O governo, que contava com a continuidade do forte recuo dos preços dos alimentos e a estabilidade do câmbio para segurar a inflação deste ano, está perdendo aliados. Os preços no atacado dos produtos agropecuários voltaram a subir este mês, apesar da supersafra. E o dólar disparou: o câmbio fechou a semana cotado a R$ 2,24, com alta de 10% em 30 dias.
Ainda é cedo para saber qual será o impacto dessas pressões na inflação ao consumidor. Embora ainda não tenham revisado para cima as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial da inflação, economistas dizem que aumentou o risco de fechar o ano com um índice superior a 6%. No último Boletim Focus do Banco Central (BC), a expectativa do mercado para o IPCA de 2013 era de 5,83%. E em 12 meses até maio, o indicador acumula alta de 6,5%.
"Ninguém esperava que a alimentação fosse ficar mal comportada de novo e houvesse uma explosão do câmbio tão forte", afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Segundo ele, esses dois elementos novos combinados têm efeito devastador sobre a inflação. O economista, que já previa IPCA de 6% para este ano, acredita que essa marca possa ser superada. Ele diz achar difícil "comprar" a visão do BC de que há uma queda drástica nos preços dos alimentos e cita o feijão como o próximo vilão. Em 12 meses até maio, o preço do feijão carioca ao consumidor subiu 44%. Na sexta-feira, o governo propôs à Câmara de Comércio Exterior (Camex) a isenção até dezembro da incidência da Tarifa Externa Comum (TEC) nas importações do produto para aumentar a oferta e aliviar a pressão na inflação. O feijão tem peso grande no cálculo da inflação (0,5%), o dobro do macarrão, por exemplo.
"Os preços das matérias-primas, que ajudaram a alimentação no varejo a ter uma desaceleração forte em maio, trocaram de sinal este mês. Algumas podem ainda estar com variação negativa, mas todas estão em trajetória de elevação", diz o superintendente adjunto de inflação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros. Na segunda prévia de junho do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), as matérias-primas agropecuárias voltaram a subir no atacado e tiveram alta de 1,25%, depois da deflação de 2,22% em maio.
Paradoxo. "Ainda não é efeito do câmbio", frisa Quadros. Ele ressalta que a pressão de preço dos produtos agrícolas, especialmente os de consumo doméstico, como arroz e feijão, ocorreu porque acabou a colheita e a produção desses grãos não foi bem, apesar da safra recorde, puxada por outros produtos. Cerca de 80% dos 186 milhões de toneladas de grãos colhidos neste ano são de soja e milho, itens de exportação. "Existe um paradoxo entre safra recorde e a folga no abastecimento", observa Quadros.
O caso da soja, que subiu 9,3% no atacado nos últimos 30 dias, reflete as incertezas sobre o real tamanho da produção americana. Essa dúvida fez subir o preço do grão na Bolsa de Chicago. Os preços pressionados da soja e do farelo sinalizam aumentos de custos e de cotações das carnes no varejo nos próximos meses. "A inflação de alimentos vai começar o segundo semestre pressionada", prevê o economista da FGV.
Essa também é a previsão do economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa. Mas, ao contrário de Quadros, ele diz que o aumento dos preços agropecuários em junho no atacado reflete a alta do dólar. "O câmbio já começou a pegar no atacado", diz. Rosa observa que o alívio nos preços dos alimentos, que normalmente ocorre entre maio e agosto, neste ano pode durar menos. Nas suas contas, a inflação para 2013, antes projetada em 5,8%, pode superar 6% por causa dos alimentos e do câmbio.
Já a sócia da Tendências, Alessandra Ribeiro, não vê riscos inflacionários na alta dos alimentos. "O câmbio está pressionado, mas os preços das commodities em dólar estão caindo no mercado internacional."
Veículo: O Estado de S.Paulo