Maior dificuldade é manter vendas diante do vaivém dos mercados.
As curvas histéricas desenhadas desde o fim do ano passado pelas ações de empresas e o dólar, ao sabor da crise política e da economia brasileira, parecem incompreensíveis do balcão onde o comerciante Edson Umbelino de Araújo vende queijos, fatiados e enlatados entre variada gama de itens de laticínio há 27 anos. O sobe e desce de preços que ele conhece bem e administra com esforço jamais visto na experiente carreira de negociador de alimentos nem se assemelha aos sofisticados relatórios analisados freneticamente pelos investidores e corretores da bolsa de valores, mas segue a mesma lógica.
Em economia, se há dois fatores sensíveis às turbulências que o Brasil vem enfrentando, o bolso e a barriga seguem à frente e juntos, basta observar como pulsam os mercados livres de alimentos e bebidas, na mesma toada dos mercados de câmbio e capitais, guardadas as especifidades de cada um. Por trás da gangorra que move os papéis da Usiminas ou da Petrobras, determinantes nas variações do Ibovespa, o índice das ações mais negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), a chamada lei da oferta e da procura dita as cotações.
Regra idêntica determina a tendência dos preços do queijo canastra, do presunto e do milho comercializados pelo dono do Laticínio Araújo no Mercado Novo de Belo Horizonte. Quanto maior for a oferta das ações e dos alimentos, menores serão os preços e disso dependem os ganhos das empresas e de comerciantes como Edson Araújo. Com a crise econômica que fez as vendas caírem até 50% no antigo mercado de BH, o desafio cresceu, assim como a destreza exige mais dos investidores para não perderem dinheiro no mercado financeiro.
“Hoje a gente faz o que o cliente quer para não deixar de vender. Os brasileiros sentem a incerteza do que virá e nos sentimos como num atoleiro”, desabafa Edson Araújo. Para reverter a baixa das vendas e manter o negócio, ele passou a conceder descontos aos clientes, diversificou o estoque para atender vendedores ambulantes de cachorro-quente e lançou uma cruzada pela redução das despesas. O foco principal foi a conta de luz, que encareceu de R$ 1.100 em dezembro de 2015 para R$ 2,7 mil em março último.
A realidade dos papéis na Bovespa também é de queda neste mês, que na sexta-feira havia alcançado 3,91%, influenciada pela desvalorização de ações de grandes companhias. A volatilidade dos preços que tem acompanhado essas ações não é diferente na rotina do comerciante de hortaliças e frutas Leonardo Santos Silva, que comanda com o pai, Josias, a empresa Rei do Tomate, também instalada no Mercado Novo. “Os clientes tentam enxugar o orçamento e só compram o básico para a mesa. Querem preço melhor, qualidade e prazo para pagar. Se não oferecemos não há venda”, afirma.
Além de enfrentar tempos bem distantes do burburinho de 3 mil consumidores que frequentavam todo dia o andar térreo ocupado pela feira livre no estabelecimento, preocupa Leonardo a dificuldade de lidar com a variações dos preços de alimentos considerados carros-chefes do comércio. A batata-inglesa, que há três meses custava R$ 2 o quilo, já é vendida a R$ 7 o quilo. Tomate de boa qualidade é encontrado na banca a R$ 5 o quilo, quando em fevereiro era comercializado entre R$ 1,50 e R$ 2.
O desafio vale também para o consumidor, de fazer boas escolhas em momentos de tempestade, crise econômica e crise hídrica, que apesar da chuva de verão ainda reflete nos preços dos alimentos. O aumento do desemprego também mudou o perfil dos clientes. Eles estão mais desconfiados e avessos aos riscos, como boa parte dos investidores, sobretudo os pequenos aplicadores no mercado de ações. Em consequência, optam por frutas e legumes da época, por queijos mais baratos e pela pesquisa de preços, que vale para praticamente tudo, dos cereais, frutas secas aos doces.
Pregão na feira
No Mercado Central de Belo Horizonte, o barulho vindo das bancas avisa que o pregão está aberto para negociação com os clientes, o que inclui convites para degustações, apresentação de produtos frescos que acabaram de chegar e a simpatia de sempre para ganhar a preferência. Aos 80 anos, o comerciante Antônio Procópio Filho completou 63 no centro de compras. Depois de tanta experiência, ele garante que na Frutas Procópio pode ser encontrado um dos mais doces abacaxis de Belo Horizonte. Tanto a fruta de polpa amarela e suculenta como a melancia são vendidas também em fatias.
