Apontado recentemente como um dos vilões da inflação, o leite nosso de cada dia agora passa por um revés no preço. O que faz o consumidor abrir o sorriso no supermercado nem sempre causa a mesma sensação nos produtores. O aumento dos preços dos insumos, associado à entressafra, eleva os custos. Além disso, os laticínios ainda precisam conviver com a concorrência do leite em pó usado para reidratar o produto.
Há pouco mais de uma semana, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) editou instrução normativa que proíbe o uso da matéria-prima em pó importada – permitindo aquela produzida no país –, para fazer a reidratação do leite nos municípios localizados na área da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A situação apenas ameniza o problema, segundo os produtores. A intenção deles é que a pasta vete por completo esse procedimento.
A medida para reidratação regulamenta a reconstituição de leite em pó para a produção de leite pasteurizado e UHT. Em julho, outra determinação do ministério liberava o uso sem fazer essa distinção. No entanto, a proibição vinha sendo alvo de investidas das associações do setor leiteiro que enxergam nessa portaria a possibilidade de enfraquecer a concorrência e o próprio setor.
“A intenção é que ela (portaria) seja suspensa por completo, podendo ser liberada apenas em momentos de secas muito fortes ou quando alguma situação específica provoque a queda na produção. Nesses casos, também deve ser determinado o tempo de duração da liberação”, considera João Lúcio Barreto Carneiro, presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Minas Gerais (Silemg).
Ainda segundo o presidente do sindicato, a restrição para que o procedimento seja feito com leite em pó nacional apenas reduz a dificuldade. “Isso ameniza parte do problema. Se temos que reidratar que seja feito com o leite nacional e não com o importado. A gente continua tendo problema e isso é mais um desestímulo ao produtor”, afirma.
Outro problema que ronda a reidratação está na dificuldade de fiscalização pelos órgãos competentes para identificar se a indústria cumpre o limite de 35% de adição de leite em pó e usa apenas o produto nacional no procedimento. “Como o Ministério da Agricultura vai fiscalizar isso? A cor é a mesma e o produto é o mesmo. Se eles quiserem misturar ali o feito aqui ou o importado como vai ser comprovado?”, indaga Rodrigo Alvim, diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) e presidente da Comissão Nacional de Pecuária Leiteira da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Os dois representantes das entidades fazem coro ao afirmar que o setor precisa de incentivos. A alta nos preços do leite, segundo eles, não foi suficiente para alavancar a produção em 2016. Nos anos anteriores, a produção vinha acumulando taxas seguidas de crescimento. Em Minas Gerais, passou de 8,3 bilhões de litros captados em 2010 para 8,7 bilhões em 2011; 8,9 bilhões em 2012 e 9,3 bilhões em 2013. No ano seguinte se estabilizou e caiu a 9,1 bilhões em 2015. A estimativa dos produtores para 2016 é de estagnação no patamar alcançado no ano passado. Minas responde por cerca de 1/3 da produção nacional, de acordo com a Faemg.
Procurado pela reportagem do Estado de Minas para falar sobre como será feita a fiscalização do uso do leite em pó nacional em lugar do importado e sobre o pedido dos produtores de proibição completa do procedimento com o produto de origem estrangeira, o Ministério da Agricultura informou que o secretário de Política Agrícola, Neri Geller, está em agenda fora do país até 8 de novembro. Por esse motivo, a pasta não poderia “atender à demanda” do EM.
PRESSÃO NO CAMPO As fazendas leiteiras, além das dificuldades de entressafra e do aumento do custo dos insumos – milho e soja para alimentar o gado –, sofre com o avanço das importações, principalmente por causa de acordos do Mercosul que possibilitam que o produto vindo da Argentina e Uruguai tenham preços mais competitivos. No caso da Argentina ainda existe limite para a compra externa, mas para o Uruguai isso não existe, o que impacta muito o mercado interno.
Antes da edição da portaria que restringiu o uso do leite importado na área mineira da Sudene, segundo o diretor da Faemg, Rodrigo Alvim, o produtor começava a recuperar e ganhar fôlego, mas foi novamente surpreendido com a possibilidade do uso do leite em pó.
O aumento das importações foi de 85% neste ano em comparação com o ano passado, por isso, a limitação ao uso do produto nacional apenas faz com que a situação não fique ainda pior. Alvim reclama, ainda, da falta de políticas públicas para o setor.
Fonte: Jornal Estado de Minas