O empresário belga Eddy Van Belle desembarcou no Brasil disposto a realizar uma verdadeira expedição para desvendar os segredos do cacau nacional. Trouxe consigo diretamente da Bélgica dois "chocolatiers" e uma equipe de filmagem que, pelos próximos dias, vão explorar o Pará, a Bahia e o Espírito Santo em busca das espécies, história e produção da matéria-prima do chocolate no país.
Campanhas como essa já renderam boas histórias e ideias à Puratos, a empresa fundada pela família de Van Belle em 1919, na Bélgica, que se especializou em fabricar produtos para panificação, confeitaria e chocolataria. Foi numa expedição ao México que o empresário chegou à vila de Dzitya e conheceu receitas milenares de bebidas à base de chocolate criadas pelos maias e preparadas pelas mãos de uma velha índia. O fascínio foi tal que Van Belle acabou por comprar uma fazenda mexicana para produzir cacau criolo, variedade usada nos chocolates mais finos.
Em outra pesquisa de campo, a Puratos foi à Antártica e identificou um tipo de levedura que cresce mesmo em temperaturas negativas. Criou, a partir daí, um fermento que, em temperaturas mais altas, faz o pão crescer mais rápido do que outras leveduras.
No Brasil, onde a empresa está presente desde 1986, o foco atual dos experimentos são as frutas mais nutritivas do que a média ou as "super frutas". É o caso do açaí e da acerola, que neste ano começam a ser usadas pela empresa na fabricação de cremes com sabor para confecção de doces. O açaí é também o principal ingrediente de uma mistura de massa para pães desenvolvida no Brasil e exportada.
Em sua atual viagem, Van Belle tem particular interesse por conhecer o cacau catongo, variedade que tem semelhanças com o criolo, e o cupuaçu, cujas sementes são usadas na produção do cupulate, com textura e sabor próximos aos do chocolate. "Agora queremos testar essas sementes para desenvolver novos produtos", diz Van Belle, que na semana passada, antes de iniciar sua expedição brasileira, reuniu-se em Embu, a 28 km da capital paulista, com os funcionários locais.
O gosto pela pesquisa é tamanho que, por alguns anos, ofuscou o lado comercial da Puratos no Brasil. Há três anos, a companhia contratou Caio Gouvea, ex-executivo da Nestlé, para reavivar suas estratégias e vendas. "Ampliamos a rede de distribuidores, abrimos filial em Salvador e reorganizamos toda a empresa. Mas o foco continua sendo mais em qualidade e produtos adaptados para cada cliente do que em volume", diz.
A Puratos estima ter 2% do mercado em que atua, o mesmo onde estão presentes multinacionais como Nestlé e Bunge. Até o fim do ano, o mercado de chocolates deve assistir também à criação de uma fábrica da suíça Barry Callebaut no Brasil, hoje a maior processadora mundial de cacau e produtos de chocolate para fins industriais. Menor que esta, a Puratos, presente em 102 países, com 58 fábricas, faturou ? 1 bilhão em 2008.
Aos olhos de Van Belle, o principal desafio de sua empresa no Brasil não é competir com gigantes, mas estimular o uso de produtos de maior qualidade na fabricação do chocolate nacional. "E não estamos dizendo que é preciso elevar o preço para melhorar a qualidade", completa Gouvea. "O preço do chocolate no Brasil já é bastante alto e permite uma sofisticação", diz.
Tudo indica que, se passar nos testes dos belgas, o cupuaçu entrará no rol de matérias-primas da Puratos. Uma das vantagens do fruto característico do Norte do Brasil em relação ao cacau, segundo Van Belle, é que ele contém menos teobromina, uma substância estimulante. "Achamos que o chocolate a partir do cupuaçu pode ser ideal para alguns grupos religiosos que não podem consumir estimulantes, por exemplo", diz.
Mas ainda que o cupuaçu não se transforme em chocolate nas mãos da Puratos, já é certo que será peça de museu, em breve. Van Belle pretende expor o fruto nos seus museus "Choco-Story", que, sim, contam a história do chocolate. Um deles funciona em Bruges, na Bélgica, e outro em Praga, na República Checa. O terceiro será aberto em Paris em outubro. "Começou como um hobby meu e hoje é o negócio do meu filho", conta Van Belle. Para quem achou curioso, espere até saber que o empresário tem dois outros museus em Bruges: o da Lâmpada, que expõe desde utensílios primitivos de iluminação até peças modernas, e o da Batata Frita, acompanhamento sempre presente nas refeições belgas.
"Nós administramos os museus como negócios, realmente. O da Batata e do Chocolate dão lucro porque as pessoas têm muita curiosidade sobre comida. O da Lâmpada não, mas pelo menos a minha coleção fica bem protegida", diz o empresário.
Veículo: Valor Econômico