Árdua tática de convencer
Nos últimos seis meses, Procópio tem percebido que a maior parte dos clientes que frequenta a banca tem mostrado aversão ao risco, preferindo apostar em frutas tradicionais, que oferecem retorno garantido. Procópio Filho sente que a crise aumentou o conservadorismo e muitos evitam investir um pouco mais que o previsto no sacolão.
Há mais de seis décadas no mercado, o comerciante calcula que essa é pior crise que enfrentou, “pela sua longa duração.” Especialista nos meandros do mercado financeiro, o consultor e professor Paulo Vieira explica que os mercados de alimentos e bebidas, assim como os de câmbio e de capitais, partem do princípio básico da oferta e da demanda. “O risco que o comerciante e o cliente enfrentam quando o tomate estraga no transporte e os preços são afetados por isso é como o risco da variação cambial (a valorização do real) quando um investidor recorre a empréstimos no exterior para aplicar os recursos no país.
Se as perspectivas duvidosas para a economia chinesa, a cotação internacional das commodities (produtos agrícolas e minerais cotados no mercado internacional) e a turbulência que tomou conta do cenário político brasileiro deixam o coração da bolsa se transformar em um eletrocardiograma, a seca, a inflação e a crise que aperta o bolso do consumidor ditam os preços nas feiras livres e muitas vezes transformam a ida ao mercado em um susto. Nas bancas, os preços são capazes de subir em velocidade espantosa, assim como podem despencar com a sazonalidade ou uma boa notícia na produção. Para o comerciante que sempre enfrentou os altos e baixos da agricultura, o desafio é ter novas estratégias para convencer o cliente.
Rodrigo Oliveira começou a trabalhar na loja do Itamar, seu pai, aos 18 anos e lá se vão 22 de experiência. Além de doces, ele vende os mais variados queijos de Minas, com direito a produtos de origem certificada e paladar sofisticado. “Somos conhecidos pela qualidade, mas essa crise fez o consumidor ficar mais desconfiado, pesquisar mais e buscar preço, por isso diversificamos o nosso mix”, conta Rodrigo. Para fazer frente à queda do movimento desde o segundo semestre do ano passado, na ordem de 15%, Rodrigo expandiu a oferta oferecendo produtos com preços para todos os bolsos. “Foi uma medida contra a crise.”
Dona de um restaurante especializado na comida típica mineira, Rosymeire da Conceição Albergaria não deixa a dever em nada ao dia agitado dos corretores de ações e títulos. Para tentar equilibrar as contas e manter cinco empregados os dias são curtos. “A crise é violenta. Por mais que a gente trabalhe não tem sido fácil pagar as despesas, mas o problema está aí e temos de enfrentar a situação”, afirma. O faturamento caiu cerca de 70% neste ano, enquanto os gastos com luz e gás dobraram no último ano. Para driblar o mau tempo nos negócios, ela colocou o famoso tropeiro da casa em promoção e se prepara para fornecer marmitex.
Maria Luzia dos Santos, dona da Mercearia Santo Antônio, acredita que a maior pressão dos custos vem dos produtos industrializados, que sofrem menos os benefícios da sazonalidade, que muitas vezes tem um viés positivo, ajudando a frear a alta de grãos como o feijão. Guiomar Lúcia de Almeida, de 85, tem 70 anos de experiência em feiras livres, e há 41 está no mercado do Cruzeiro, na região Sul da capital. O carro-chefe do negócio é o tomate, bem vermelho e sadio, mas nem o tempo e a experiência conseguem driblar os preços e acalmar o sobe e desce desse gráfico.
“O tomate é complicado, sol estraga o tomate e o frio não o deixa amadurecer.” No mesmo mercado, Carlos Magno Freitas, de 55, mais conhecido como Catatau, esteve a tempo de fechar as portas no ano passado. O faturamento caiu de R$ 3 mil ao dia para R$ 200. Foi aí que ele teve a ideia de se trancar no quarto até pensar em algo para driblar a crise. Decidiu comprar frutas, verduras e legumes direto do produtor, o que lhe deu espaço para colocar diversos itens em promoção e movimentar a banca. “A estratégia deu certo, estou evitando os atravessadores. No último ano abri duas outras lojas, uma em Santa Luzia e outra no Bairro Funcionários.”
A política de Catatau tem dividido opiniões. Entre os seus colegas de profissão há quem aprove a medida e quem não gostou da tática usada para reduzir preços em tempos de crise. “Entre os produtos que mais oscilam no sacolão estão a batata, a cebola e o tomate, até mesmo esses itens eu consigo colocar em promoção”, avalia Catatau.
Veículo: Jornal Estado de Minas - MG