O executivo Enéas Pestana tem larga experiência no varejo, onde atuou nas mais relevantes empresas do setor, como Pão de Açúcar, Carrefour e Máquina de Vendas. Mas, em meados de fevereiro, surpreendeu o mercado ao ser anunciado como presidente da operação sul-americana da JBS, o maior frigorífico do mundo. “Fui convidado pela minha experiência como executivo e gestor”, disse ele à DINHEIRO, em uma sala improvisada na JBS, em São Paulo, onde está dando seu novo expediente. Nesta entrevista, Pestana – que ainda mantém sua consultoria, embora esteja afastado do dia-a-dia –, fala sobre a crise do varejo brasileiro e analisa as perspectivas de recuperação no curto prazo. E suas previsões não são nada otimistas. Ele prevê, por exemplo, que 2016 será mais difícil ainda do que o ano passado. “Hoje, a grande ordem nas empresas é sobreviver”, diz. “E, na medida em que alonga esse período de crise, dificulta ainda mais essa sobrevivência.”
DINHEIRO – O ano de 2015 foi muito ruim para o varejo brasileiro: as vendas caíram, prejuízos se acumularam e milhares de lojas fecharam. Como o sr. imagina que será este ano: igual, melhor ou pior?
ENÉAS PESTANA – Era previsível que 2015 seria muito ruim para o varejo. E foi. E, ao longo do ano, só piorou.
DINHEIRO – Por que era previsível?
PESTANA – Desde o início do ano, as vendas estavam muito ruins e já se começava a sentir que seria difícil ter aumento de vendas. O cliente começava a sumir e os varejistas perdiam tráfego de pessoas nas lojas. Isso é o resultado do que temos passado. O desemprego estava subindo. A taxa de inflação e os juros, também. Com tudo isso, dava para saber que 2015 seria muito ruim. E foi, de fato, um ano péssimo. Um dos piores que eu já vi para o varejo. E, no final do ano, piorou.
DINHEIRO – O pior já passou?
PESTANA – Não, de jeito nenhum. É quase certo que 2016 será péssimo. E não acredito numa retomada nem em 2017. É claro que algum fato novo pode mudar essa perspectiva, dado que a grande causa disso é a crise política que estamos vivendo. A economia se recuperaria de forma muito mais rápida se não estivéssemos vivendo uma crise política, sem uma direção, um plano e uma liderança clara, apoiada por todos. Isso dificulta muito o resgate de um grau de confiança suficiente para que os investimentos possam ser retomados e a economia possa se reaquecer. Estamos vivendo uma depressão econômica que tem como fundamento básico uma crise política que não se resolve. Hoje, a grande ordem nas empresas é sobreviver. E, na medida em que alonga esse período, dificulta ainda mais essa sobrevivência.
DINHEIRO – Quer dizer, então, que 2016 será muito pior do que o ano passado para o varejo?
PESTANA – É pior no seguinte sentido: as empresas vão piorando o seu desempenho. À medida que o tempo passa, elas vão acumulando prejuízos e deixando de gerar caixa.
DINHEIRO – O sr. acredita que pode ocorrer uma quebradeira generalizada no varejo nos próximos dois anos?
PESTANA – Acredito que pode, sim, ocorrrer uma quebradeira generalizada no varejo. O número de empresas que já faliram ou entraram em recuperação judicial é estrondosamente alto. Isso isso vai se intensificar bastante, por conta do alongamento do período de crise. Se tivéssemos uma perspectiva de sair disso nos próximos meses, poderia começar a ter um alívio para essas empresas.
DINHEIRO – Como fazer a retomada da confiança?
PESTANA – Em primeiro lugar, precisa ter uma liderança apoiada pela sociedade. Não só pelo povo, mas também pelas empresas. É necessário um plano de ação concreto, com limitação ou mitigação do déficit fiscal. Precisamos das reformas da previdência e tributária. Precisamos de um governo que possa elaborar e apresentar um plano de ação concreto e sustentável de ações capazes de tirar o país dessa situação, mas com apoio da sociedade, que daria esse voto de confiança. Dessa forma, as empresas e a indústria voltariam a acreditar e a retomar seus investimentos e a contratação de pessoas. Do jeito que está, é tudo ao contrário. Não vemos essa liderança. Não temos uma crise de fundamentos macroeconômicos, mas, sim, de confiança. E não se trata de confiar que o Brasil não vai sair disso, mas quando sairá dessa situação.
DINHEIRO – O governo Dilma seria capaz de fazer essa inflexão?
PESTANA – Acredito que será muito difícil, dada a situação atual.
DINHEIRO – Diante desse cenário, qual a lição de casa que todo varejista deveria fazer para sobreviver?
