El Corte Inglés reduz preços e margem

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Quem vem à Espanha não tem como ignorar a presença e a imponência do El Corte Inglés. Parecendo shopping centers, que muitas vezes tomam mais de um quarteirão, suas lojas de departamento estão localizadas nas mais importantes avenidas das cidades espanholas. Cheias de turistas e espanhóis e abertas inclusive aos domingos e feriados, elas oferecem roupas, calçados, livros, eletroeletrônicos e pacotes de viagem. Os supermercados do grupo têm grande variedade de artigos nacionais e importados. A alta qualidade, nos produtos e nos serviços, sempre se refletiu nos preços - mais salgados do que os da concorrência. Mas diante da recessão, a maior varejista do país baixou os preços e sacrificou margem de lucro. Especialistas têm dúvidas de que essa estratégia possa ser mantida.

El Corte Inglés anunciou ontem, domingo, que encerrou o exercício de 2012 com faturamento de € 14,5 bilhões, o que representou queda de 7,8% em relação ao ano anterior. É o terceiro ano consecutivo de declínio nas vendas. O lucro veio com recuo ainda maior, de 18,3%, somando € 171,5 milhões - mas em 2011 havia sido pior, com o lucro caindo 34%.

Dentre seus três principais braços de negócios - as lojas de departamento, os hipermercados e as agências de viagens, que representam juntos 87% das vendas totais do grupo - o pior resultado veio dos hipermercados, com perda de 11,7% no faturamento. Em geral, vieram mais fracos os resultados de sete dos dez braços do grupo, que envolvem lojas de artigos para casa, supermercados regionais e de bairro, marcas próprias de roupas, ópticas, seguros e tecnologia de informação.

Os dados da empresa, uma das maiores empregadoras da Espanha, com cerca de 97 mil funcionários, são reflexo das novas condições do mercado de consumo espanhol, duramente abalado pela crise econômica. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), as vendas do varejo caíram 5,1% em junho (eliminando os efeitos sazonais). São 36 meses consecutivos de declínio. No acumulado de 2012 o recuo é de 6,8%.

O preço passou a ser o fator mais importante para o consumidor espanhol na hora de fazer compras. Isso trouxe vantagens a concorrentes que praticam preços menores, como o Carrefour. Em reação a esse cenário, El Corte Inglés decidiu adotar uma nova política de preços. Em meados do ano passado, anunciou a redução permanente em até 25% nos preços de mais de 5 mil dos produtos mais demandados pelo espanhol na área de alimentação.

Depois de nove meses da estratégia, retomando fatias de mercado de parte da concorrência, a companhia informou que conseguiu captar 600 mil novos clientes em todos os supermercados e hipermercados que controla.

Se por um lado a iniciativa gerou ganhos em termos de volume, amenizando a queda do faturamento, por outro continua cortando margens de lucro do grupo.

A empresa vai manter a estratégia. Na reunião com acionistas ontem, o presidente do El Corte Inglés, Don Isidoro Álvarez, afirmou que "o grupo está otimizando a gestão na área de compras", com o objetivo de melhorar as fontes de suprimento, aumentar a disciplina para reduzir os excedentes de mercadorias e recuperar as margens. "Isso nos permite continuar com uma política de preços de acordo com as exigências do mercado", disse em comunicado à imprensa.

Nascida em 1890, a partir de uma pequena alfaiataria em Madri, a empresa é comandada há mais de 20 anos por Álvarez. Assumiu a presidência com a morte de Ramón Areces, o responsável pela expansão do negócio familiar. Ontem, o sobrinho de Álvarez, Dimas Gimeno Álvarez, foi nomeado diretor geral, um novo cargo no grupo. Dimas, de 38 anos, trabalha há 13 anos no El Corte Inglés e pode ser o sucessor do tio.

De capital fechado, a empresa sempre teve foco na concessão de financiamento de forma descomplicada, em dar mais prazo de garantia nos produtos vendidos e na boa localização das lojas. O baixo preço nunca foi uma prioridade. Especialistas afirmam que manter essa nova estratégia pode não ser sustentável para o El Corte Inglés.

"Muitas companhias conseguem ter flexibilidade e capacidade organizacional para compensar os preços reduzidos com crescimento na produtividade. Mas eu ponho em dúvida se negócios como o El Corte Inglés vão conseguir sustentar isso no longo prazo", afirma Juan Santaló, chefe do departamento de estratégia da escola de negócios do Instituto de Empresa (IE). Segundo Santaló, para manter o foco nos preços, o El Corte Inglés terá que mudar seu rígido modelo de negócios, que data dos anos 1960. Na área têxtil, por exemplo, o grupo faz seus pedidos aos fornecedores com cerca de seis meses de antecedência.

Mais flexível, a espanhola Inditex, dona da Zara, é capaz de desenhar um novo modelo e vendê-lo nas lojas em quatro a cinco semanas, o que faz com que ela consiga rapidamente adaptar suas coleções de acordo com a demanda.

"Com o modelo que tem, o El Corte Inglés trabalha com estoque alto, necessita de mais capital de giro e pode colocar nas lojas coleções que perderam o ritmo da moda e acabam não sendo vendidas. É difícil para a empresa mudar agora sua estratégia de maneira sustentável", explica o especialista.

Apesar das dúvidas geradas no mercado, o gigante espanhol ainda conta com outras cartas na manga. Além dessa estratégia de preços, a empresa informou que vai voltar-se para a expansão internacional de suas lojas online. Isso seria um passo importante para um grupo de baixa internacionalização, totalmente dependente dos debilitados mercados espanhol e português. A expansão do braço de vendas de pacotes de viagens e o crescimento das marcas próprias também estão no plano estratégico da companhia.

Outra perspectiva que se desenha para o El Corte Inglés é o da conjuntura econômica espanhola, que começou a dar sinais de melhora nos últimos meses.

Com queda de 0,1% no segundo trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha tem diminuído seu ritmo de declínio. O consumo das famílias espanholas também tem seguido um caminho mais positivo, registrando queda de 0,4% entre janeiro e março, bem menor do que os 1,9% negativos do trimestre anterior.

"Houve um relaxamento das condições de financiamento ao consumo na Espanha, em especial no comércio de eletrodomésticos e de artigos de linha marrom. Nossos estudos mostram que o comércio varejista se encontra no caminho da recuperação", afirma o banco espanhol BBVA, em relatório divulgado recentemente.

Resta agora saber se o El Corte Inglés vai conseguir se adaptar rapidamente às exigências do consumidor e sustentar sua posição de império do consumo espanhol até que a recuperação do país se firme.



Veículo: Valor Econômico


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