Segundo especialistas, companhias envolvidas na Operação Leite Compensado devem assumir erros e se comunicar de forma clara
Diz o senso comum que é muito mais fácil destruir uma reputação positiva do que criar um bom conceito. Basta um deslize, por menor que seja, e a imagem construída em anos de trabalho pode ficar arranhada. Que o digam Bom Gosto (responsável pela marca Líder), Italac, Latvida e Vonpar (dona da Mu-Mu), empresas envolvidas na Operação Leite Compensado, deflagrada no início de maio. Na ocasião, foi detectado um esquema de adulteração da bebida durante o transporte, com a adição de ureia e formol. Agora, as companhias afetadas têm o desafio de buscar a retomada da confiança do consumidor.
E a recuperação está diretamente relacionada ao modo como a empresa se porta após a ocorrência de um escândalo, avalia o especialista em estratégia e branding Arthur Bender. “O primeiro ponto é não se esconder. Se houve algum problema, a empresa tem de admitir o erro e apurar as causas dele”, analisa. Na percepção do consultor, os fabricantes investigados na operação do Ministério Público do Estado falharam nesse aspecto. “Após o episódio, não vi uma declaração de alguma das empresas reconhecendo que não cuidou do leite como deveria ter cuidado. Não adianta colocar a culpa no transportador”, diz.
O tipo de episódio que danifica a imagem corporativa determina o grau de dificuldade em se obter a recuperação. Quando há uma falha técnica, lembra Bender, o cliente tende a ser mais compreensível. Neste sentido, ele recorda de um problema com o Toddynho, em 2011. Na oportunidade, quase 40 pessoas sofreram queimaduras após ingerirem um lote do achocolatado que havia sido misturado com água e detergente. A PepsiCo, proprietária da marca, admitiu a falha no lote. Hoje, na visão do consultor, aparentemente a companhia conseguiu dar a volta por cima.
No entanto, em casos de fraude, como ocorreu nos lácteos, o dano é maior e pode levar mais tempo para ser resolvido. A situação fica ainda mais delicada quando envolve alimentos e medicamentos, ressalta o professor em marketing estratégico e gestão de marcas na ESPM Genaro Galli. Segundo o especialista, a empresa deve atuar para melhorar as qualidades intrínsecas e percebidas do artigo. “É preciso demonstrar a qualidade do produto, criando processos e mecanismos de controle que minimizem a possibilidade de novos erros (intrínseca), e também mexer nos elementos de percepção da qualidade do produto, como identidade visual e embalagem (percebida)”, defende.
De acordo com Galli, a estratégia deve considerar o ambiente online através do posicionamento da marca em seus perfis em redes sociais. Isso porque as falhas repercutem com cada vez mais intensidade em ferramentas como Facebook e Twitter. Mesmo com a adoção de uma série de medidas, o professor salienta que é difícil uma marca se livrar completamente dos resquícios de um escândalo. Porém, é viável atenuar as sequelas e, em algumas situações, até sair fortalecido. “Para isso, é preciso se comunicar de forma rápida e transparente. Quando a empresa assume seu erro, não foge da imprensa e toma uma posição clara, isso pode até gerar um ganho de marca”, enfatiza, mencionando que não viu nos fabricantes de leite uma estratégia nesse sentido.
Latvida vai elaborar estratégia para reconquistar compradores
Uma das empresas envolvidas na Operação Leite Compensado, a Latvida promete adotar uma série de medidas para recuperar a confiança do consumidor. Após ter sua fábrica fechada por cerca de um mês pela Coordenadoria de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Cispoa) da Secretaria Estadual da Agricultura (Seapa), a companhia retomou as atividades na segunda semana de junho. O assessor jurídico da marca, Gerson Branco, destaca que só agora será calculado o tamanho do prejuízo com o episódio.
“A primeira medida que a empresa está tomando e vai continuar tendo é fazer uma separação desse problema dos transportadores com seus produtos”, afirma Branco. Segundo o assessor, a companhia vai montar uma estratégia de recuperação para ser colocada em prática nos próximos meses. A marca alega que não teve produtos contaminados e só retirou do mercado os lotes UHT eventualmente produzidos no período de 1 a 23 de abril em função de uma desobediência administrativa, o que levou à punição feita pelo Cispoa. Nos meses anteriores à turbulência, a Latvida vendia cerca de R$ 18 milhões ao mês. “Na retomada será menor. Não temos ideia de quando será possível recuperar o patamar anterior”, diz Branco.
Diante do cenário atual, a Latvida garante que vai intensificar o mapeamento e a identificação das rotas percorridas pelos produtos, adequando-se à portaria 89 divulgada pela Seapa em maio. “Haverá modificações, basicamente, em relação aos controles de documentação”, aponta Branco.
A reportagem do Jornal do Comércio procurou as outras três empresas envolvidas na operação, mas nenhuma delas atendeu aos pedidos de entrevista feitos. Italac e Bom Gosto (responsável pela marca Líder) disseram não haver porta-vozes disponíveis no momento. Já a Vonpar (produtora da Mu-Mu), por meio de sua assessoria de imprensa, chegou a sinalizar a disponibilidade de um profissional para prestar esclarecimentos à reportagem, mas, posteriormente, recuou e negou a solicitação de entrevista.
Veículo: Jornal do Comércio - RS