Pesquisa mostra que, no ano passado, quase metade das famílias das classes A e B foi ao menos uma vez se abastecer nessas lojas.
As lojas que misturam atacado e varejo, com apelo de ter preços melhores que o dos supermercados, ficaram conhecidas no Brasil por atrair consumidores mais pobres ou pequenos empreendedores, como dogueiros e donos de pizzarias. Mas a crise começa a mudar essa lógica. Em 2015, quase metade das famílias de alta renda fizeram compras, pelo menos uma vez, em um atacarejo, como são chamados esses estabelecimentos.
Pesquisa da consultoria Kantar Worldpanel mostra que, no ano passado, 49% das famílias das classes A/B foram ao menos uma vez se abastecer nos atacarejos. A consultoria, que visita semanalmente 11,3 mil domicílios espalhados pelo País para saber onde e como os brasileiros consomem itens básicos, revela que esse resultado supera a média para todos os estratos sociais e da classe C, que foi de 39%. Também ficou muito acima do obtido para as camadas mais pobres. Em 2015, quase um terço dos lares das classes D/E compraram no atacarejo.
“Diante da necessidade de racionalizar as compras por causa da crise, os mais ricos passaram a frequentar esse tipo de loja porque sabem que podem ter algum benefício de preço”, explica a diretora da consultoria, Christine Pereira.
Eduardo Wanderley, diretor de Negócios da Mercantil Rodrigues, bandeira de atacarejo do Grupo Cencosud que acaba de abrir a sétima loja na Bahia, diz que desde o fim de 2014 tem se surpreendido com o tipo de público que passou a frequentar as suas lojas.
“Historicamente atendíamos o pequeno comerciante, o transformador, muita gente da baixa renda e um pedaço da classe média. Mas com a crise, as classes A/B estão começando a ir ao atacarejo por questões inflacionárias”, observa o executivo, que diz ainda não ter números para ilustrar essa tendência.
Surpresa. A consultoria selecionou uma cesta com 96 categorias de produtos, entre alimentos, bebidas e itens de higiene e limpeza e mensurou quanto as famílias desembolsaram no atacarejo em relação ao gasto total com esse grupo de produtos, levando em conta todos os tipos de lojas. O resultado surpreendeu. Nas classes A/B, a participação do atacarejo no gasto total com esses itens foi de 10,8% em 2015, enquanto a média nacional foi de 8,3%. Nos demais estratos a fatia de desembolso também avançou em relação ao ano anterior, porém ficou abaixo de dois dígitos.
André Francez Nassar, presidente do Grupo MGB, que tem a bandeira de atacarejo Giga, conta que o consumidor das classes de maior renda representa cerca de 20% da sua clientela na média das três lojas de atacarejo em funcionamento. Mas na unidade de Tamboré, em Barueri (SP), que fica perto de condomínios de luxo de Alphaville, a fatia é bem maior.
Mudanças. A incorporação dos “novos” consumidores forçou os atacarejos a fazerem mudanças para atender a clientela mais endinheirada. Nas lojas da Mercantil Rodrigues é possível encontrar leite líquido sem lactose e produtos in natura, exemplifica Wandeley. “Hoje temos nas nossas lojas produtos mais sofisticados de multinacionais. Cinco anos atrás trabalhávamos mais com marcas de primeiro preço.”
Nassar, do Giga, diz que está mais “ousado” no sortimento. Na loja de Tamboré, por exemplo, foram incluídas cervejas artesanais, marcas premium, como macarrão Barilla e catchup Heinz, além de uma grande área destinada a hortifrutigranjeiros, conta. “Circulando na loja você não tem a impressão de que está numa loja de atacado.”
Recessão. Segundo Christine, da Kantar, o atacarejo tornou-se um canal de compras importante para todos os níveis socioeconômicos. Só no ano passado, ela calcula que 3,7 milhões de famílias, de todos os níveis socioeconômicos, começaram a comprar no atacarejo por causa da recessão combinada com a inflação em alta.
A diretora da consultoria pondera que esse tipo de loja ainda não é o principal canal de abastecimento da população, mas foi praticamente o único que cresceu no ano passado e com taxas invejáveis. Para a cesta de produtos avaliada pela consultoria, as quantidades vendidas no atacarejo aumentaram 26% em 2015 ante 2014, enquanto as vendas dos hipermercados recuaram 4% e as do varejo como um todo caíram 2%. Só as farmácias avançaram 2% no período.
A preferência do brasileiro por esse tipo de loja cresceu no ano passado em todas as regiões do País, mostra a pesquisa. O destaque foi para a Grande São Paulo, o mercado que reúne os consumidores mais ricos. Mas também houve aumento significativo no Centro-Oeste e no Norte e Nordeste.
Apesar de o atacarejo ter caído no gosto de consumidores ricos e pobres por oferecer preços menores, a economia proporcionada por esse tipo de loja pode ser menor do que se imagina. Para uma mesma cesta de produtos adquirida num atacarejo comparada aos demais canais de vendas, que inclui supermercados, hipermercados, lojas de vizinhança, lojas de conveniência, venda em domicílio, por exemplo, a economia foi de 7% no ano passado. Em 2014, chegou a 9%. Só em relação ao hipermercado essa diferença foi de 12% em 2015.
A ideia inicial era que a economia chegaria a uns 30%, diz Christine. “Com essa pesquisa quebramos dois mitos: o de classe social e o de preço”, ressalta.
Veículo: Jornal O Estado de S. Paulo