BRF confirma mudanças e reforça o foco no varejo

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Reformulação resgata ícone da Sadia e acelera enxugamento

"Não tenho intenção de deixar a BRF com a cara do Abilio". Esse foi o recado que o empresário Abilio Diniz, à frente do conselho de administração da companhia que combinou Perdigão e Sadia, deu ontem ao mercado. Ele disse que não quer repetir na empresa o que fez no Grupo Pão de Açúcar, e até lembrou dos desafios que surgiram do excesso de personalização da varejista, incluindo as dificuldades financeiras enfrentadas no passado. "Respeitaremos acionistas e a administração".

Abilio foi o centro das atenções na apresentação ao mercado das mudanças na administração e das novas diretrizes estratégicas da BRF, resultantes da avaliação de 100 dias promovida pela consultoria Galeazzi & Consultores. O evento foi conduzido por ele, mas Claudio Galeazzi já estreou como porta-voz, agora que será o presidente global da companhia, substituindo José Antonio do Prado Fay, como adiantou no domingo o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. Galeazzi tem vínculos históricos com Abilio por também ter sido presidente do Pão de Açúcar.

A BRF é hoje o caso mais emblemático de uma nova cultura de empresas "sem dono" que estreia no Brasil. Curiosamente, à frente desse processo está Abilio, que sempre foi conhecido pelo gosto de ser "o dono do negócio".

Na BRF, ele lidera um conselho de administração, que tem mais dez membros, de uma companhia que não tem um controlador. Os maiores acionistas são os fundos de pensão Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobras), cada um com pouco mais de 12% do capital, e a gestora de recursos Tarpon, com 8%.

A partir de agora, essa nova gestão será colocada à prova pelo mercado e pelos próprios acionistas que, justamente por conta da mudança que trouxe Abilio à presidência do conselho, perceberam a força que têm. O empresário tem jeito de dono, manda e executa com naturalidade de dono, mas se o mercado não gostar, pode ser substituído, ao contrário de um controlador de fato.

A expectativa dos investidores é grande e está clara no atual valor da companhia na bolsa, de R$ 47 bilhões, o maior de sua história, R$ 8 bilhões a mais desde que o empresário foi eleito para a presidência do conselho de administração, em abril - R$ 1,5 bilhão só ontem, após o anúncio das novidades.

Para terminar de compor o novo quadro que guiará a BRF, faltam dois nomes que, provavelmente, virão de fora da empresa: um presidente para o Brasil e outro para a área internacional, que se reportarão a Galeazzi. Esses executivos terão abaixo deles sete vice-presidentes - dois a menos do que no quadro anterior.

Abilio chegou à BRF após um movimento liderado pela Tarpon, com apoio da Previ, para promover uma modificação na gestão dos negócios. "Não vim para fazer a parte industrial. O que o conselho espera de mim é que trabalhe o modelo de gestão", disse ele ontem. Desde o movimento da Tarpon, ficou evidente que havia uma insatisfação com a velocidade dos avanços na empresa.

Ontem, Fay, agora ex-presidente, disse "que um executivo tem de saber a hora em que a troca de liderança faz bem para a companhia". Ele afirmou que seu papel era fazer a fusão entre Perdigão e Sadia e, brincando, disse estar "500 mil toneladas mais leve", referindo-se ao volume de alimentos produzido mensalmente pela empresa.

Abilio, que investiu R$ 1,2 bilhão nas ações da empresa e tem hoje 3% de seu capital, deixou claro quais as novas diretrizes. A partir de agora, a companhia será puxada pelo varejo. A BRF era uma companhia em que a parte industrial produzia e empurrava para a área de vendas o que era fabricado, afirmou ele. Daqui para frente, a área de vendas é que vai direcionar o segmento industrial.

Na parte internacional, o objetivo é tornar a BRF uma companhia global, que processe alimentos no exterior, e não só uma exportadora. Para isso, serão avaliadas aquisições fora do Brasil e também investimento em novas plantas, a exemplo do que está sendo realizado em Abu Dhabi.

Durante a apresentação, Galeazzi detalhou que nos próximos quatro meses serão criados mais três grupos de trabalho: um para avaliação do caixa, outro para a parte industrial e outro para o mercado externo. Pelas primeiras avaliações, a companhia encontrou oportunidades para ampliar os ganhos na linha do Ebitda de R$ 1,9 bilhão ao ano, a partir de 2016. Para tanto, haverá necessidade de R$ 800 milhões em investimento.

