Produtos perecíveis: Lei injusta?

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No artigo da semana passada falei sobre como a falta de clareza dos artigos do Código de Defesa do Consumidor sobre a questão da troca de produtos no período de garantia prejudica o consumidor. E mais, como ele acha injusto ter que aceitar um produto consertado ainda no primeiro mês de uso, quando, muitas vezes, ainda está pagando por ele. Mas a troca de produtos perecíveis ainda é pior aos olhos do consumidor, porque ele fica indignado, achando que deveria ter mais direitos.

 

Inúmeras vezes entabulei o mesmo diálogo com consumidores. Eles ligavam ou me mandavam um email dizendo que tinham uma bomba para uma reportagem, pois tinham achado um objeto estranho no alimento que compraram. As queixas mais comuns eram larvas em barra de cereais, chocolate mofado,bebidas com algum objeto ou algum coisa asquerosa dentro da garrafa, e coisas estranhas, como pedaço de metal, em sanduíches. E comidas em restaurantes. E me perguntavam qual era o seu direito nesta questão.

 

Ao responder, eu perguntava se o consumidor tinha achado o objeto estranho antes de consumir o alimento.Ou se ele tinha consumido e passado mal. Se ele não tivesse ingerido, deveria ligar para o 0800 da empresa e pedir a troca por um outro produto igual, sem nenhum problema,ou pedir a restituição da quantia paga. E poderia pedir que a empresa lhe desse um laudo que explicasse do que se tratava o objeto estranho. Mas,alertava que, dificilmente, as empresas mandavam este laudo. E, se ele fizesse questão de que o produto fosse analisado por um laboratório, orientava que o produto fosse levado à Delegacia do Consumidor( Decon) e fosse feita uma denúncia sobre a qualidade do produto e o pedido de um laudo. Dessa forma, a Decon poderia enviar o produto para um instituto de análise. Informava ainda que deveria ser feita uma denúncia à Agência de Vigilância Sanitária, que poderia, a partir disso, fazer uma vistoria na fábrica.

 

A resposta do consumidor a esta explanação era sempre a mesma: mas eu não tenho direito a receber por danos morais? E se eu tivesse comido? Poderia passar mal... Se fosse um produto infantil, a indignação ainda era maior: meu filho poderia ter ficado doente, fiquei nervosa com a situação, imaginando o que poderia ter acontecido.

 

Calmamente, eu rebatia: mas não ingeriu e não passou mal, então não há danos morais. O dano material é o valor do produto, que poderá ser reclamado com a empresa. Porém,sempre é possível recorrer ao Judiciário, pedindo danos morais, e a sentença vai depender do entendimento do juiz. E ficava esperando a próxima explosão de indignação: isso é um absurdo! As pessoas têm que saber que estas empresas estão com problema no controle de qualidade! Por fim, eu sugeria que ele escrevesse uma carta para a imprensa,como forma de desabafo, e fizesse um boicote à empresa, não comprando mais produtos daquela marca.

 

Eu tinha que dar uma orientação séria e correta,mas no fundo, eu compartilhava da indignação deles e prometia publicar a carta como forma de mostrar minha empatia. Eu sabia que os outros caminhos que eu tinha dado como opções não os deixariam satisfeitos. As análises feitas através da Decon são demoradas e, a não ser que o caso seja gravíssimo, nada acontece coma empresa. E denunciar na Vigilância Sanitária dificilmente levaria a uma fiscalização na empresa.

 

Mas isso tudo foi antes das redes sociais mostrarem a sua força. A Lei continua a mesma, porém, hoje, quando o consumidor não é escutado, quando não tem formas de propagar sua indignação, ele usa as redes sociais. Por isso, cada dia mais, se encontra na internet fotos de produtos e sanduíches com objetos estranhos; as matérias sobre este tipo de problema bombam nos sites noticiosos, com milhares de acessos e compartilhamentos.O estrago na imagem da empresa é a maior vingança do consumidor. Não estou falando dos casos de recall, quando a empresa, sabedora de que um produto fabricado por ela coloca a saúde e a segurança do consumidor em risco, tem por obrigação avisar aos órgãos competentes, retirar o produto do mercado, substituir as unidades já vendidas e se responsabilizar pelos custos médicos de quem foi afetado pelo produto impróprio para o consumo. Nestes casos, a Vigilância Sanitária toma rapidamente as medidas necessárias.

 

Mas, os casos individuais ficam perdidos, não há controle,nem fiscalização. Quando o consumidor percebe que nada vai acontecer se ele reclamar, que nenhum órgão vai tomar uma atitude, ele busca outra forma de se manifestar.

 

É preciso ter uma forma destas queixas não se perderem. Talvez se a Vigilância Sanitária tivesse como reunir as reclamações dos consumidores em um banco de dados e dar visibilidade a estas demandas, não apenas os consumidores se sentiriam mais ouvidos, como a agência teria um retrato das empresas mais reclamadas, podendo atuar quando as queixas se avolumarem.

 

Uma coisa é certa: os consumidores não vão se calar e a internet é um livro aberto. Cabe às empresas monitorarem melhor seus controles de qualidade, trabalharem melhor com estas queixas, irem além do que manda a

Lei, enfim, ouvirem mais a indignação de seus clientes, porque consumidor raivoso é sempre um perigo para a imagem das empresas.

 

 

 

Veículo: Brasil Econômico

 

 


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