O carioca por trás da bilionária aquisição da Heinz

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Era março de 2004 e o carioca Alexandre Behring Costa, então com 37 anos e os cabelos ainda loiros, ocupava a principal mesa em um salão com oito executivos na sede da empresa de logística América Latina Logística, em Curitiba, no Paraná. Sentado tranquilamente, com uma porção de gráficos de desempenho e metas a cumprir fixados na parede às suas costas, ele sinalizava de forma sutil o que estava por vir. Dizia considerar que a empresa que presidia desde 1998 em nome da GP Investimentos, depois de arrematá-la pessoalmente no leilão de privatização em 1996, havia cumprido um ciclo e estava pronta para andar sozinha, com time e cultura fortes. Sob seu comando, a antiga Malha Ferroviária Sul havia passado de estatal sucateada a uma companhia eficiente, prestes a abrir o capital na bolsa.

Ao fim daquele mesmo ano, Behring se desligaria da presidência da ALL e se mudaria de Curitiba, com a mulher Daniela e a filha de um ano, para viver em Nova York.

Começava a se desenhar ali a gestora de recursos 3G Capital, hoje dona da segunda maior rede de fast food americana, o Burger King, e que na quinta-feira anunciou a compra da fabricante do mais famoso ketchup do mundo, a Heinz, em sociedade com nada menos que o lendário investidor americano Warren Buffet.

Alexandre Behring, ou Alex, como passou a ser chamado no mercado americano, esteve no olho do furacão da transação de US$ 28 bilhões, a maior no setor de alimentos no mundo até hoje. Ele e sua equipe mapearam a oportunidade de aquisição da Heinz e Behring liderou as negociações - numa repetição do enredo da compra do Burger King. Agora, ele é cotado para assumir a presidência executiva da Heinz, o que não tem admitido. Mas sua presença ao menos no conselho de administração é dada como certa.

Em 2005, a 3G já existia para fazer a gestão dos investimentos com liquidez no exterior dos bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Na prática, funcionava como um fundo de fundos, que terceirizava a gestão do dinheiro para outras firmas.

Depois de sete anos como ferroviário, Alexandre Behring sentia-se pronto para voltar ao mundo dos investimentos. Sócio da GP desde 1996, ele se voluntariou para deixar o país e tocar a 3G pessoalmente e trazer para dentro de casa toda a gestão feita por terceiros.

Hoje, são US$ 10 bilhões, maior parte comprometida com Burger King e Heinz - a gestora aportará pouco mais de US$ 4 bilhões quando o negócio for concluído. Além disso, a 3G tem fundos líquidos, mas em volume bem inferior. O investimento de Lemann, Sicupira e Telles na AB Inbev, maior cervejaria do mundo, não foi feito via 3G.

A gestora foi constituída à imagem e semelhança da GP Investimentos, fundada pelo trio. Voltada para a compra de empresas, a 3G é uma sociedade, em que os principais executivos tornam-se sócios e a meritocracia impera. Atualmente tem nove sócios, incluindo os três investidores principais e Behring. Outro sócio relevante é Bernardo Hees, presidente do Burger King e parceiro de longa data de Behring no mundo corporativo. Ele contratou Hees em 1998 como analista de logística na ALL e, ao deixar a presidência, indicou-o como seu sucessor.

É do alto do 37º andar de um edifício na 3º Avenida com a rua 40, em Manhattan conhecida como Middtown, que o investidor, hoje com cabelos grisalhos, toca as operações da gestora. Para matar a saudade do Rio de Janeiro, o carioca de Copacabana e flamenguista abriu há alguns anos uma pequena filial no Rio de Janeiro. Diferentemente do que se poderia esperar, o bairro escolhido não foi o Leblon, casa de dezenas de gestoras no Rio. O escritório fica no Humaitá, próximo à Lagoa Rodrigo de Freitas, onde o aluguel é menos ofensivo.

Do time de 30 pessoas da 3G, cerca de dez ficam no Rio. No escritório novaiorquino, quase metade é de americanos. Se em 2005 Alex precisava dar muitas explicações sobre o que era a gestora aos jovens que pretendia recrutar, hoje as apresentações são dispensáveis diante da notoriedade conquistada pela firma.

Integram seus quadros profissionais saídos das melhores universidades americanas, assim como ele, que concluiu MBA na escola de negócios de Harvard. Quando criança, diante da usual pergunta "o que você quer ser quando crescer?", costumava responder bombeiro ou engenheiro. De fato, formou-se em engenharia eletrônica pela PUC do Rio. Mas não durou muito na área. Sempre pensou com cabeça de dono e em 1988 co-fundou a Modus OSI Technologies, que projetava e implantava redes de computadores. Vendeu sua parte em 1993 quando foi para Boston para o MBA e, na volta, ingressou na GP como analista de investimentos.

Nesses oito anos de 3G, Behring teve de conhecer as pessoas do mercado americano e se familiarizar com os meandros do mundo corporativo dos Estados Unidos. Do Brasil, foram importadas técnicas de gestão aplicadas nas empresas compradas. O primeiro grande negócio à frente da 3G foi num ramo em que se sentia à vontade. Em sociedade com o fundo Children's Investment, de perfil ativista, comprou um pedaço da ferrovia americana CSX. Hoje ela já não faz parte de seu portfólio.

O episódio mais desafiador até agora havia sido a compra do Burger King, uma empresa endividada, que vivia em litígio com os franqueados nos EUA e não crescia no mercado americano. Pouco mais de dois anos depois, a rede de fast food vale quase seis vezes o que valia em 2010.

A notícia da compra da Heinz foi recebida com orgulho na ALL. Os ex-colegas não lhe poupam adjetivos, como carismático, empreendedor, visionário. "Ele gosta de gente, desde o operador ao que está na gerência", diz Pedro Roberto Almeida, 57 anos, diretor de relações corporativas da ALL. Seu nome até hoje é citado em treinamentos da ALL e seu estilo virou referência para jovens que começam a carreira na companhia.

Com a compra da Heinz, o tempo para praticar caça submarina tende a se tornar escasso. O mesmo deve acontecer com as viagens ao Rio de Janeiro, que gosta de fazer um mês sim, outro não. Mas a tecnologia o mantém minimamente próximo do Brasil. Pela internet, consegue acompanhar os principais jornais brasileiros e, pela TV Globo Internacional, costuma assistir aos jogos do Flamengo. Algo que no último ano não foi motivo de grandes alegrias.



Veículo: Valor Econômico


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