Só a tecnologia salva a farinha paraense

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Técnicos da Emater dizem que método antigo já está ultrapassado

O pequeno produtor rural de mandioca e farinha é uma figura que aos poucos está desaparecendo, pela substituição do roçado rústico, no sistema de brocar, derrubar e queimar a terra, pela monocultura da palma de dendê, ou pelo empregado fixo, com pagamento garantido todo final do mês, ou até mesmo pela garantia do pagamento do Bolsa Família. Com isso, o antigo agricultor familiar se livra das oscilações do mercado e dos atravessadores e das dificuldades de acesso a crédito, mesmo que hoje a demanda continue a ser grande e a oferta pequena, o que poderia servir de incentivo ao produtor de farinha.

Entre os fatores que vêm interferindo para que hoje o preço da farinha tenha alcançado o patamar atual, que pressiona o poder aquisitivo das famílias paraenses e que já reduz o consumo, está o crescimento, no nordeste paraense, das oportunidades de trabalho em empresas de cultivo da palmade dendê. Em alguns casos, produtores estão deixando de plantar mandioca para plantar a palma, em um exemplo de substituição da agricultura familiar tradicional do Pará pela monocultura.

Por conta disso, técnicos agrícolas, produtores e pessoas que trabalham na produção e na comercialização da farinha de mandioca são unânimes em afirmar que em menos de um ano, o preço do produto ao consumidor não irá baixar. E que quando isso acontecer, a queda do valor atual da saca de 60 quilos, hoje a R$ 300,00, nunca mais irá chegar ao patamar de R$ 60,00 a R$ 90,00, preço de dois anos atrás. No mínimo, ela pode até chegar a R$ 150 ou R$ 200, dependendo da sua qualidade.

Por causa disso, hoje, quem antes comprava cinco litros da farinha, leva para casa no máximo três. Além disso, há alguns anos, o excesso de chuva também prejudicou a produção, tirando muita gente da roça rumo à cidade. A pressão ambiental exercida pelos órgãos governamentais como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Meio Ambiente (Sema), impedindo a abertura de novas frentes de cultivo da raiz, assim como a falta de políticas públicas direcionadas à cadeia produtiva da mandioca, são outros fatores que têm contribuído de forma decisiva para que a farinha esteja tão cara quanto o quilo de feijão.

"O futuro, o caminho para reverter essa situação é cada vez mais profissionalizar a produção de mandioca, investir em tecnologia para ganhar mais em produtividade. E se organizarorganizar nessa produção através de associações e cooperativas, para poder enfrentar o atravessador em condições de igualdade”, afirma o técnico Enéas Fontes, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), órgão mais próximo à agricultura familiar. Ele disse que também teria que haver crédito rural mais acessível ao produtor.

Com a autoridade de quem trabalha há mais de 35 anos como extensionista rural e produtor de mandioca, Enéas Fontes explica que a alta do preço da farinha na vida econômica brasileira criou um problema mais grave do que se pensa, "porque além da farinha, tucupi, goma, maniçoba, farinha de tapioca e diversos produtos utilizados na culinária e na alimentação de aproximadamente um bilhão de pessoas em todo o planeta, assim como mais de mil produtos industrializados e derivados que se utilizam a fécula da mandioca como componentes no processamento, do pão, pão de queijo, embutidos e defumados, papéis, produtos de higiene e limpezas, sabonetes, cremes, tecidos e muitos outros, a falta deste importante produto aumenta o consumo de energéticos como arroz, milho, trigo, que diretamente sofrem aumento de preço e afetam indiretamente a produção de aves, suínos e bovinos que dependem destes produtos que são utilizados como ração”.

Outra falha do Poder Público é não incrementar a mecanização de forma efetiva e mais adequada, para que o produtor possa produzir com mais qualidade e produtividade. Patrulhas mecanizadas hoje servem mais como moeda de troca política do que para o incremento da produção da agricultura familiar. Hoje, pouquíssimos produtores têm acesso a esse maquinário. A inadimplência existe, mas sem dúvida que o maior problema mesmo é enfrentar o acesso ao crédito rural.

Falta investir em todo o setor da cadeia produtiva. Um exemplo está na comercialização da farinha e seus derivados, onde ainda impera a figura do atravessador. Hoje, o produtor de mandioca ficando com apenas 40 a 50% do produto final, enquanto o restante vai parar nas mãos do atravessador. A solução seria diminuir a estrutura de comercialização, quebrando o monopólio de quem não trabalha, mas vive às custas do suor do produtor rural.

De certa forma, a produção de dendê está complicando a produção de farnha, porque está tirando dessa produção quem produz mandioca, que decidiu ou plantar a palma ou ir trabalhar nas empresas que comandam essa produção. Paira no ar uma imensa dúvida sobre até que ponto é benéfico, para a agricultura familiar, plantar dendê e atender à demanda das grandes empresas. Só o tempo poderá dizer o resultado dessa investida no campo para a produção de óleo de palma.

FEIRA
Quem chegar à feira da Ceasa de Castanhal e perguntar por Manoel Monteiro da Cruz não vai conseguir encontrá-lo pelo nome. Com 49 anos de idade, 28 deles dedicado à venda de farinha, membro de uma numerosa família de agricultores, Manoel só é conhecido por Nel, um caboclo de fala mansa, humilde e compassada que tem como característica dizer sempre o que pensa. "A gente não pode ver só o nosso lado, tem que pensar no pobre, no assalariado. Porque dá pena ver uma pessoa chegar aqui e pedir só meio litro de farinha, e a gente sabendo que antes ela levava muito mais pra dar pra sua família comer”, afirma Nel, contrariando a tese de que, na ponta da comercialização da nossa farinha, onde se está ganhando mais, há quem de compadeça com o drama de quem não consegue mais por à farta a farinha nossa de cada dia.

Hoje, na principal feira de Castanhal, dizem os vendedores de farinha, a venda do produto caiu drasticamente, ao ponto de se chegar a vender até meio litro. Comprado por pessoas que ficam envergonhadas, falam baixo ao pedir a quantidade de um produto fundamental na dieta alimentar dos paraenses.

"Tem que baixar o preço da farinha”, insiste um Nel que gosta de negociar, vive provando farinha de tudo que é jeito e, sempre com a mansidão que lhe é peculiar, comprando sacas e sacas do produto dos produtores que invadem todos os dias a feira da Ceasa de Castanhal. "Cinco contos o litro tá caro. O certo hoje é que a saca custasse entre R$180 e R$ 200,00. O certo mesmo é que pro pequeno agricultor nunca tá bom, mas pro consumidor, os mais humildes, está pior ainda”, sentencia Nel.

Hoje a saca de farinha com 60 quilos está custando, em Castanhal, entre R$ 300,00 e R$ 350,00. “O que é barato vende muito, por isso que o preço da farinha tem que cair, e atender as necessidades dos pobres”.



Veículo: O Liberal - PA


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