Alimentos de cunho religioso ganham espaço

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Comidas e bebidas produzidas sob as normas de judeus e muçulmanos inspiram negócios milionários no País

Fernando Soares

Os costumes alimentares de determinadas religiões se tornaram uma valiosa oportunidade de negócios para empresários do ramo de alimentação e bebidas. No Brasil, cresce significativamente a quantidade de itens fabricados conforme as diretrizes de algumas doutrinas. Os segmentos halal e kosher são os expoentes máximos desse cenário. De olho nas comunidades de judeus e muçulmanos existentes no País e no mercado externo, indústrias e frigoríficos adequam seus modos de produção para fabricar itens voltados a esses nichos.

Neste ano, o mercado de produtos destinados aos adeptos do Islã deve gerar US$ 100 milhões no País, conforme estimativa da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras). A quantia, pequena no momento, deve manter um ritmo acelerado de expansão. “O mercado halal no Brasil vem crescendo em torno de 13% ao ano, mas ainda há muito que se desenvolver. Temos mais de 200 frigoríficos e 50 indústrias habilitadas para esse tipo de produto”, explica Mohamed Zoghbi, presidente da Fambras e da Cibal Halal, braço da entidade que faz a certificação dos alimentos.

Para receber o selo, a empresa deve seguir determinadas regras durante a fabricação dos artigos. O cumprimento das normas é garantido através de supervisões feitas por lideranças ligadas ao islã. A principal preocupação é verificar se não há a inclusão de algum insumo não permitido, como corantes e gordura animal proveniente de espécies não abatidas sob as leis da religião. Além disso, o islamismo veta a ingestão de carne suína e bebidas alcoólicas.

Na alimentação kosher, são proibidos os suínos e os animais marítimos sem barbatana e escamas. Outra restrição é a mistura de carne e leite e seus derivados na mesma refeição. Um dos maiores cuidados, porém, está nos equipamentos utilizados na fabricação dos produtos, principalmente os industrializados. Não pode haver restos de outros tipos de itens durante o procedimento de cunho religioso.

No Brasil, a paulista BDK é a maior fiscalizadora do segmento. “Visitamos, pelo menos, 30 fábricas por mês em todo o País para fazer um raio-X do modo de produção”, indica o rabino Ezra Dayan, diretor da certificadora. Ao final desse trabalho, os itens que se encaixam nos padrões kosher têm a aprovação chancelada. Uma lista no site da empresa judia mostra todos os lotes autorizados para consumo.

Em nove anos de atuação, a BDK já deu o aval para mais de 3 mil produtos. As inspeções podem ser contratadas pelos fabricantes ou então partir de iniciativa da comunidade judaica, caso haja interesse em algum artigo específico. Apesar de não haver uma estatística sobre o quanto esse ramo fatura no País, Dayan constata que as quantias comercializadas são crescentes.

Os mercados são aquecidos inclusive por quem não segue as doutrinas. “Temos clientes de outras religiões que optam por comidas mais saudáveis. Até muçulmanos vêm aqui por saber como é produzido o alimento kosher”, diz o judeu Henrique Feter, proprietário da delicatessen Lechaim. Com 15 anos, a loja no bairro Bom Fim é uma das raras, em Porto Alegre, com foco exclusivo nos alimentos kosher. Ao todo, são oferecidos mais de 70 itens, do pão ázimo ao vinho. A maioria (70%) é importada de Israel ou Estados Unidos.

Nem todo judeu ou mulçumano segue à risca a dieta recomendada por seus livros sagrados, até porque o acesso a esses artigos no Brasil ainda é difícil. Apenas São Paulo tem uma vasta oferta de estabelecimentos kosher e alguns pontos halal. Para reverter a situação, os seguidores de Alá procuram parcerias com redes supermercadistas. “A produção halal no Brasil é hoje mais voltada para a exportação. Mas estamos mantendo contatos para que os produtos sejam encontrados em qualquer mercado no País a partir do segundo semestre”, relata Zoghbi.

