As indústrias de bens de consumo vão continuar repassando para os preços os aumentos de custos em 2016. Apesar da retração na demanda doméstica, segundo executivos do setor, a prioridade é recuperar as margens de lucro sem prejudicar o volume vendido.
"As grandes empresas como a Ambev, a BRF e a Hypermarcas dominam o mercado interno e conseguem, com mais facilidade, elevar os preços sem perder um volume significativo de vendas", observa o economista-chefe da corretora Nova Futura, Pedro Paulo Silveira.
No ano passado, foram os reajustes de preços que levaram a BRF a manter a rentabilidade dos negócios. A companhia pretende manter a estratégia em 2016. "Vamos aumentar o preço sim, quando acharmos que for necessário, que cabe e com inteligência", disse o diretor presidente global da BRF, Pedro Faria, na última sexta-feira (26).
O executivo espera que a concorrência seja menor neste ano, o que deve facilitar o reajuste de preços sem perda de mercado. Isso porque, na visão dele, as rivais da BRF terão um ambiente ainda mais difícil em 2016.
A Ambev também prevê aumento de preços, afirmou o vice-presidente financeiro e de relações com investidores da companhia, Ricardo Rittes. "Vamos repassar aumentos de impostos em âmbito estadual e federal e a inflação", declarou ele, em teleconferência com jornalistas na última semana.
Em 2015, a inflação oficial brasileira, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), subiu mais de 10%. Para este ano, o mercado estima alta de 7,6%, conforme o Boletim Focus divulgado ontem pelo Banco Central. Em 2017, a estimativa é de uma inflação de 6%.
Apesar da perspectiva de aumento de preços, os executivos sabem que o movimento não será suficiente para garantir crescimento de receita. Eles devem explorar novas estratégias para não continuar perdendo vendas, como ocorreu com BRF e Ambev que tiveram queda de 3,2% e 1,6% em volume, nessa ordem.
"Tentamos focar em garantir que os nossos refrigerantes sejam os mais baratos possíveis para os consumidores, com a oferta de latinhas em tamanhos diferentes, por exemplo", comentou Rittes, da Ambev. A companhia também aposta em embalagens retornáveis como alternativa de menor preço ao consumidor e linhas de produto menos tradicionais cuja participação no negócio vem crescendo.
Já a BRF espera melhorar os ganhos a partir de um mix de maior valor agregado e lançamento de produtos, estratégias que vêm sendo aplicadas pela empresa nos últimos trimestres.
Saúde e Beleza
A Hypermarcas, gigante em higiene e medicamentos, também espera elevar os preços de remédios, mas está atenta aos ajustes da demanda. "Acreditamos o aumento de preço terá elasticidade relativamente pequena [em relação a demanda], por ser um setor de primeira necessidade, mas temos que ver como isso irá se comportar nos próximos meses", contou o presidente da Hypermarcas, Claudio Bergamo, para analistas.
Bergamo projeta leve alta no volume comercializado pela companhia, mas afirmou que trabalha com cenário de manutenção da participação de mercado que a empresa tem hoje.
Silveira, da Nova Futura, destaca que nem todas as empresas de grande porte têm espaço par aplicar reajustes sem perder espaço no mercado nacional.
A Natura, por sua vez, vai avaliar reajustes de acordo com cada categoria de produto. A fabricante de cosméticos tem visto o volume de vendas e participação de mercado diminuir a cada trimestre, pressionada pela maior concorrência em um setor que, até 2014, crescia em ritmo acelerado.
"A Natura tem tido alguma dificuldade para manter o market share nos últimos anos, mas o caminho para crescer agora é ganhar participação. E o preço é um elemento chave para o sucesso em 2016", afirmou o presidente da companhia, Roberto Lima, em teleconferência.
Investimentos
Lima explicou que vai cortar gastos em 2016 para fazer frente a queda nas vendas. "Há uma redução de capex (investimento em bens de capital), uma vez que foi encerrado um grande esforço de investimento, principalmente em infraestrutura de fabricação e distribuição [nos últimos anos]. Mas queremos manter o fluxo de inovação".
Na avaliação do economista da Nova Futura, a redução do capex nas companhias brasileiras era esperado e pode ser atribuído a três fatores. "As empresas estão se ajustando a queda da demanda e enfrentam um cenário de restrição ao crédito, o que afeta a rentabilidade. Com a necessidade de manter a geração de caixa e reduzir endividamento, elas estão reduzindo aportes, movimento que deve se prolongar pelos próximos dois trimestres", estimou ele.
Já a Ambev vai cortar investimentos em 2016 sobre 2015, pois não vê necessidade de elevar capacidade nos próximos anos devido ao cenário atual.
Na M. Dias Branco, os aportes de R$ 456,9 milhões no ano passado foram destinados à expansão e manutenção da estrutura produtiva. O aumento da capacidade de produção em um momento no qual a demanda no setor está menor, entretanto, fez o nível de utilização da capacidade produtiva da empresa cair 0,5 ponto percentual ante 2014.
"Além do aumento da capacidade de produção, o início da operação de novas linhas de produção, que ainda não estavam em sua plena atividade ao longo de 2015, influenciando na redução do nível de utilização", informou a M. Dia Branco.
Já a calçadista Grendene decidiu descontinuar os investimentos na A3NP, seu negócio de móveis, neste ano e reconheceu perda total dos aportes feitos até então. O diretor financeiro da empresa, Francisco Schmitt, garantiu que a calçadista vai continuar reforçando suas marcas com um "marketing mais agressivo". A empresa vendeu 12% menos no último ano.
Veículo: Jornal DCI