na empresa, dando início ao debate do conflito.

Na quarta-feira passada, Abilio teve um encontro com José Antonio do Prado Fay, presidente da BRF. O encontro foi considerado "social". O objetivo de Abilio era deixar claro que não pretende ser agressivo nem passar por cima de ninguém. Fay ouviu e fez poucas considerações.



Veículo: Valor Econômico


Veja também

Galeria em mercados dita tendência no varejo

    Veículo: Correio Popular - Campinas/SP...

Veja mais
O esforço da francesa L'Oréal para ganhar terreno no Brasil

Fabricante quer fazer do País um hub regional e conquistar 100 milhões de novos clientes nos próxim...

Veja mais
'Cesta' de Carnaval sobe mais que inflação

Já o IPC subiu 5,95%; fazer planejamento e compras antecipadas ajudam a economizar, afirmam especialistasO Carnav...

Veja mais
Múltis disputam mercado da industria de vidro

O mercado brasileiro da indústria de vidro está prestes a mudar o perfil. Até agora, o que era um e...

Veja mais
Nem mandioca escapa da seca no Nordeste

Funcionando desde 1979 no sítio histórico de Olinda, a "Macaxeira de Noca" é um dos atrativos gastr...

Veja mais
Acelerado por eventos, mercado publicitário projeta crescer mais

Empresas sediadas na Europa e nos Estados Unidos com operação no Brasil vão investir mais em public...

Veja mais
Produtores gaúchos de arroz mantém esperança de preço atrativo

Valorização da saca atinge 66% em duas safras, e projeções apontam que total colhido pode ch...

Veja mais
Barreira a importado afeta produção de tênis

Deficiência de oferta nacional de componentes mais tecnológicos é entrave para substituiç&ati...

Veja mais
Mercado de trigo segue travado no país

Tarifa Externa Comum de países externos ao Mercosul foi suspensa neste ano.Nesta semana, a fraca demanda ainda im...

Veja mais