Queijo do Marajó sai da clandestinidade

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Protocolo e lei para os produtos artesanais dá alento a produtores de uma iguaria secular

O novo Protocolo de Produção e Lista de Verificação que regulamenta a fabricação do queijo do Marajó é uma esperança, para produtores e consumidores, de que o secular produto saia da clandestinidade. As normas editadas pela Secretaria de Estado de Agricultura (Sagri), no início deste ano, em conjunto com a Lei Estadual de Produtos Artesanais (Lei 7.565/2011), exigem o controle da qualidade da água, processo de ordenha de animais, condições de higiene dos locais de produção, transporte, armazenamento e emissão de carteiras de saúde aos trabalhadores.

O primeiro a conquistar o selo de origem, a Certificação de Identidade Geográfica do Queijo Marajoara, liberando a venda no Estado, foi fazendeiro Carlos Augusto Gouveia, o Tonga, de Soure. A receita dele está na família há quatro gerações, aproximadamente 85 anos de histórias sobre a origem do derivado do leite da búfala. “Acredita- se que o queijo tenha mais de 200 anos. Começou com o queijo bovino, com leites misturados e depois os produtores viram que o leite da búfala rendia mais”, explica. Muitos aspectos influenciam o queijo, como a escolha do pasto, o manejo, as chuvas e até humor do queijeiro. “Se a pessoa vier trabalhar de mau humor não sai um queijo bom”, adverte.

Ele lembra que há apenas 10 anos havia vendas em todos os lugares de Belém. Com a criação da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), a segurança alimentar colocou o produto na marginalidade. “Os queijos de fora entraram nos grandes supermercados”. Tonga diz que cerca de 700 famílias estão envolvidas diretamente na cadeia produtiva e a produção é uma oportunidade de desenvolvimento. “Só o leite de búfala pode tirar o povo dessa situação”, acredita ele, que reclama das exigências para regularização. “Eu tenho medo que isso possa ser um programa de exclusão social, mas é preciso se adequar”.

A filha de Tonga, Gabriela Gouveia, diz que há muitos cuidados para evitar a contaminação. “A gente tem que estar distante dos currais, o vento não pode estar contra a queijaria, para não trazer impurezas, é preciso ter botas e avental”, enumera. A produção dura dois dias, desde a recepção do leite, desnatação, fermentação, retirada da massa, prensagem, moagem e fritura há mais de 100Cº. Por mês são mais de mil quilos, por ano até 15 mil quilos. A filha de Gabriela, Bianca Gouveia, é a quinta geração da família na venda do queijo. “Eu sustentei meus filhos na universidade graças ao dinheiro do queijo”, diz Tonga.

Chef de cozinha renomado em Belém, Felipe Gemaque elogia as qualidades do queijo do Marajó. “Ele tem uma textura e leveza que agradam o paladar. Fica bom tanto em pratos salgados, quanto doces”, diz, ao lembrar sua intimidade com o produto. “Minha avó tinha uma fazenda no Marajó. Eu bebia leite, comia queijo e coalhada de búfalo”, lembra ele, ao citar a inspiração na criação de alguns pratos, quando entrou na faculdade de gastronomia. “Eu levei um pouco do queijo do Marajó para trabalhar com outros estudantes. O queijo fez parte do meu trabalho de conclusão de curso”, relata.

Segundo Felipe, um dos aspectos indispensáveis é o frescor dos queijos artesanais do Marajó, que têm um preço para além do monetário. “Como ele ainda não é comercializado, a gente compra, digamos assim, na surdina. Parece que estamos fazendo contrabando”, observa, ao frisar que a regulamentação ajudará muito. “É bom que isso aconteça com outros produtos nossos, como o tucupi e a massa de caranguejo”, torce.

Preocupado com a qualidade dos derivados, os chefs fazem questão de conhecer os produtores e a fabricação. Felipe Castanho aponta a dificuldade de distribuição. “Quando compramos o queijo, a gente estoca. Mas, quando acaba, não tem como reverter”, salienta. “Não conseguimos encontrar um fornecedor, o nosso restaurante depende do queijo para completar os pratos”. No restaurante de Castanho é feito o Filé Marajoara, gratinado com queijo.

ECONOMIA
Como a cadeia produtiva do queijo do Marajó ficou durante muitos anos na ilegalidade, não há estimativa dos órgãos do governo de quanto pode ser a movimentação comercial do produto ou a quantidade de empregos gerados. Segundo dados da Adepará, que levam em consideração o número de produtores, em torno de 50 queijeiros, e mais a fabricação máxima de 250 quilos por ano, se todos se legalizarem o Estado poderá chegar a uma produção de 12,5 toneladas/ano.

A Adepará será a responsável por registrar e fiscalizar os produtores. Uma das primeiras ações é a capacitação dos produtores nas Boas Práticas de Fabricação (BPF). Os interessados em ter a certificação devem dar entrada com um pedido formal junto à agência. “Assim que o produtor vier se cadastrar, ele terá 30 dias para se adequar às normas até a nossa primeira visita. Mas faremos uma visita antecipada para dizer o que precisa ser feito”, diz o diretor operacional da Adepará, Sálvio Freire.

Está sendo avaliado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Brasília, o pedido de certificação para exportação a outros Estados e para o exterior. O diretor técnico do Mapa no Pará, Milton Cunha, afirma que não há prazo para a decisão. “Há produtos tradicionais associados à cultura local, e que são consumidos, mas não existe nenhum selo para garantir a qualidade deles e permitir a sua produção a nível nacional. O SIF (Serviço de Inspeção Federal) é utilizado para a indústria, com um empresário que possui uma capacidade de operar que normalmente um produtor pequeno não tem”, avalia.

Segundo a gerente da área de produção animal da Secretaria de Estado de Agricultura (Sagri), Edith Melo, a secretaria fará a estruturação da cadeia produtiva. “Antigamente, era feita de qualquer forma a fabricação”, disse. De acordo com ela, as queijarias estão com uma estruturação bem avançada e só precisam de “pequenos ajustes”. A regulamentação do queijo foi uma determinação do Governo do Estado. O produto artesanal ainda tem uma tributação diferenciada.

O Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae-PA), que colaborou na elaboração do protocolo, fará cursos com os fazendeiros. “Para os produtores estão previstos cursos de capacitação em gestão de pequenas propriedades rurais, com consultorias nas áreas de gestão, organização social, liderança e empreendedorismo”, informa o diretor superintendente do Sebrae/Pará, Vilson Schubert.

Há linhas de créditos específicas à produção, garante a gerente de Micro-Finanças e Agricultura do Banco da Amazônia (Basa), Cristina Lopes. Os investimentos podem ser por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ou pelo FNO - Amazônia Sustentável. Os recursos no Pronaf são destinados a agricultores familiares e podem chegar até R$130 mil para a compra de equipamentos e insumos, além de R$ 50 mil para outros setores. Já no FNO, o produtor pode conseguir até R$ 130 mil, que variam de acordo com a sua capacidade de pagamento. Mais informações podem ser obtidas nas agências do Basa ou pelo telefone 0800- 727-7228.



Veículo: O Liberal - PA


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