Por Amie Tsang e Louise Lucas | Financial Times
Racionamento na Europa. Investigações sobre tráfico na Holanda e Nova Zelândia. Sentenças de prisão de dois anos para contrabandistas em Hong Kong. Pedidos de ajuda internacional.
A demanda voraz da China por leite para bebês produzido fora do país vem afetando a oferta (e criando oportunidades de negócios) em todo o mundo, chegando ao ponto de inspirar o artista dissidente Ai Wei Wei a produzir obras a partir de latas de leite em pó.
A demanda chinesa disparou como resultado do escândalo do leite contaminado com melamina em 2008, que matou seis bebês e deixou centenas de milhares doentes. Desde então, vários escândalos envolvendo a segurança dos alimentos abalaram a confiança dos chineses na produção doméstica, sobretudo em relação ao leite em pó com que eles alimentam seus filhos, um mercado de US$ 12,5 bilhões por ano.
Num país com 82 milhões de crianças com menos de cinco anos, e onde apenas 28% das crianças com menos de seis meses são amamentadas no peito, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), qualquer problema na cadeia de fornecimento sempre tem efeitos profundos.
A consultoria Euromonitor calcula que a demanda chinesa por leite em pó vai dobrar nos próximos quatro anos para US$ 25 bilhões, como resultado da queda da amamentação e do aumento da presença feminina na força de trabalho. A consultoria prevê que até 2017, independentemente da política do filho único, a China responderá por metade de todas as vendas globais.
Os produtores chineses de laticínios não estão conseguindo aproveitar muito esse crescimento como seus concorrentes internacionais. Embora o mercado doméstico de leite em pó tenha crescido 25% de 2011 para 2012, as vendas da Mengniu, a maior companhia chinesa de laticínios, caíram 3,5%.
A Mengniu, pega no início da crise do leite, vem se reestruturando, numa tentativa de melhorar sua imagem. No mês passado ela firmou uma joint venture com a francesa Danone, que já tem uma grande presença no mercado chinês.
Alguns analistas preveem novas reestruturações, com a consolidação de empresas de médio porte como a especialista em leite em pó para bebês Synutra - que vem aumentando sua capacidade de produção e mais recentemente anunciou planos para a construção de uma unidade de secagem de leite na França, num investimento de US$ 118 milhões.
O grupo alimentício estatal Bright Food está oferecendo visitas às suas fábricas para tentar reforçar a confiança dos consumidores. Um porta-voz da companhia diz: "Realizamos oito dessas visitas às fábricas e o resultado foi muito positivo. Quando os consumidores andaram pelas fábricas, não precisamos falar muito. Eles mesmos observaram como coletamos o leite, fazemos as inspeções e o embalamos. Depois disso, a confiança foi reconquistada naturalmente".
Alguns fabricantes de leite em pó tentaram contornar a imagem manchada do produto fabricado no mercado interno, comercializando seus produtos como leite em pó "ao estilo europeu".
Companhias de investimento também estão apostando no leite para bebês. Recentemente, o grupo Shanghai Pengxin comprou 16 fazendas produtoras de leite na Nova Zelândia por cerca de 200 milhões de dólares neozelandeses. O leite dessas fazendas será vendido para a Fonterra, a cooperativa de laticínios da Nova Zelândia que é uma grande fornecedora da China.
Mas nem todas as companhias estrangeiras estão se beneficiando da briga por fornecedores. A Mead Johnson dos Estados Unidos não informou, nos resultados do primeiro trimestre recentemente divulgados, nenhuma mudança visível no consumo na China, nem sinais de aceleração do crescimento. Por outro lado, a Danone divulgou um aumento anual de 16,1% de sua unidade global de nutrição infantil.
A Sancor, maior exportadora de laticínios da Argentina, começou a vender seu leite em pó para bebês na China por meio de distribuidores locais. "A China tem um grande déficit desses produtos e representa uma oportunidade enorme... O consumo argentino de leite em pó para bebês representa apenas 1% do consumo chinês. Daí a importância desse mercado", diz a Sancor.
A francesa Danone e a Milupa, da Alemanha, aumentaram a produção na Europa, num esforço para evitar problemas de abastecimento no continente e também atender o mercado chinês. A Danone também está vendendo seu leite em pó feito na Holanda pela internet na China, via uma parceria com a Tmall, uma varejista online controlada pela Alibaba.
O governo chinês, ao mesmo tempo que tenta acalmar os temores em relação ao leite em pó doméstico, também reduziu as tarifas de importação de 20% em 2012 para 5% este ano. No entanto, os esforços dos consumidores chineses para obter leite de outras fontes já criou uma dor de cabeça para as autoridades reguladoras de alguns países.
As importações de leite em pó da Nova Zelândia são isentas de tarifas. Mas, para manter seu sistema regulador, há multas pesadas para os contrabandistas. Sob as leis da Nova Zelândia, qualquer quantidade de leite em pó para bebês, até mesmo uma única lata comprada em um supermercado, exige um certificado de exportação para sair do país. Uma pessoa pega exportando leite em pó para bebês sem um certificado pode ser multada em até US$ 50.000.
Uma investigação do Ministério das Indústrias Primárias, que cuida da segurança dos alimentos, e do Serviço Aduaneiro da Nova Zelândia estimou em setembro de 2012 que o comércio ilegal de leite em pó para bebês movimentava na ocasião "mais de 150 milhões de dólares neozelandeses e continua crescendo".
"O Ministério das Indústrias Primárias descobriu que a maioria dos exportadores cumpre com as exigências legais, mas um número deles burla intencionalmente as regras... Um exportador está sendo investigado", disse Bill Jolly, diretor de estratégia de segurança da Pasta.
As exportações de leite em pó para bebês do país cresceram de US$ 74,2 milhões em 2001 para US$ 361,7 milhões em 2012. Na Holanda, onde houve um crescimento de 50% das vendas do produto neste ano, o governo está realizando uma investigação parecida. "Isso vai garantir que não será mais lucrativo comprar grandes quantidades de leite em pó na Holanda para vender na China", disse Sharon Dijksma, a ministra da Agricultura da Holanda.
Enquanto esses países conduzem suas investigações, o governo chinês ainda enfrenta o problema da rejeição do produto doméstico pelos pais, que estão preferindo o leite em pó de outros países. O primeiro-ministro Li Keqiang disse no mês passado que a segurança do leite em pó "envolve o crescimento saudável da próxima geração, a felicidade de milhões de famílias e o futuro do país". (Tradução de Mario Zamarian)
Veículo: Valor Econômico