PESTANA – A primeira reação de um varejista com uma queda de vendas é tentar reverter essa situação. Nesse cenário, não é uma boa estratégia. O varejista gastará dinheiro em marketing e promoção que lhe darão uma sensação de gerar caixa, o que não é verdade, pois fará um achatamento de margem tão relevante que perderá liquidez. A lição de casa é conseguir, dentro de um patamar de vendas menor, garantir a rentabilidade. Isso se dá desde o início do processo, na negociação com os fornecedores para que não ocorra achatamento de margem. É preciso buscar também eficiência. A revisão de sortimento é importante. Não vale a pena investir dinheiro em produtos de baixo giro. Com isso, sobram recursos para investir em produtos de alto giro e que são essenciais para garantir o nível de serviço e uma boa experiência de compra para o cliente. Feito isso, sobra a lição de casa de trabalhar com muita eficiência logística e nos custos de retaguarda. Enfim, todos têm de participar da solução. Esse deve ser o foco, dado que não é hora de fazer grandes campanhas, investimentos e expansão orgânica. O que vai garantir a sobrevivência de uma empresa de varejo nesse período é ela estar capitalizada. E, claro, revisitar a equação de estrutura de capital, principalmente o que se refere à dívida financeira.
DINHEIRO – Para quais empresas a crise está pior: varejo de alimentos, de eletroeletrônicos, de medicamentos ou de moda?
PESTANA – Já se sente a crise em todos os segmentos do varejo, mas sempre em diferentes níveis. Os setores de alimentos ou farmacêuticos são mais defensíveis. Os segmentos de bens duráveis, de eletroeletrônicos, de vestuário e de material de construção sentem mais por não venderem itens essenciais para uma pessoa viver. Mesmo assim, até o setor de alimentos sofre. Tanto que, nos diversos formatos desse setor, o que mais cresce é o atacarejo.
DINHEIRO – Por quê?
PESTANA – Porque o fundamento do atacarejo é o preço baixo. Ele não oferece serviço ou variedades gourmets. Ele oferece produto e preço, basicamente. Os consumidores abrem mão de conveniência, de proximidade e serviço para ter preço.
DINHEIRO – Na sua avaliação, que empresas estão mais bem preparadas para enfrentar essa crise?
PESTANA – Os grandes grupos de varejo estão melhor preparados para enfrentar a crise. Primeiro, porque têm capacidade de análise de perspectiva e, muito antes de ocorrer qualquer situação mais grave, já tomam providências. Na minha consultoria, começamos a ser procurados por pequenos e médios grupos de varejo que precisam de ajuda. Isso é normal, pois, no Brasil, só tomamos remédio quando começa a doer. As grandes empresas reagiram e tomaram ações muito antes. E os médios e pequenos começam a tomar ações na hora em que veem que a água está subindo além do que eles podem suportar.
DINHEIRO – Com a crise, muitos varejistas estão enfrentando dificuldades financeiras. Com isso, está uma aberta uma janela para a consolidação do setor?
PESTANA – Isso é verdade. Estamos com todas as janelas abertas para um processo de consolidação. As empresas estão em dificuldade, mas isso não significa que seus ativos perderam todo o valor. Existem empresas pequenas que contam com lojas em localizações únicas. Há bons ativos muito baratos no mercado. A pergunta é por que não acontece o processo de consolidação? Quem quer investir dinheiro para comprar um competidor, se pode ganhar participação de mercado sem fazer esse negócio? Para isso, basta conseguir se manter vivo. Outra razão para não acontecer a consolidação é que muitos varejistas estão pensando em garantir sua liquidez e sua sobrevivência e só vão pensar em aquisições quando houver uma perspectiva para sairem da crise.
DINHEIRO – É curioso notar que nem o comércio eletrônico, cujas vendas ainda crescem, vai bem. Ao contrário, as principais operações, como B2W e Cnova, operam no vermelho e enfrentam uma série de problemas. Por que essa área, que todos consideram o futuro, não consegue ainda ser lucrativa?
PESTANA – É óbvio que o canal de comércio eletrônico é uma tendência de hábito de consumo. Mas existe uma crença muito forte de que o importante é que a empresa terá a maior participação de mercado quando esse segmento explodir em vendas. O que se vê, hoje, é que os líderes do segmento estão comprando participação de mercado, trabalhando com margens bastante baixas e competitivas. Não importa se o negócio ainda não tem rentabilidade. Pois, no futuro, como líder, a empresa imagina que vai ganhar muito mais dinheiro do que as outras quando as vendas explodirem.
DINHEIRO – O sr. tem longa experiência na área de varejo. Por que resolveu mudar de área e vir para a JBS, que tem uma operação pequena de varejo?
PESTANA – Fui convidado para ser o presidente da América do Sul, que envolve a operação de carnes, a área de couros e a JBS Foods, que conta com aves, suínos e processados. Minha experiência de varejo pode ajudar? Sim, até porque os clientes da parte de alimentos são as redes de varejo. Saber como pensa e como trabalha o varejo pode ajudar nas definições de estratégias.
DINHEIRO – Qual o seu objetivo na JBS?
PESTANA – Na verdade, não tenho uma missão específica. Minha vinda faz parte de uma nova estrutura de gestão global, com a criação de quatro plataformas globais: América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia. Cada uma delas conta com um presidente e uma equipe.
DINHEIRO – O sr. está deixando sua consultoria para assumir a presidência da JBS para a América do Sul?
PESTANA – É normal que isso aconteça. Antes da JBS, fiquei alguns meses na presidência da Máquina de Vendas. Mas estou com uma equipe lá e o trabalho continua. A consultoria permanece firme e forte. Tenho seis sócios seniores e 25 associados que tocam a consultoria. Mas não participo do dia-a-dia.
Veículo: Revista IstoÉ Dinheiro