Menos famílias estão endividadas, mas consumo seguirá fraco

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Depois de dois trimestres com consumo fraco, o segundo semestre começou com uma pequena queda no total de famílias com dívidas. Depois do indicador do Banco Central que mede o endividamento em relação à renda acumulada no último ano atingir 44,8% em junho (dado mais atual disponível), o maior patamar para qualquer mês da série desde 2005, dados mais recentes coletados por pesquisas do varejo sugerem uma redução no número de famílias endividadas. Mesmo assim, a folga para novas compras é pequena, pois uma parcela ainda relevante da renda mensal está comprometida com os gastos assumidos no passado.

A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Confederação Nacional do Comércio (CNC), apontou que o percentual de famílias com algum tipo de dívida em todo o país caiu de 65,2% em julho para 63,1% em agosto. Na cidade de São Paulo, de acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a redução foi mais acentuada no período, de 57% para 52,6%.

Por outro lado, o patamar de comprometimento continuou alto: no mês passado, a CNC informa que um quinto das famílias endividadas destinou mais de 50% de seus rendimentos para quitar prestações. Na capital paulista, entre o total de famílias com dívidas, 18,3% possui mais de metade da renda comprometida. A fatia média de comprometimento mensal em todo o país foi de 29,6% em agosto, de acordo com a CNC.

O percentual apontado pelas duas entidades é maior que o dado oficial calculado pelo BC, que ficou em 21,52% em junho, porque também inclui despesas com cheque pré-datado, compras à vista no cartão de crédito e carnês de lojas sem parceria com bancos, entre outros. Com metodologia parecida, a consultoria MB Associados calcula que, em junho, 25,6% do rendimento mensal das famílias estava comprometido com dívidas.

Segundo Marianne Hanson, economista da CNC, o número de famílias endividadas diminuiu na passagem do primeiro para o segundo semestre porque os consumidores estão mais cautelosos em relação aos financiamentos devido à desaceleração do mercado de trabalho. Nos últimos anos, lembra ela, o aumento do endividamento foi acompanhado por contínuas reduções da taxa de desemprego. Com o ciclo de aperto monetário, acrescenta Marianne, o custo do crédito já começou a ficar mais caro, o que também modera o apetite por novos empréstimos. "Não há motivos para uma alta no percentual de famílias endividadas daqui até o fim do ano", diz.

A economista da CNC destaca, porém, que o perfil de endividamento das famílias já foi mais preocupante. Hoje, diz ela, ganharam espaço dívidas com prazo de pagamento maior e custos de financiamento mais baixos, como o crédito imobiliário e o consignado. Porém, essa mudança compromete a renda por um período mais longo: em agosto, 30,9% das famílias pesquisadas disseram estar com o orçamento comprometido por mais de um ano. Em igual mês do ano passado, essa parcela foi de 27,2%. O prazo médio de comprometimento, segundo a CNC, foi de 6,8 meses no mês passado, ante 6,6 meses em agosto de 2012.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, ainda haveria algum espaço para uma alta no nível de comprometimento da renda dos brasileiros com dívidas, que não é "tão elevado assim", mas, em um momento de desaquecimento da atividade e dos fundamentos do emprego, é melhor que esse indicador não suba muito nos próximos meses.

Em sua opinião, o crescimento do consumo das famílias no segundo semestre deve ser mais afetado pela renda, que deve seguir perdendo força, e por um "pequeno risco de aumento do desemprego". "A tendência é de um comprometimento que permaneça suave nos próximos meses, dessa vez por um consumo de crédito não imobiliário que ficará mais de lado pela situação de incerteza da economia", afirmou o analista da MB.

Indicadores de agosto mostraram uma reação tímida do comércio no período. Medido pela Serasa Experian, o movimento dos consumidores nas lojas do país subiu 0,2% ante julho, feito o ajuste sazonal, mesma variação observada na variação anterior. Na capital paulista, as vendas a prazo aumentaram 3,3% na comparação mensal, sem ajuste, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) com base em dados da Boa Vista Serviços, que administra o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC).

Essa alta, diz o economista Marcel Solimeo, da ACSP, pode ter sido mais resultado de uma base fraca de comparação, já que o mês de julho, além de ser período de férias, teve um resquício das manifestações populares, que prejudicaram o comércio de rua. Segundo Solimeo, o maior rigor para a concessão de crédito, a expansão mais fraca da massa salarial e algumas incertezas que permanecem no cenário econômico, como o patamar do dólar, seguem como principais entraves a uma demanda mais robusta daqui em diante. Dentre todos estes fatores, avalia, o endividamento tem papel coadjuvante.

Wermerson França, da LCA Consultores, afirma que os elementos que têm contido o consumo continuam presentes, o que, aliado ao repasse da alta da Selic aos juros ao consumidor, joga contra uma retomada mais intensa do crescimento da demanda. "Uma recuperação mais forte passa necessariamente por uma recomposição maior da renda real e uma desalavancagem das famílias, o que não temos visto nos últimos meses", disse. Para 2013, a LCA projeta avanço de 4,5% do volume de vendas restritas medido pela Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE, após salto de 8,4% em 2012.



Veículo: Valor Econômico


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