Surpresa com acordo entre cotonicultores

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Por Assis Moreira | De Genebra

O governo brasileiro foi pego de surpresa, e setores em Brasília não veem qualquer garantia de que o acordo firmado entre associações de produtores de algodão do Brasil e dos Estados Unidos poderá de fato levar ao encerramento do contencioso em torno do produto envolvendo os dois países na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Pelo entendimento das associações, os produtores brasileiros aceitam um certo nível de subsídios domésticos para os produtores americanos na "Farm Bill" - a lei agrícola americana - que está em discussão no Congresso daquele país. Em troca, recebem uma compensação financeira de US$ 225 milhões a ser paga em 18 parcelas após a aprovação da "Farm Bill".

Ocorre que a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) e o Conselho Nacional de Algodão americano (NCC, na sigla em inglês) fizeram um acordo para os governos se encarregarem de cumprir. Só que fontes no governo brasileiro observam que o entendimento só aborda o subsídio doméstico ao algodão e ignora os subsídios no crédito e nas garantias à exportação - que, na verdade, afetam as commodities agrícolas em geral.

Além disso, a NCC não pode oferecer garantias de que Washington continuará pagando as indenização às quais foi condenada na OMC aos produtores brasileiros. "Isso é o Brasil paz e amor", ironizou Pedro de Camargo Neto, especialista em comércio agrícola que, quando foi secretário de Produção do Ministério da Agricultura, deflagrou o contencioso do algodão contra os EUA.

Ou seja, o governo brasileiro corre risco de abandonar sua possibilidade de retaliar produtos americanos por causa da manutenção de subsídios aos produtores de algodão. E a posição do país também ficaria fragilizada nas discussões na OMC para que os EUA aceitem reduzir os subsídios concedidos nos créditos e garantias à exportação de produtos agrícolas

O presidente da Abrapa, Gilson Pinesso, admitiu não ter garantia de seu parceiro americano que o governo dos EUA cumprirá o entendimento - por exemplo, o pagamento da indenização por 18 meses depois da aprovação da nova lei agrícola. Ele reconhece que boa parte dos subsídios americanos condenados na OMC está coberta pelo GSM-102, envolvendo créditos à exportação. Mas diz que esse programa não entrou no acordo entre Abrapa e NCC. "Só falamos pelos cotonicultores. Como isso envolve outras commodities, o governo é que tem de agir".

A única garantia que a Abrapa diz ter recebido da NCC é de que as entidades continuarão cooperando. O entendimento já inclui, por exemplo, cooperação no mercado internacional pela propagação do algodão como fibra natural, em uma tentativa de frear o uso crescente de fibras sintéticas. É algo que ocorre sempre que o preço do algodão aumenta.

"Se os governos não cumprirem nossas recomendações, não terá acordo", afirmou Pinesso. "A compensação de US$ 12,5 milhões por mês é ponto essencial para anunciarmos na OMC o fim do contencioso". Algumas "recomendações" são consideradas positivas e eram o que a diplomacia brasileira vinha buscando. É o caso da exclusão do "preço de referência" para cotonicultores americanos se beneficiarem de um programa de seguro conhecido como STAX. Sem esse preço de referência, os agricultores ficam mais vulneráveis a perdas de renda no caso de queda de preços.

Outra concessão feita pela NCC no acordo com a Abrapa, e que espera que os congressistas americanos aprovem, é uma mudança no "Marketing Loan Program", que inclui mais subsídios para toda a colheita. Mas as indicações são de que dificilmente o governo brasileiro aceitará só isso, sem mudanças nos subsídios ao crédito e garantia à exportação, para encerrar o contencioso com os Estados Unidos e abrir mão do direito de retaliar os americanos em mais de US$ 800 milhões por ano.



Veículo: Valor Econômico


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