Buffett e 3G compram a Heinz

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Começou com um cordial jantar num restaurante na Flórida, nos Estados Unidos, a costura do maior negócio já realizado na indústria mundial de alimentos. No encontro, uma proposta financeiramente sedutora foi apresentada ao presidente do conselho de administração e CEO da Heinz Company, William Johnson. A conversa durou poucas horas e só estavam presentes Jorge Paulo Lemann, Alex Behring, ambos da empresa de investimentos 3G Capital, e Johnson. Mas foi determinante.

Apenas oito semanas depois, a holding Berkshire Hathaway, do investidor americano Warren Buffett, e a 3G Capital anunciaram o acordo para a aquisição de 100% da Heinz. O anúncio foi feito na manhã de ontem.

Dessa forma, os brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira - o trio de sócios que criou a Anheuser-Busch InBev (AB Inbev) e é dono do Burger King - tornaram-se controladores da Heinz, uma das maiores empresas de alimentos dos Estados Unidos, com 144 anos e US$ 11,6 bilhões em vendas anuais.

Em dois meses, Buffett e Lemann organizaram uma operação que surgiu de maneira quase casual.

Buffett e Lemann encontraram-se em dezembro num voo e, entre uma conversa e outra, Lemann apresentou a ideia. Buffett, na mesma hora, mostrou-se favorável. Naquela conversa, concordaram que a 3G ficaria com a gestão do negócio, se a ideia progredisse. Buffett disse a Lemann que acompanhava a Heinz, dona do ketchup mais famoso do mundo, "muito de perto", desde os anos 80. Duas  semanas após o encontro dos dois empresários, o projeto começou a ser colocado em pé, o que levou mais seis semanas. Foi anunciado ontem. A 3G conduziu toda a negociação, apurou o Valor.

Sócios planejam fechar o capital da Heinz na bolsa de Nova York, seguindo estratégia aplicada no Burger King. Entre as medidas acertadas entre os sócios, está o plano de fechar o capital da empresa na bolsa de Nova York, segundo apurou o Valor com fonte próxima à operação. Isso foi feito com o Burger King, quando os brasileiros da 3G adquiriram o controle da rede em 2010.

"Esse é o meu tipo de negócio e o meu tipo de parceiro", resumiu ontem Buffett, à rede de TV CNBC. Por US$ 28 bilhões, Berkshire Hathaway e 3G Capital adquirem a companhia, com o pagamento de US$ 72,50 por ação da Heinz, o que equivale a pouco mais de US$ 23 bilhões em dinheiro. O restante, US$ 5 bilhões, equivale a dívidas da empresa assumidas pelos investidores. A Berkshire investirá de US$  12 bilhões a US$ 13 bilhões na aquisição. A operação está sujeita à aprovação dos acionistas da Heinz e autoridades regulatórias dos Estados Unidos, mas deve ser aprovada, dizem analistas.

A transação será realizada por meio de uma combinação de caixa gerado pela Berkshire Hathaway e afiliadas da 3G Capital. As firmas de investimento terão, cada uma, US$ 4,5 bilhões de participação

no capital social da companhia. A holding de Buffett terá uma fatia adicional de US$ 8 bilhões em papéis preferenciais. A transação deve ser concluída até o terceiro trimestre deste ano.

Foi uma operação celebrada por analistas. Em relatórios ao mercado, consideraram a aquisição "um negócio fabuloso" para os acionistas da Heinz (o prêmio é de 20% sobre o valor do fechamento do papel no pregão de quarta-feira). Ontem, os papéis da Heinz abriram em alta e fecharam o dia também em alta de 19,87%, para US$ 72,50, o valor ofertado pelos sócios.


Para a Heinz, o negócio pode ser o atalho para um crescimento mais rápido. E para a 3G, é um negócio que tem a cara dos sócios brasileiros. É que a Heinz pode ser muito melhor do que é - exatamente o que interessa a Lemann, Telles e Sicupira. Não que a empresa seja um problema, mas ela cresce devagar. E o que precisa ser feito pode trazer ganhos rápidos. "A Heinz é muito bem gerida.

Mas eles não estão há muito tempo na América Latina, e podem precisar de ajuda em desenvolver esses mercados agora" disse ao Valor a analista Beth Ann Loewy, da corretora Sturdivant & Co.

Segundo relatórios de resultados, a companhia tem crescido, nos últimos três anos, um dígito em média (em 2012, a alta foi de 8,8% na receita).

O lucro operacional subiu 5,7% em 2011 e 11,9% em 2012. Um dos pontos dos analistas é que as despesas crescem na mesma velocidade - os gastos têm ficado, nos últimos três anos, em torno de 21% da receita, em média. Analistas ressaltam ainda que a pressão da concorrência afeta a Heinz. Erin Lash, da consultoria Morning Star, diz que a marca  Ore-Ida, de produtos como batata frita, tem enfrentado problemas, decorrentes da rivalidade agressiva e da "falta de interesse" dos consumidores nos produtos.

Em linhas gerais, dizem analistas, a Heinz poderia ser mais eficiente. Há melhorias possíveis na distribuição ao varejo e no trabalho a ser feito com as marcas do grupo e, especialmente, numa exploração mais consistente de mercados emergentes.

