Safra ruim na Argentina faz com que moinhos importem cereal americano e repassem custos ao varejo
A industria brasileira processadora de trigo vive um período delicado. A safra reduzida do cereal na Argentina — principal exportador do produto para o Brasil — nem de longe atendeu à demanda dos moinhos. A solução foi colocar um plano B em ação e importar o produto dos Estados Unidos, o que pode custar cerca de US$ 100 milhões a mais, uma vez que o preço da tonelada do trigo americano para as empresas pode ser entre US$ 10 e US$ 30 mais caro em comparação ao Argentino, segundo Marcos Pereira, gerente nacional de vendas da Nita. “Noventa por cento dos moinhos terão que comprar trigo dos americanos neste ano”, diz.
O executivo não revela se a companhia Nita já fez ou vai fazer importações do trigo norte-americano, por questões estratégicas, mas explica que a seca que assolou as lavouras norte-americanas em 2012 também ajudou a ampliar os preços.
O estrago poderia ser maior caso o real estivesse valorizado e o governo federal não tivesse derrubado a Tarifa Externa Comum (TEC) por quatro meses. Sem ela, os empresários brasileiros podem importar o cereal em países de fora do Mercosul, sem ter que arcar com o imposto.
Tradicionalmente, a indústria brasileira importa trigo dos países do Mercosul, mas a safra argentina menor, somada às questões políticas daquele país vem dificultando a relação comercial. Além disso, a produção de Paraguai e Uruguai é insuficiente para atender à demanda. “Algumas empresas possuem estoques mais longos e devem esperar um pouco para fazer as compras externas”, diz Pereira.
O Brasil é um dos maiores importadores mundiais do cereal, já que produz apenas 50% do que demanda. Em 2012, o Brasil produziu 5,7 milhões de toneladas e importou 6,5 milhões de toneladas de trigo, sendo 5 milhões da Argentina.
A Moinho Globo afirmou em nota que com estoques bem abastecidos, não pretende recorrer ao mercado norte-americano ou canadense. “Contamos com estoque e o restante da demanda será suprida com importação de países do Mercosul, especialmente Uruguai e Paraguai”, afirmou Rui Marcos de Souza, gerente de suprimentos da empresa.
A reportagem de Brasil Econômico procurou algumas empresas do setor, mas até o fechamento da edição não conseguiu retorno. A Bunge, que mantém nove moinhos no Brasil, e no ano passado anunciou investimentos de US$ 350 milhões em três novos moinhos para aumentar a participação dos derivados de trigo no total de negócios do grupo no Brasil, preferiu não se manifestar sobre o assunto. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), Sérgio Amaral, não pode conceder entrevista.
Segundo Pereira, ao menos até setembro, o preço da commodity deverá permanecer em alta. “Só depois disso, com a prévia da safra argentina e os resultados das safras do hemisfério norte é que teremos alguma perspectiva se os preços irão recuar.” Até lá, com o repasse dos altos custos de produção ao varejo, o consumidor já paga mais caro não só pela farinha de trigo, mas também por todos os seus derivados, como bolos, biscoitos e até o pão francês.
Cereal em alta reduziu consumo em 2008
A alta dos preços do trigo, causadas pela queda na produção argentina e aumento da demanda surtiu efeito nos preços do varejo e no consumo de massas e cereais. A notícia parece repetida, mas não é.
Em 2008, não só no Brasil mas em outros países, o reajuste dos preços causou retração no consumo. Na Itália, as vendas de macarrão e pão caíram naquela época, por causa dos altos preços repassados ao consumidor.
Para Marcos Pereira, gerente nacional de vendas da Nita, o cenário para este ano no Brasil só não será pior que o verificado há cinco anos, porque desta vez, o câmbio está desvalorizado. “De lá pra cá, houve retração de mais ou menos 25% no valor do real”, diz.
Naquele período, as recorrentes quedas na cotação da moeda norte-americana davam ainda mais força para que as commodities se valorizassem no mercado nacional e internacional. No primeiro bimestre de 2008, a indústria brasileira pagou aproximadamente 53% a mais na tonelada do trigo em comparação com o mesmo período de 2007. Já o pão francês teve aumento de 20% no preço em um ano. Os reajustes foram tão significativos que chegaram a ter efeito sobre a inflação brasileira.
Veículo: Brasil Econômico