Abates evidenciam as diferenças de produção

As diferenças nos modos de fabricação halal e kosher em relação aos métodos tradicionais da indústria ficam mais evidentes nos abates. Os muçulmanos exigem que o animal seja sacrificado voltado para a Meca, em um ambiente próprio para o ritual, e seja conduzido, preferencialmente, por alguém que siga a religião. Antes do ato, é preciso invocar a frase “em nome de Alá, o mais bondoso, o mais misericordioso.” Feito com uma faca específica para a situação, o corte precisa atingir a traqueia, o esôfago, as artérias e a veia jugular, fazendo com que todo o sangue do animal abatido seja escoado.

Os judeus realizam o abate de forma semelhante, também através da degola, com corte nos mesmos lugares e em um ambiente separado dos outros animais. O ritual, chamado de schechitá, é precedido de uma oração. Após a morte da espécie, a carne é repousada na água e salgada, com a finalidade de absorver todo o líquido, conservá-la e protegê-la de micróbios. Só depois disso estará apta para consumo. Todas as etapas são acompanhadas por um rabino.

Empresas gaúchas apostam em nichos para alavancar as vendas
A exploração dos nichos halal e kosher tem rendido bons resultados a uma série de empresas instaladas no Rio Grande do Sul. Ainda que os dois segmentos religiosos estejam longe de ser as principais fontes de receitas das companhias, eles apresentam aumento de demanda nos últimos anos. E a expectativa é de que os pedidos continuem crescendo em forte ritmo. O Estado tem nos variados tipos de carnes e nas bebidas derivadas da uva alguns dos seus principais cartões de visitas.

Consumidora contumaz de vinhos e espumantes, a comunidade judaica brasileira procurava uma vinícola que fabricasse as bebidas sob seus moldes. Por outro lado, a Casa Valduga, de Bento Gonçalves, queria vender para esse público. Nasceu daí uma parceria que já dura quatro anos. Desde 2009, a empresa produz rótulos seguindo os parâmetros kosher. “São produtos de alto valor agregado. Nesse período, aumentamos o volume fabricado em 22%”, comemora João Valduga, um dos proprietários do empreendimento.

A bebida kosher se diferencia das outras por ser pasteurizada, não ter adição de açúcar e nem levedura. O líquido é fabricado uma vez ao ano, assim que as uvas da safra começam a ser colhidas. Durante 10 dias, a Casa Valduga é fechada especificamente para a fabricação judaica. Rabinos especializados no assunto vêm ao Estado apenas para acompanhar as etapas produtivas. Em 2013, foram desenvolvidas 30 mil garrafas de vinho tinto e 30 mil de espumante. Grande parte é encaminhada para São Paulo, onde está a maioria dos judeus no Brasil.

A Casa Valduga, através da delicatessen Casa Madeira, também fabrica suco de uva para esse público. Nesta safra, 100 mil garrafas saíram da Serra Gaúcha. Como os produtos têm sido cada vez mais solicitados, a intenção do grupo é começar a exportar para Estados Unidos e Israel. Com isso, a representatividade do nicho no faturamento do grupo deve ser ampliada. “Esse é um negócio muito novo para o grupo, que hoje movimenta cerca de R$ 2 milhões ao ano”, menciona Juciane Casagrande, diretora-comercial do grupo.

Já o Frigorífico Silva, de Santa Maria, utiliza a carne bovina produzida sob o ritual halal para abrir mercados na África e na Ásia. Em 2012, a companhia exportou 800 toneladas para países como Arábia Saudita e Egito. “O mercado halal representa 10% das nossas exportações mensais (em torno de R$ 800 mil)”, diz o diretor de desenvolvimento Matheus Silva. No Rio Grande do Sul, os muçulmanos costumam comprar cortes dianteiros, como paleta e pescoço, em função do preço mais acessível. As variedades mais nobres eles buscam em frigoríficos de outros estados.

Os conceitos
• Halal
Em árabe, a palavra significa permitido ou autorizado. Alimentos halal são aqueles baseados nas leis islâmicas. Segundo o Alcorão (livro sagrado dos muçulmanos), Alá (Deus) recomenda que a humanidade ingira apenas os alimentos permitidos por Ele.
• Kosher
Em hebraico, a palavra significa próprio ou correto. Alimentos kosher (ou kasher) são aqueles baseados nas leis de Kashrut, que têm origem na Torá (bíblia judaica) e no Talmude (coleção de livros que dá origem ao código de leis judaicas).



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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