A expectativa é que a 3G implante seu modelo de gestão, já conhecido em companhias como AB Inbev e Burger King. O comando capitaneado pelos brasileiros deve partir para uma racionalização dos custos, com revisão de gastos internos, implantação de orçamentos base zero e definição de políticas de meritocracia. Nos negócios em que já entrou, a 3G revisou inclusive o impacto de programas sociais. É possível que isso seja revisto na Heinz. Sobre o assunto, a empresa fala pouco, agora.

Behring, cofundador da 3G, disse ontem que era cedo demais para falar em corte de custos. Os novos donos da Heinz não descartam a ideia de utilizar a Heinz como braço de investimento para comprar outras empresas no futuro.

Hoje, a companhia não admite que haverá mudanças na gestão da Heinz, mas para fontes próximas aos sócios, é só uma questão de tempo. Há algumas possibilidades na mesa, dizem essas fontes. O principal cotado para uma função de comando é Behring, que acompanhou todo o processo de negociação. Outro nome comentado ontem no mercado para comandar a Heinz é o de Paulo Basilio, ex-diretor-presidente da holding ALL, da 3G. Fonte próxima à companhia diz que a empresa é "bem tocada", e como a aquisição foi fechada muito rapidamente, ainda não foi possível fazer uma análise detalhada do comando atual.

Publicamente, Johnson, CEO da Heinz, desconversa. "Sou jovem demais para me aposentar", disse ontem, e depois emendou: "Eu espero continuar fazendo alguma coisa". Ele tem 64 anos.

Buffett e 3G têm histórico de investir no setor de consumo. A Berkshire, por exemplo, detém uma fatia de quase 9% na The Coca-Cola Company, além de uma participação de mais de 2% na Procter & Gamble e de 1,4% no Walmart.



No Brasil, produção de ketchup é próximo passo

  
A sede da Heinz vai continuar em Pittsburgh, na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Mas boa parte dos planos agressivos da gigante do ketchup se voltará para a cidade de Nerópolis, no Estado de Goiás, que tem população de cerca de 22 mil habitantes e onde está instalada a única fábrica da Heinz no país. O Brasil está entre as prioridades da H.J. Heinz Company, mais conhecida como Heinz, que a partir de março inicia a produção de ketchup, seu carro-chefe, no Brasil.

A marca americana chegou ao país em março de 2011 ao pagar cerca de R$ 1,2 bilhão pela compra da Quero Alimentos. A indústria que tem 2 mil funcionários produz mais de 100 itens com a marca Quero entre conservas de vegetais, frutas e molhos. Até então, os produtos Heinz eram importados.

Outras gigantes também fizeram compras em 2011 para disputar um mercado que fatura R$ 2,6 bilhões anuais e cresce de 15% a 17% nos últimos três anos. A Bunge, que já tinha a marca Primor, comprou

Salsaretti e Etti, da Hypermarcas. E a Cargill, assumiu o negócio da Unilever, com as marcas Pomarola, Tarantella, Elefante e Pomodoro, sendo esta a única operação de atomatados da multinacional no mundo.

Ontem, em conferência com analistas, William Johnson, CEO e presidente do conselho da Heinz, disse que a companhia está operando no limite da capacidade nos países emergentes e que é importante

aumentar a produção nesses mercados, que apresentam as maiores taxas de crescimento nas vendas. "Devido ao nosso desempenho em Brasil, Rússia e China, particularmente, estamos examinando

iniciativas orgânicas e não orgânicas para esses mercados", disse Johnson.

As margens do mercado brasileiro são, segundo Johnson, "significativas" e estão crescendo, apesar de fatores relacionados a custos e inflação: "O negócio brasileiro tem sido uma surpresa".

No seu segundo trimestre fiscal, encerrado em 28 de outubro, as vendas da Heinz no Brasil avançaram 33% - percentual mais alto entre os países em que a multinacional atua. A companhia conseguiu

aumentar os preços no país em 13,3% no período, quando a inflação dos alimentos medida pelo IPCA/IBGE, foi de 3,83%.

Mais de 40 empresas entre multinacionais e locais disputam o mercado de atomatados no Brasil. Mas 80% estão nas mãos de cinco delas: Cargill, Heinz (Quero), Bunge, Predilecta e Fugini. O modelo das empresas gigantes, no entanto, não é único.

"A área de alimentos é promissora por dois motivos: a população aumenta e a renda dos emergentes cresce", diz o professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, Alcides Leite. No segmento há

espaço, segundo Leite, para empresas de diversos portes. Pequenas devem se dedicar aos mercados de nicho, oferecendo produtos exclusivos, enquanto as gigantes, como é o caso da Heinz, têm muito a ganhar com a economia de escala e ancoragem do negócio em suas marcas globais.

A entrada da 3G Capital, dos mesmos sócios da Ambev, na Heinz não surpreende o consultor de bebidas e alimentos da Concept, Adalberto Viviane. "A trajetória da Ambev se destaca pela forte capacidade de distribuição e investimentos em marketing, características essenciais também a operação da Heinz". Para Viviane, esta será a primeira de muitas aquisições na área de alimentos por parte dos brasileiros que comandam a 3G Capital.



Veículo: Valor Econômico


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