Os ganhos virão de avanços em receita e de melhorias de eficiência, com corte de custos e despesas. "Acreditamos que a companhia ficará mais leve, mais eficiente e, consequentemente, mais lucrativa", defendeu Abilio. Esse valor estará, inclusive, na composição da remuneração da diretoria. Os executivos evitaram falar em demissões.

A revisão estratégica foi conduzida por um comitê de assessoramento, com o núcleo duro do conselho. Além de Abilio, participam Sérgio Rosa (Previ), Pedro Andrade de Faria (Tarpon) e Walter Fontana (ex-Sadia). O empresário disse ao Valor que esse grupo tinha previsão inicial de funcionar por um período de seis meses - mas poderá durar mais.

A atuação desse comitê e a proximidade com a administração são reflexos do novo estilo de gestão. Gerir uma companhia sem dono significa estar na vitrine, todo tempo sendo colocado à prova pelo mercado.

Fazer a "nova BRF" vingar é um projeto pessoal de Abilio. Ele quer deixar para trás o episódio que gerou a desavença com o sócio Casino, quando há dois anos tentou uma associação com o Carrefour, incluindo uma fusão no Brasil. Além de seu patrimônio, ele empenha, portanto, sua imagem pública. Exatamente o que queria a Tarpon.


Quando a BRF foi criada, em maio de 2009, como resultado da união entre Perdigão e Sadia, o estilo da gestão da primeira logo se impôs, por motivos óbvios: a fusão permitiu que a Sadia, golpeada pela crise dos derivativos, fosse salva. Nildemar Secches, ex-presidente do conselho de administração da BRF, e José Antônio do Prado Fay, agora seu ex-presidente, deram um "jeito Perdigão" à companhia.

Nesta segunda fase da BRF, com Abilio Diniz à frente do conselho de administração e Cláudio Galeazzi como presidente global, figuras-chave da antiga Sadia voltam a ganhar força. Walter Fontana, que representa a família Fontana, faz parte do "steering committee" criado por Abilio para delinear o futuro da BRF. E a gestora de fundos Tarpon, que levou Abilio ao conselho, era acionista da Sadia e próxima a Fontana.

E foi a própria criação da BRF que levou a essa reviravolta. Para analistas da área de carnes, a demora da empresa para integrar totalmente os ativos de Perdigão e Sadia levou-a a uma performance abaixo da esperada pelos investidores. E alguns dos acionistas cobraram caro por isso.

É claro que parte dessa demora na integração tem de ser atribuída à complexa operação que a BRF teve de fazer após compromisso acertado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que permitiu sua criação. O chamado TCD (Termo de Compromisso de Desempenho) obrigou a empresa a vender ativos e marcas para a Marfrig, no fim de 2011. Esses ativos foram transferidos para a Marfrig ao longo de todo o ano passado. E em junho último, a Marfrig, com dívidas elevadas, os vendeu para a JBS SA.

Uma das áreas que a BRF ainda não havia integrado é a de vendas - a partir de agora, todos os representantes poderão vender todos os produtos e marcas. Mas é preciso lembrar que, mesmo sem integração total dessa área, a BRF conseguiu recuperar boa parte da participação no mercado que havia perdido por conta da venda de unidades e marcas para a Marfrig. E também elevou suas receitas entre 2011 e 2012.

Além das vendas, outros setores da BRF ainda não foram integrados. Há duplicidade em algumas áreas, como granjas de matrizes e de avós e fábricas de rações situadas nas mesmas regiões. Ajustes vinham sendo, mas a expectativa é que a nova direção da empresa acelere o processo de integração. Isso deverá significar enxugamento de pessoal.

Essas são iniciativas esperadas para o curto prazo, mas para o médio e longo prazos, o conselho de Abilio Diniz também deve tomar decisões mais arrojadas, acredita um especialista. Uma dessas medidas deve ser focar o core business da empresa e terceirizar atividades como a produção de avós e matrizes de aves, por exemplo. "A BRF é uma empresa de alimentos. Por que tem de produzir matrizes?", questiona. Conforme essa mesma fonte, para cortar custos a BRF deve diminuir, no futuro, sua participação nos diferentes elos da cadeia produtiva de aves e suínos.

Espera-se também, conforme pessoas próximas à BRF, que a empresas promova mudanças em áreas como a de bovinos, que representa um pedaço pequeno da companhia.

O foco da nova direção da BRF no ganho de eficiência é visto como um fator positivo não apenas pelos investidores. "O mercado deve ficar mais racional", diz uma fonte do setor e potencial concorrente da BRF. O entendimento é que à medida que a BRF obtiver melhores negociações no mercado isso vai se tornar um benchmark para o setor.



Veículo: Valor Econômico


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