Após fechar 2016 com um déficit de US$ 485 milhões – quase cinco vezes mais que no ano anterior -, a balança comercial do setor de lácteos iniciou 2017 com mais um déficit expressivo, contrariando as expectativas de analistas e empresas, que esperavam um arrefecimento das importações.
Em janeiro, as compras de lácteos no exterior cresceram 126% sobre igual mês de 2016, para 19.042 toneladas. O volume importado custou US$ 58,809 milhões, 176% mais do que em janeiro de 2016. Ao mesmo tempo, as exportações de lácteos em janeiro cresceram 11,4% em receita, para US$ 10,997 milhões e 51,8% em volume, para 4.154 toneladas, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela MilkPoint (ver infográfico).
Os números surpreenderam porque a expectativa, no fim de 2016, era de que a recente alta dos preços internacionais dos lácteos – que voltaram a níveis históricos de US$ 3.500 por tonelada – desestimulasse as importações em meio à perspectiva de recuperação da produção de leite no Brasil. Mas os analistas não contavam com um fator: a queda expressiva do dólar, que incentiva as importações. Em janeiro de 2016, o valor médio do dólar ficou em R$ 4,0547 e em janeiro deste ano, em R$ 3,1969, segundo o Valor Data.
Há outra razão tão relevante quanto o dólar, segundo analistas e indústria. Embora esteja em recuperação, a oferta doméstica de leite para processamento ainda é apertada, como indicam os preços ao produtor e dos produtos finais.
Segundo a Scot Consultoria, em janeiro passado, os preços ao produtor ficaram praticamente estáveis no país, em R$ 1,102 por litro. A expectativa ainda era de queda dos preços, mas a menor produção em bacias leiteiras do Sul do país e no Sudeste seguraram as cotações.
"O mercado interno entrou 2017 com preço mais alto do que na mesma época do ano passado porque a produção caiu", observa Valter Galan, analista do MilkPoint.
Marcelo Costa Martins, diretor-executivo da Viva Lácteos, que reúne laticínios, concorda que a menor disponibilidade doméstica de leite estimula as importações, mas diz que a perspectiva ainda é de que as importações fiquem abaixo do ano passado à medida que o produção se recupera.
Um industrial afirma que ainda há falta de matéria-prima no mercado e que, diante da queda do dólar, a importação compensa. "Os preços subiram em dólar, mas a moeda americana caiu em janeiro deste ano sobre janeiro de 2016", diz. Ele acredita que a produção brasileira de leite deve parar de cair em 2017 após dois anos de recuo em decorrência de alta dos custos e problemas climáticos. Mas avalia que neste momento o produtor de leite ainda "está desanimado, resultado do baixo preço do leite no fim do semestre".
Entre os produtos mais importados está o leite em pó. A diferença entre os preços do produto importado e os do leite em pó nacional pode explicar a preferência pelo item uruguaio ou argentino. Segundo a Scot Consultoria, o preço de referência do leite em pó no atacado no Sul do país está na casa dos R$ 12 mil por tonelada atualmente, ou cerca de US$ 3.800,00. Em janeiro, estava no mesmo patamar. Considerando um dólar médio no mês passado de R$ 3,20, o preço doméstico equivalia a US$ 3.750 por tonelada. Já o produto importado em janeiro teve preço médio FOB (free on board) de US$ 3.028 por tonelada, segundo a Secex. "O câmbio favoreceu a importação", avalia Rafael Ribeiro, da Scot.
Ainda que espere estabilidade ou ligeira alta na produção de leite no país, Ribeiro acredita que deve haver "volumes significativos de importação nos próximos meses", mas abaixo de 2016.
No atual ambiente de preços e do câmbio, a exportação de lácteos está menos competitiva. O cenário ideal, segundo Martins, da Viva Lácteos, seria um câmbio na casa dos R$ 3,50 e leite em pó a US$ 4 mil no mercado internacional.
Mas ele aponta razões para otimismo. Em janeiro, diz, o Brasil exportou volumes significativos de leite condensado para Arábia Saudita e Emirados Árabes, reduzindo a dependência da Venezuela, que já foi o maior importador de lácteos do país. Há ainda expectativa de ampliar mercados, como o Chile, que enviará missão ao Brasil em março para habilitar ou reabilitar 18 estabelecimentos para exportação de lácteos. O México também está no radar dos exportadores. Conforme Martins, está em curso processo de habilitação de plantas e há pedido para corte de tarifas de importação, que em alguns casos, chegam a 60%.
Por Alda do Amaral Rocha | De São Paulo
Fonte : Valor Econômico